Que
audiência foi
essa?
((
Wilson Cid, hoje, no “Jornal do Brasil”))
Há
certas perguntas que se dão ao luxo de aceitar as mais diferentes
respostas. Por exemplo, e por ser assunto momentoso: o que, afinal,
Luiz Inácio trouxe em sua bagagem, depois de ser recebido no
Vaticano pelo Papa? Observe-se, antes de tudo, que o ex-presidente
está longe de ser um fiel católico de comunhão diária; e, por
cortesia do anfitrião, nem foi constrangido a dizer há quantos
domingos não vai à missa na matriz de São Bernardo... Com toda
certeza, a bênção apostólica não será suficiente para livrá-lo
dos problemas que enfrenta nesta fase da vida. De qualquer forma, ele
e o pontífice dão uma cartada contra Bolsonaro, adversário
ideológico de um; e quem também desagrada ao Papa, tratando-se de
evangélico de confissão. Personagem sobressalente no episódio, ao
se prestar à missão de abrir portas para a audiência, o novo
presidente da Argentina parece estar disposto a mostrar que tem
seguro prestígio com o compatrício Francisco, de quem não se pode
esquecer tratar-se de um jesuíta, dissimulado e teimoso seguidor de
santo Inácio. Vê-se que, pelo menos no nome, tem mesmo sua origem
eclesiástica algo a ver com o líder do PT, que na semana passada
recebeu para conversar.
Mas,
além de Inácio, há um ponto ainda melhor para unir o visitante e o
visitado: ambos vivem momento perturbador nas diferentes áreas em
que atuam, porque têm sido chamados a enfrentar o desafio da
polarização. No Brasil, Lula carrega a responsabilidade de comandar
forças políticas de esquerda ou insatisfeitas, tarefa que lhe teria
sido menos espinhosa se continuasse encarcerado, condição em que
pretextava perseguição politica. Já Francisco, na sua Roma Eterna,
tem se incomodado com outro tipo de radicais, confrontando-se com as
correntes mais conservadoras da Cúria. Talvez seja possível afirmar
que o clima de divergências que ali se instalou figura entre as
delicadas consequências do papado emérito de Bento XVI, oráculo
dos antirreformistas. Um na política, outro na fé, certo é que
ambos têm seu Calvário pela frente; e talvez nesse sentido pudessem
trocar algumas palavras de mútua solidariedade.
Os
católicos de vocação mais tradicionalista não perdoam o Papa por
ter admitido essa visita. Acham que seu líder dispunha de argumentos
vários para se desviar do visitante, evitando uma atitude que acabou
se revelando hostil ao presidente brasileiro; como também ao poder
Judiciário, que já condenou Lula a 29 anos de prisão, e o aguarda
com outros processos que tratam de corrupção. O ministro Augusto
Heleno, ironizando, aderiu aos críticos, definindo o encontro como
gesto de compaixão, tal como Cristo tratou criminosos de seu tempo.
Com isso ajudou a atiçar lenha no fogo que arde desde a reunião.
Para outros, dentro ou fora do governo, melhor é não levar o caso a
sério, que julgam mera encenação: o pontífice fingiu que abençoou
e Lula fingiu que acreditou.
Mas
nem o ministro nem católicos e evangélicos podem negar, com cabeça
fria, que pelas frestas vaticanas também vazou algo indiscutível:
Bolsonaro precisa de Lula como peça de uma contraposição para
polarizar sua trajetória política. Quanto a isso, eles não teriam
muito, objetivamente, a torcer o nariz para o Papa. Da mesma forma
como o líder petista contabiliza o afago para seus projetos, porque
pode sensibilizar áreas progressistas da Igreja, que repudiam o
atual governo e o acusam de excessiva identificação com a direta.
Para comprovar imediatos benefícios diretos ou indiretos basta
conferir milhares de postagens nas redes sociais, que analisam as
repercussões da audiência. Dividem-se, acalorados, os que aplaudem
ou apupam.
Portanto,
mais agora com o incenso e sob a égide da bênção papal, o quadro
da política brasileira vai caminhando para traçar um horizonte que
concede espaço apenas para os que são contra ou a favor de qualquer
coisa. Eis o tempo radical.
Situações
dessa natureza tendem a aprofundar o conhecimento e o debate em torno
de ideias divergentes, o que é bom; como também podem favorecer a
violência, o que é muito ruim.
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