terça-feira, 24 de março de 2020






Depois da tempestade


(( Wilson Cid hoje no ”Jornal do Brasil” ))

O que anima a esperança, eterna sobrevivente das horas de aflição, é que o coronavírus se despeça do mesmo jeito como as pestes que o antecederam; isto é, saindo sem maiores ruídos e com rastros menos trágicos que esses que estamos vendo hoje mundo afora. E já que aconteceu, que deixe lições e temas para a sociedade refletir, depois de mostrar que a economia, a produção e a vida das pessoas sempre foram valores insuficientes para barrar um vírus, mal invisível, viajante do espaço que a vista humana nem é capaz de alcançar. Enfermidades como esse novo matador mostram-se poderosas, solapam e matam; tanto faz os miseráveis de aldeias africanas ou os países mais arrogantemente poderosos. Tomara, pois, que, passada a tempestade, com ela aprendamos alguma coisa. Seria a única forma de darmos como vencida o visitante inóspito, que veio da China e desembarcou nos portos de todos os continentes.

É possível que o mundo melhore sobre as ruínas deixadas pelo sopro do grande malfeitor. Ainda agora, procurado rever antecedentes que justifiquem reflexão, deparo com Edwin Muller ao historiar o que se auriu da Peste Negra, que em 1348 matou metade da civilização então conhecida: Veio o depois dela: “Os escassos trabalhadores sobreviventes ficaram mais eficientes, remontam à época melhoramentos dos métodos agrícolas e industriais, operou-se uma renovação das Artes e das Ciências, surgiu novo espírito de investigação, um fantástico estímulo à busca do saber”. Em seguida, a Europa atingiria um dos pontos culminantes da História, com a Renascença. É assim. Quando passam as tormentas chegam as bonanças. Tomara que isso se repita.

O Brasil começa a avaliar questões mais profundas e decorrentes, sem estarem ausentes algumas correntes desejosas de tomar carona no corona e rever o calendário eleitoral, considerando que os pleitos de outubro poderiam não ocorrer, diante dos prazos estabelecidos pela legislação e as resoluções do TSE relativas a filiação partidária, além das mudanças de partido, prazos para a organização de convenções, a pré-campanha, os registros de candidaturas e demais providências eleitorais - tudo definitivamente comprometido em função da pandemia. Como também surge nos meios políticos a retomada da proposta de prorrogação dos atuais mandatos de vereadores e prefeitos. Outros defendem o remanejamento do calendário, de forma que o pleito se transfira para novembro.

Mesmo que para alguns isso tenha cheiro do oportunismo entrando pelas narinas da democracia, tudo certamente há de depender da extensão dos danos a serem causados pelo Covid-19, com base em prognósticos para a crise econômica; certamente assustadores, com repercussão na administração pública em todas as esferas de poder. O orçamento federal vai ser alterado, os recursos precisam ser realocados e as verbas para a saúde pública exigem maior robustez; além do que, a economia do país tem de socorrer empreendimentos que gerem empregos e rendas, graças ao agravamento do processo de recessão.

Ante tal conjuntura, a realização das eleições municipais mergulham na berlinda: por um lado, dificuldades na realização de campanha pelos candidatos; de outro lado surge o choque da realidade com que defrontarão os futuros prefeitos, condenados a administrar o caos pós-pandemia; e com parcos recursos.

Diante desse quadro também surge a tese de coincidência das eleições no ano de 2022. Para muitos ela é propícia, motivada mais agora pela gravidade da situação econômica. Os defensores de eleições gerais, do vereador ao presidente da República, têm como forte argumento a necessidade de se limitarem os gastos em tempo de vacas magérrimas. Outra preocupação seria a escassez de recursos para a campanha, já que o fundo de financiamento eleitoral haverá de esvazia-se, graças ao estado de calamidade.

Tudo pode ganhar espaço no debate político; mas antecipar aquelas propostas, quando ainda respiramos clima de profundas incertezas, pode ser algo inoportuno, pois no imediato nem temos como avaliar os rastros que ficarão do grande mal que está de passagem.

A crise atual, como foram as congêneres passadas, haverá de ser como parteira de uma nova vida. Outras condutas são esperadas dos líderes, quando a tempestade sumir no horizonte. Que possamos encontrar saídas de melhor proveito para o país, sem oportunismos e sem pretender explorar politicamente os acidentes que o corona arrastou consigo.


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