segunda-feira, 9 de março de 2020


(( Wilson Cid hoje no ”Jornal do Brasil” ))



O espaço feminino


O domingo merecia ter sido melhor aproveitado para ampliar discussões e estudos sobre a contribuição feminina nos destinos da sociedade brasileira. Afinal, transcorria o Dia Internacional da Mulher, e, pelo que se viu, foram escassas as iniciativas nesse campo. Em países vizinhos o calendário acabou ganhando maiores atenções. Se efetivamente essa parcela da população tem se organizado em permanentes lutas por seus direitos, e mesmo que tenham acontecido várias conquistas nas últimas décadas, não é menos verdade que ainda há muito a ser alcançado e um longo caminho a percorrer. Apenas para desenterrar um dado sugestivo: no Brasil, como dão conta pesquisas e análises de cientistas políticos, nada além de 16% das candidatas nas eleições que transcorreram em 2018 foram eleitas. Nos dois anos anteriores as urnas municipais haviam aprofundado a tendência machista do eleitorado, pois a elas atribuíram-se pálidos 11,8%. Um claro contraste com o fato de o gênero representar 52% dos habitantes do país. Seja visto que para isso o desinteresse delas também colaborou, e que reflete, paralelamente, sua modesta confiança na própria capacidade de influir e decidir. Eis a questão que salta aos olhos como a mais instigante.

Não há como ignorar que a democracia podia estar melhor no Brasil se elas estivessem mais representadas no cenário político; de forma a oferecer à sociedade o patrimônio de valores que constroem nos lares, no trabalho, na formação de gerações, em nome da desejável sociedade minimamente igualitária, justa e inclusiva; ou, pelo menos, em um universo menos desigual. Há quem negue maior relevo a isso, mas parece que a adoção de ações afirmativas de inserção e incentivo da mulher na política poderia contribuir para maior igualdade nos direitos comuns.

Há muito, por suas mãos, a fazer, como se lia ontem em uma publicação das Edições Paulinas: essa participação “traria mais discussões sobre os temas que hoje tanto afligem a população: combate à violência, acesso ao emprego, melhora no direito à saúde e a atendimentos especializados”.

É forçoso reconhecer que um dos temas atuais no estudo da ciência política é tornar mais elástica a participação feminina na política. Porque qualquer análise que se faça demonstra que está cristalizada sua sensível inferioridade nos destinos do país. É necessário, então, persistência nas cotas eleitorais que lhes são des1tinadas, que, como passo inicial na legislação, já são designados 30% de espaços para terem candidatura nos partidos, quaisquer que sejam seus programas ou propostas ideológicas. Preciso perseverar também, no mesmo percentual, os recursos de campanha que já lhes é reservado no fundo eleitoral, sem embargo dos eventuais desvios e camuflagens, como se constatou na última eleição. (A Justiça tem analisado vários processos das "laranjas" que figuraram nas chapas dos partidos, com a finalidade de captação de recursos pela via da fraude). Não podem se prestar a isso.


Sendo vítimas da malandragem de dirigentes partidários ou com eles coniventes, e mesmo diante da prática de desvios, é necessário considerar que se sobrepõe a tudo a garantia constitucional da presença da mulher na política. E constitui tarefa da Justiça manter-se vigilante para garantir esse direito. A política de cotas tem como fundamento a reserva de vagas para o gênero minoritário em termos de participação; mas, mesmo assim, os espaços na composição de chapas estão longe de assegurar melhores caminhos para a elevação dessa representação política na vida da sociedade brasileira.

O que fazer? Talvez sejam muitas as respostas dos observadores a tal indagação; mas, com toda certeza, o remédio de melhor eficácia possamos tirar das entranhas da própria política, que precisa valorar-se, torna-se mais atraente à parcela feminina da nação. Se um dia isso for possível talvez as casas legislativas deixem de ser os fechados “clubes do bolinha” que temos hoje.




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