terça-feira, 17 de agosto de 2021

 


Exumação indesejável


((Wilson Cid, hoje, no "Jornal do Brasil" ))



É remota a possibilidade de a Câmara se redimir, nesta terça-feira, em segundo turno, e abandonar a infeliz decisão de ressuscitar as coligações partidárias em eleição proporcional, já a partir do próximo ano. Nessa triste exumação, cometida na semana passada, confirmou-se o temor de que, votando contra o “distritão”, teriam os deputados, como consolo e pagamento, a volta do antigo monstrengo proporcional, com a garantia de que tal concessão pode ser meio caminho andado para sua reeleição. Na verdade, como se antecipou há meses, neste espaço, a disputa municipal de 2018 haveria de ser, nada mais, que um laboratório para os deputados, que transformaram em cobaias milhares de candidatos a vereador, tirando-lhes, momentaneamente, a proporcionalidade. Em Brasília, logo sentiram que, mantida a inovação, poderiam se tornar vítimas da experiência. Confirmado o risco de o feitiço virar-se contra o feiticeiro, cuidaram de se salvar enquanto é tempo; e aproveitando os ventos do corporativismo, que sempre sopram favoráveis em situações dessa natureza.



Numa época em que as lideranças não titubeiam em derrubar progressos custosamente aplicados à legislação eleitoral, estando elas sempre resistentes aos que reclamam aperfeiçoamentos, a derradeira esperança vai se deslocar, agora, para o Senado. Compõem-no homens e mulheres que independem de coligações, pois se elegem pelo modelo majoritário. Têm mandato de oito anos, e, portanto, à vontade para se oporem ao mal que a outra casa legislativa acaba de arquitetar, consagrando a inautenticidade parlamentar.



O sistema que se pretende restabelecer tornou-se via preferencial para partidos nanicos e grupos políticos que vivem e sobrevivem de uma suspeita aritmética: confiscam votos dos candidatos mais prestigiados pelos eleitores, e, sem anuência de quem vota e de quem é votado, presenteiam os enjeitados pelas maiorias; e, graças a essa manobra, os beneficiados pela boleia do modelo proporcional vão tomando assento nas cadeiras dos parlamentos. É a forma de levar a política a praticar uma indecência equivalente a concubinatos adulterinos. As atuais casas legislativas estão repletas de centenas de vereadores e deputados que as urnas não quiseram. Um escândalo que começou a despertar atenção, quando o médico Enéas, nos seus arroubos televisivos, teve votação fantástica em São Paulo, arrastando consigo candidatos estranhíssimos, com menos de 500 votos.



Percebe-se que a distorção, prestes a se reinserir na prática eleitoral se o Senado não reagir, resulta de ação orquestrada por dirigentes de partidos. Eles comandam uma poderosa ditadura (a propósito, quando se fala em malfazejas ditaduras, é desejável que se inclua entre elas a ditadura dos presidentes de partidos, não menos nefasta). Eles decidem sozinhos e se impõem.



Geralmente, na tentativa de justificar as proporcionais, alegam que é preciso assegurar a diversidade das opiniões; e, mais, falam da necessidade de equidade nas votações, em nome da representação. Mas não confessam que aqueles ideais só se consagram com partidos consistentes e com o alcance de melhor educação política, aspirações para as quais raramente contribuem.





Polarização testada





A leitura menos apressada que se fez da votação do voto impresso, na Câmara dos Deputados, confirmou dados interessantes, que se prestam a imediatas reflexões. Uma delas, logo sugerida, é que a distribuição dos votos - 229 x 218 – serviu para deixar suficientemente clara a tendência de polarização que a política vai construindo para o processo eleitoral do próximo ano. O Congresso Nacional, particularmente a Câmara, serve como adequada caixa de ressonância dos caminhos ou desvios que a política brasileira vai trilhando.



Demonstrou-se então, mais uma vez, que estamos num país claramente dividido em relação a tendências políticas, o que constitui detalhe significativo para problematizar o projeto de terceira via na sucessão presidencial; projeto que, independentemente das atuais preferências, seria bem-vindo, nem que fosse apenas para romper a subordinação do eleitorado à restrição de ser contra ou a favor. Em nada prejudicaria a proposta alternativa.



Uma segunda dedução a avaliar, ainda com base na escassa diferença das posições reveladas no julgamento do voto auditável, é que, de certa forma, aqueles mesmos números desestimularam os promotores da campanha pelo impeachment de Bolsonaro. Ficou clara a escassa possibilidade de, para tal intento, serem atingidos 2//3 dos votos necessários; a menos que o presidente irrompa em desvarios fora de controle.




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