Festa do país dividido
(( Wilson Cid, hoje, no "Jornal do Brasil" ))
O que, ao final, teremos para celebrar no dia maior da nacionalidade, num Sete de Setembro que chega diferente dos anos anteriores?, repleto de dúvidas e ansiedades. Porque nunca se terá visto tanta especulação sobre o destino de acumulados conflitos que passaram a reger os três poderes nos últimos meses. Mas, sobretudo, porque intensificaram-se abordagens sobre a suspeita de golpe contra as instituições, aventura que, no mais recente dizer do presidente Bolsonaro, é ideia de idiotas, mesmo que tenham partido dele algumas insinuações quanto a esse risco.
Sem soldados e sem tanques nas avenidas, sob o pretexto de temores com a pandemia, a data cívica maior do país, dentro de uma semana, ficará condenada a transferir para a História o que restar desse clima de divergências que temos vivido. Sem dúvida, será um dia destinado a medir forças de bolsonaristas e de adversários do presidente, numerosos, tanto uns como outros. E já acumulados de uma pesada carga de desentendimentos, coisa facilmente observada nas redes sociais.
O que o Sete de Setembro terá para mostrar é, pois, um país dividido, rachado ao meio. E as manifestações púbicas que virão devem provar, em ruas e praças, o distanciamento de ideais e preferências políticas que vão se ampliando cada dia que passa. Resta a esperança de que os discursos, carreatas e passeatas não se deixem dominar por violência e atos depredatórios.
Contrariando o que desejaria o bom senso, nos dias que antecedem a festa da Independência dois fatores têm sido capazes de contribuir para as animosidades em vários segmentos. O Supremo Tribunal decidiu mostrar, por atos e palavras de alguns ministros, que tem braços largos e fortes, capazes até de cercear a praça pública a cidadãos que, supostamente, podem atentar contra a democracia. Atuando em questões que geralmente escapam de seus cuidados, a corte tem ajudado, e muito, na confrontação dos ânimos, sendo ou não procedentes os méritos das causas e dos autos.
Outro fator, entre os dois citados, para ilustrar as expectativas, vem de destacadas patentes do Exército, quando afirmam, repetidas vezes, que a força militar está coesa com o chefe supremo, o presidente da República, o que, para muitos, é mensagem mais ou menos cifrada. Recado aos diferentes. Quereriam dizer: não mexam com ele?. Mas o que desperta atenção não são, propriamente, as citações dos deveres de caserna, mas a insistência com que são apregoados, frente a um clima de tensões, calores e dúvidas.
Os ex para pacificar
Já se tem falado, mas nunca o suficiente, sobre a quem devia caber a coordenação de um diálogo, minimamente produtivo, entre os representantes maiores dos três poderes, como forma de quebrar essas tensões que têm permitido em suas relações. Na semana passada, depois que Michel Temer sugeriu ao ministro Alexandre de Morais, de STF, algo como “tirar o pé do acelerador” nas investidas contra o governo, surgiu, entre alguns deputados e cronistas, a ideia de que o projeto pacificador teria destinação natural se fosse confiado aos ex-presidentes da República.
Claro, a boa vontade dos interessados em remover riscos de rupturas institucionais não permitiu que vissem a inviabilidade dessa ideia. Porque, em rigor, apenas Temer e José Sarney, pelo passado e pelo estilo próprio de conduzir questões políticas sensíveis, teriam como levar à mesa pessoas divergentes e de relações tão arestosas. Acresce o fato de um dos ex a ser convidado, Lula, é concorrente em potencial de Bolsonaro; por isso, com toda razão, sem a mínima intenção de facilitar a vida de quem deve ser o adversário nas urnas.
Fernando Collor talvez pudesse ser bom conselheiro, porque em sua gestão padeceu ao menosprezar relações políticas, bem ao estilo de Bolsonaro. FHC e Dilma já iriam ao imaginado encontro carregando uma bagagem de críticas ao governo, o que não lhes recomendaria bom empenho como pacificadores.
Portanto, sem negar mérito dos proponentes no gesto de boa vontade, chamar os ex-presidentes para a tarefa serviria apenas mostrar que, de tão difícil, o entendimento da envergadura desejada precisa de um patrono que a gente ainda não consegue vislumbrar no quadro das lideranças nacionais. Talvez só baixando o espírito de Tancredo.
Que temos com o Talibã?
À primeira vista, salvo sentimentos de ordem humanitária, a volta do Talibã ao poder no Afeganistão é assunto que passa ao largo na pauta das nossas preocupações. Já temos problemas demais para cuidar de país e gente tão distantes. Mas, bem pensado, não deve ser assim, num mundo em que as relações se estreitam ao sabor de interesses diplomáticos e, principalmente, econômicos.
O Afeganistão dispõe de algumas reservas minerais que, em futuro não tão distante, estarão disputando mercados internacionais com o Brasil, concorrência agravada pelos olhares que Rússia e China voltam para o solo afegão, prontas a ocupar ali o vácuo de interesses que ficou do recente e monumental fiasco das forças dos Estados Unidos, atropeladas em um país que dominavam há vinte anos. Criada a nova situação, podemos estar em véspera de perder, para russos e chineses, clientes potenciais em minerais, como cobre, ferro, manganês, bauxita e zinco. Pequim, por exemplo, voltada para o regime de Cabul, não hesitará em trocar o mercado brasileiro pelos afegãos, que já ganharam a promessa de compensação: não serão incomodados nos seus conceitos e preceitos religiosos e sociais.
Mas, com a nova realidade daquele país asiático, temos de atentar, sobretudo, para inevitável concorrência que vamos sofrer na venda de lítio, material que temos abundante em Minas, crescentemente estratégico na indústria eletrônica e farto em solo do Afeganistão; esse complicado país, um dos mais inquietos do mundo, mas assentado em cima de reservas que valem mais de US$ 2 trilhões.
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