O júri na berlinda
(( Wilson Cid hoje no "Jornal do Brasil" ))
Diante de uma escala de prioridades que vai se estendendo, cada vez mais, na pauta da Câmara, torna-se difícil, quase impossível, prever quando os deputados poderão dedicar tempo e atenções à recente sugestão do presidente do STF para ampla reforma nos mecanismos do tribunal do júri, carente, como não se nega, de retoques que possam contribuir para aperfeiçoá-lo. Muitos projetos de reformas básicas que antecederam tal iniciativa, todos reclamando tramitação, fato somado à natural lerdeza do Congresso em ano eleitoral, associam-se para condenar a proposta do ministro José Antônio Dias Toffoli a sucessivos adiamentos. Nada, contudo, suficiente para negar importância à matéria, pois o velho tribunal julgador de crimes dolosos contra a vida não pode mais manter-se alheio às mudanças impostas pelo tempo.
Há argumentos vários que permitem imaginar longas discussões sobre o modelo consagrado pela Justiça, a começar pela incidência de 30% de prescrições, a limitação do número de testemunhas, a desburocratização de procedimentos, sentença de pronúncia, entre outros detalhes que não escaparam do texto de justificação levado ao presidente da Câmara. São detalhes que logo se alinham para previsão de longa morosidade, desta também vítimas as incontáveis proposituras que andam pelas comissões por três anos ou mais; idêntico tempo de espera do qual não deve escapar a contribuição encaminhada pela mais alta corte do país.
Perpetuado como inovação no texto da Constituição da Inglaterra em 1215, certamente que ao júri cabem revisões recomendadas pela própria experiência. No Brasil, já tendo entrado e saído das Constituições, com maior ou menor disciplinação, sempre teve quem o aplaudisse, como a mais acertada forma de dar à sociedade o direito de julgar delitos que a ofendem; como também coleciona críticos severos, sem que faltem entre estes os que lançam mão da ironia. Para Millôr Fernandes, por exemplo, “chama-se tribunal do júri a um grupo de pessoas que, por não terem prestígio para escapar dele, assume o poder de condenar qualquer réu”…
Há os que veem o declínio desse instituto, por considerá-lo superado para o Direito Comparado, como revelou, em estudo publicado no primeiro trimestre de 1971, o professor Hamilton de Moraes e Barros, da Universidade do então Estado da Guanabara. Ele recorre à própria ancianidade do Direito para elaborar suas reservas a esse sistema de julgamento. E indaga, no ensaio acima referido, quem poderia afirma que o tribunal do júri aplica bem a lei penal? Seria capaz de aplicá-la tão bem quanto o juiz togado, este com maior independência?
O professor Moraes e Barros foi além. “Julgar é atividade intelectual que exige recolhimento e concentração. O júri é a negação disso. O espetáculo, a encenação, as solicitações múltiplas da atenção do jurado, o cansaço, longa duração dos julgamentos, tudo conspirando contra um bom julgamento, meditado, ponderado”. É a sorte de um criminoso diante do colegiado, não pela via da decisão monocrática, como observou.
Os detalhes críticos excitam dúvidas entre juristas, mas não tiveram espaço nas preocupações do presidente do Supremo, pois, para ele, entendido ficou que o tribunal constituído por cidadãos deve sobreviver, e a atribuição legislativa limita-se a tentar remover o que parece superado ou equivocado. Mas a iniciativa de Toffoli, ainda que disputando tempo e vagar entre tantas preocupações, tem de ser considerada, mesmo pelos que condenam o sistema em vigor e preferem vê-lo extinto. Ora, nada impede que seja aperfeiçoado o que já existe, porque nesse e em outros campos da Justiça o que se observa é o grave descompasso entre a velocidade da vida contemporânea e a marca das atenções jurisdicionais. Se o ministro se preocupa com isso, eis o suficiente para ser ouvido.
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