terça-feira, 13 de abril de 2021

 


Receita temperamental



(Wilson Cid, hoje, no ”Jornal do Brasil”


O presidente Jair Bolsonaro tem permitido que a opinião pública se incline a admitir que o projeto de um segundo mandato vai se inspirando, cada vez mais, apenas no seu temperamento pessoal, apesar de a leitura que faça da política nacional indicar que se trata de uma rota acidentada, de fácil ruptura no embate com a realidade dos fatos. Mesmo os contingentes bolsonarista e direitista que lhe devotam admiração percebem isso com clareza; e tem razão por temer, porque os temperamentais costumam cavar para si o abismo que tencionavam para outros.


Quanto mais se sabe sobre essa personalidade, quanto mais se avalia seus improvisos, mais se conclui que não se trata de um pensar racional, mas obra do temperamento; e somente caminho escolhido para definir os elementos estruturais do projeto de 2022. Seu comportamento e suas reações vão se impondo de tal forma, que obnubilam algo que os políticos, notadamente os que disputam eleições, não podem desconsiderar: é conduta que, não raro, conduz, no jogo perigoso do xadrez político, a cartadas-ciladas de alto risco. Seria esse, de fato, o modelo adequado que o levaria a viabilizar a candidatura por um novo mandato. É sabido que entre os laboradores estreitos há quem tema os resultados do modelo adotado pelo chefe. Mas, sempre sujeitos à destituição, nem todos o contestam, o que faz crer que é mesmo com esse bornal às costas que continuará caminhando. Pois bem.


Talvez Bolsonaro, ainda que por mero exercício de intuição, tenha aderido à ideia de que o Brasil, muitas vezes, se revela um país governado por impulsos. No dizer do veterano senador Afonso Arinos a trajetória dos nossos homens públicos se distribui em duas camadas: a dos impulsivos e a dos impacientes. Sem intenções preconcebidas, nem excesso de pendor crítico, pode-se concluir que o atual presidente preferiu absorver impulsividade e impaciência a um só tempo. Não é outra coisa que salta aos olhos, considerada a sua imensa capacidade de abrir frentes simultâneas de combate, ignorando a velha tática napoleônica de dividir os inimigos para mais facilmente enfrentá-los. Ao contrário, como se viu entre repetidas tensões da semana passada, os disparos colocaram, sob o mesmo alvo, ministros do STF, banqueiros, senadores, governadores e cientistas. Sem faltar, é claro, a mídia, já eleita como o demônio de sua predileção, que ele gosta de exorcizar já no café da manhã.


Mas a questão essencial até escapa dos planos da candidatura distante, quando ele nem mesmo sabe que tipo de adversários terá pela frente. O que cabe, desde já, é considerar o cenário centrado nas ações que tem projetado; e, que haverão de preocupar, mais ainda, se as dificuldades acabarem avançando para o campo da governabilidade. Porque as ações e reações do presidente, além de não fazerem parte do bom figurino de estadista, confirmam, no dia a dia, um perigoso conteúdo temperamental e mercurial. Foi o que prosperou, semana passada, quando resolveu despejar os três poderes num único balaio de relações inamistosas, com a singularidade de Executivo, Legislativo e Judiciário se revelarem tripartites do poder, não para harmonizar, mas para conflitar. E pior é que nas falas presidenciais, quando escasseiam provocações, não faltam as imprudências de certos ministros do Judiciário ao tomar decisões no viés político-partidário. Diga-se, de passagem, que também têm colaborado, da parte dos herdeiros, declarações apimentadas e desconcertantes. Todos animadamente empenhados em confundir a vida nacional. Se é tão fácil complicar, por que haveriam de simplificar?, segundo uma cartilha suicida.



Ideal seria que o chefe do governo, mesmo que em alguns casos tenha razões para se queixar, se ofendido ou agredidas suas atribuições, levasse em conta ser da competência do cargo contrapesar a realidade e tentar conciliar. Como se diz popularmente, exercitar a velha arte de engolir sapos, ou, se não tanto, seguir o conselho do velho marechal Henrique Lott, que tentou ser presidente: fingir que engole e cuspir fora. Os batráquios no poder são cacos do ofício, mesmo que ao Planalto pareçam intragáveis.


Bate-rebate é, então, o caminho que Bolsonaro traçou para sustentar o projeto da reeleição, sem ocultar o gosto pelo caminho da radicalização, esta a receita mais adequada para manter o eleitor como uma espécie de refém diante das urnas de 22: ser a favor ou contra. Nada mais que isso. Não falta quem julgue que, nesse caso, ele raciocina corretamente, porque seu jeito de falar e de agir poderia polarizar as tendências eleitorais. Mas não devia perder de vista que, após longos períodos de inquietudes acumuladas, o eleitorado pode acabar preferindo escapar das amarras dos radicais, e buscar alguém que prometa outros caminhos, que sejam ao da racionalidade e da paz.





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