Depois
da tempestade
(( Wilson Cid hoje no ”Jornal
do Brasil” ))
O que anima a esperança,
eterna sobrevivente das horas de aflição, é que o coronavírus se
despeça do mesmo jeito como as pestes que o antecederam; isto é,
saindo sem maiores ruídos e com rastros menos trágicos que esses
que estamos vendo hoje mundo afora. E já que aconteceu, que deixe
lições e temas para a sociedade refletir, depois de mostrar que a
economia, a produção e a vida das pessoas sempre foram valores
insuficientes para barrar um vírus, mal invisível, viajante do
espaço que a vista humana nem é capaz de alcançar. Enfermidades
como esse novo matador mostram-se poderosas, solapam e matam; tanto
faz os miseráveis de aldeias africanas ou os países mais
arrogantemente poderosos. Tomara, pois, que, passada a tempestade,
com ela aprendamos alguma coisa. Seria a única forma de darmos como
vencida o visitante inóspito, que veio da China e desembarcou nos
portos de todos os continentes.
É possível que o mundo
melhore sobre as ruínas deixadas pelo sopro do grande malfeitor.
Ainda agora, procurado rever antecedentes que justifiquem reflexão,
deparo com Edwin Muller ao historiar o que se auriu da Peste Negra,
que em 1348 matou metade da civilização então conhecida: Veio o
depois dela: “Os escassos trabalhadores sobreviventes ficaram mais
eficientes, remontam à época melhoramentos dos métodos agrícolas
e industriais, operou-se uma renovação das Artes e das Ciências,
surgiu novo espírito de investigação, um fantástico estímulo à
busca do saber”. Em seguida, a Europa atingiria um dos pontos
culminantes da História, com a Renascença. É assim. Quando passam
as tormentas chegam as bonanças. Tomara que isso se repita.
O
Brasil
começa a avaliar questões
mais profundas e
decorrentes, sem estarem
ausentes algumas correntes
desejosas de tomar
carona no corona e
rever o calendário eleitoral, considerando
que os
pleitos de
outubro poderiam
não ocorrer, diante dos
prazos estabelecidos pela legislação e as resoluções do TSE
relativas a
filiação partidária, além
das mudanças
de partido, prazos para a
organização de convenções, a pré-campanha, os registros de
candidaturas e demais providências eleitorais - tudo
definitivamente comprometido em função da pandemia. Como também
surge nos meios políticos a retomada da proposta de
prorrogação dos atuais mandatos de vereadores e prefeitos. Outros
defendem o remanejamento do calendário, de forma que o pleito se
transfira para novembro.
Mesmo
que para alguns isso tenha cheiro do oportunismo entrando pelas
narinas da democracia, tudo certamente há de depender da extensão
dos danos a serem causados pelo Covid-19, com base em prognósticos
para a crise econômica; certamente assustadores, com repercussão na
administração pública em todas as esferas de poder. O orçamento
federal vai ser alterado, os recursos precisam ser realocados e as
verbas para a saúde pública exigem maior robustez; além do que, a
economia do país tem de socorrer empreendimentos que gerem empregos
e rendas, graças ao agravamento do processo de recessão.
Ante
tal conjuntura, a realização das eleições municipais mergulham na
berlinda: por um lado, dificuldades na realização de campanha pelos
candidatos; de outro lado surge o choque da realidade com que
defrontarão os futuros prefeitos, condenados a administrar o caos
pós-pandemia; e com parcos recursos.
Diante
desse quadro também surge a tese de coincidência das eleições no
ano de 2022. Para muitos ela é propícia, motivada mais agora pela
gravidade da situação econômica. Os defensores de eleições
gerais, do vereador ao presidente da República, têm como forte
argumento a necessidade de se limitarem os gastos em tempo de vacas
magérrimas. Outra preocupação seria a escassez de recursos para a
campanha, já que o fundo de financiamento eleitoral haverá de
esvazia-se, graças ao estado de calamidade.
Tudo
pode ganhar espaço no debate político; mas antecipar aquelas
propostas, quando ainda respiramos clima de profundas incertezas,
pode ser algo inoportuno, pois no imediato nem temos como avaliar os
rastros que ficarão do grande mal que está de passagem.
A
crise atual,
como foram as
congêneres passadas,
haverá de ser como
parteira de uma nova vida. Outras
condutas são esperadas
dos líderes, quando a
tempestade sumir
no horizonte. Que
possamos encontrar saídas de melhor proveito para o
país, sem oportunismos
e sem pretender
explorar politicamente
os acidentes
que o
corona arrastou
consigo.
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