JF
e suas epidemias
A
paisagem vazia das ruas da cidade, só raramente quebrada pelos
poucos que vão às compras indispensáveis, é o remédio
adotado como forma de
conter o avanço do coronavírus, sem que falte o protesto dos
que, encorajados pelo presidente Bolsonaro, acham que melhor é
enfrentar o mal invisível e
não a certeza
do desabastecimento e
do desemprego, que são o castigo inevitável da economia recessiva.
As pessoas têm sentido
o isolamento. É como se estivéssemos
num campo de concentração. Júlio Zanini, acostumado à agitação
dos
eventos sociais,
telefona para dizer que fica
deprimido quando vai à
janela e depara
com o deserto do
asfalto e das calçadas. Para
acentuar o
ruim
desse clima, cada
autoridade sanitária
tem sua própria
previsão para o fim do exílio involuntário.
O
aborrecimento talvez se
faça menor se cada juiz-forano
olhar para outros
tempos,
e ver que já tivemos tempos
piores. O passado consola ou, pelo menos, ajuda a enfrentar o desafio
do momento.
O
ex-prefeito Procópio
Filho contava os horrores da Gripe Espanhola no ano de 1918. Era
estudante no Rio de Janeiro, e, quando viu caminhões e carroças
carregados de
cadáveres, correu para a
gare, embarcou no trem
Noturno para Juiz de
Fora, mas a gripe
viajou mais
rápido. Já estava fazendo as primeiras
vítimas,
que no final do
balanço sinistro eram
651 mortos.
A Espanhola, que acabou
com quase metade da população do mundo, foi-se daqui cumprindo a
tradição das epidemias: terminou
inesperadamente, da
mesma forma como havia
chegado.
Escreveu Paulino de
Oliveira que em sua rua, Paula Lima, os corpos ficavam nas janelas à
espera do caminhão da prefeitura que os recolhesse.
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Temos
velha intimidade com manifestações epidêmicas na crônica urbana
de Juiz de Fora, cidade fácil presa para essas doenças, porque
tinha a facilitá-las os esgotos a céu aberto, córregos imundos,
poças de água deixadas pelas chuvas e os constantes vazamentos do
Paraibuna. Tudo bem posto para o progresso de varíola, febres
tifóide e palustre. Já dispúnhamos de um código de posturas, mas
poucos o obedeciam.
A
primeira epidemia, em 1855, durou quase meio ano. Nunca se soube
exatamente quantos morreram, porque a grande maioria da população
era formada de escravos da zona rural, e as estatísticas oficias não
tinham maior apreço por eles.
Sucederam-se
as epidemias de 1871, 1874 e 1885, esta agravada com a promiscuidade
em que viviam os 900 italianos na Hospedaria dos Imigrantes, onde
hoje está o quartal da Polícia Militar. As febres de sempre,
poucos remédios e precários recursos sanitários. A tifóide chegou
pesada, quando já estávamos no outro século: 1921.
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O
pior ainda estava por vir. O terrível colera morbus
desembarcou em 1899; e para mostrar que não chegou para
brincadeira, foi logo matando uma das principais figuras da cidade,
José Cândido Americano, agente do telégrafo, um jovem de apenas 23
anos. A chamada “febre de mau caráter” começou a devastação,
e sem que muitos nem soubessem o que estava acontecendo, morreram 47.
No dia 27 de maio o Diário de Minas estampava a manchete “Juiz de
Fora vive terrível calamidade”, e pediu que o governo estadual
socorresse a população. O governador Silviano Brandão mandou 15
contos, logo seguido de apelo por mais 30 contos. Os trens saíam
lotados e muitas famílias corriam para a Colônia de São Pedro,
onde a incidência era visivelmente menor, ao contrário dos lugares
onde se morria mais facilmente - ruas Santa Rita e Marechal Deodoro.
Conta
o historiador Jair Lessa: “Sinos das igrejas tocavam o dia inteiro,
até que pararam, porque a morte não era mais novidade. Supôs-se
que a culpa era dos sanitários que provocavam gases por baixo da
terra”. Para outros a febre saía dos assoalhos, do que veio a lei
proibindo casas com porões.
A
Câmara serviu de hospital de emergência, obrigada, para tanto, a
fazer a caiação das paredes, e foi além: alegando emergências,
pediu aumento de 30% nos impostos e redução de 10% nos vencimentos
dos servidores.
Como
se disse, as epidemias chegam e vão embora sem maior cerimônia, e
três meses depois, 6 de julho, uma banda de música passava pelas
ruas centrais comemorando o fim a epidemia. A de 1889 foi assim; mas,
se deixou estragos, também inspirou os médicos na criação da
Sociedade de Medicina, que tinha como principal missão o combate às
insalubridades, num esforço para despedir de vez esses males.