Faltam 60 dias
((Wilson Cid, hoje, no "Jornal do Brasil" ))
Exatos dois meses para dupla eleição – a majoritária, na escolha de presidente, governadores e seus vices; a proporcional, destinada a emplacar os membros das casas parlamentares – o que se indaga é se os brasileiros já têm à mesa e na consciência cívica as decisões que vão tomar em outubro, depois de vencer agosto, mês que carrega história de grandes tropeços. Certamente que há um bom caminho a percorrer até o confronto com as urnas. Tempo para refletir. Velhos políticos gostavam de dizer que somos um povo que não decide o voto, pra valer, antes da parada de Sete de Setembro, de tanto pensar. Que assim seja.
Ideal é que, a partir de hoje, a campanha eleitoral arrefeça os ânimos, e a nação passe a desfrutar de um clima menos ameaçador, menos hostil entre os grupos concorrentes, para que possa avaliar, sem paixões excessivas, o que é melhor para o Brasil. Há que avaliar, como primeiro ponto de reflexão, os efeitos da radicalização entre dois candidatos à Presidência da República, o que contribuiu para gerar tensões. Mas não quer dizer que nos falte tempo suficiente para exorcizar os capetas da agressividade, dos maus costumes e das promessas vãs, estas escandalosamente jogadas na cara do eleitor. Porque vivemos tempo de delírios, discursos obesos de coisas impossíveis, que, sem qualquer pudor, despejam um mundo de bondades. Pródigos na distribuição de riquezas inacessíveis, casas para todos, sono sem fome; um Brasil que, num passe mágico e de imediato, se tornaria o melhor dos paraísos.
Os candidatos que acenam com tamanhos favores podiam fazer o favor de respeitar as distâncias entre o real e o sonho, porque não se desconstrói a vastidão dos problemas com um sopro, nem apenas com o voto, por mais consciente e acertado que vá pingar em milhares de urnas; estas, para piorar, já se lacram sob a suspeita de poderem estar a serviço de causas que não sejam apenas as causas da democracia representativa.
Desejável que nesta fase final da corrida rumo ao voto os candidatos desçam ao chão, saiam das nuvens, não acenem com o intangível, e deem ao eleitor o direito de não acreditar em tudo. Pelo menos isso.
Diante desse quadro, discernir e se precaver fazem parte das obrigações de quem tem dever de votar. Há suficiente tempo para não ceder ao engodo, escapar dos boatos, das insinuações de crises artificiais, como também adotar certa prudência na interpretação das pesquisas, que, algumas vezes, preferem o papel de adivinhadoras ou distribuem vitórias e derrotas ao gosto do freguês.
Cuidados são inerentes à responsabilidade de quem seja convocado a participar de uma decisão que, seguramente, vai influir nos destinos do país; responsabilidade dos veteranos, porque têm vivência para supor o que é melhor, como também é dever dos jovens, novatos no lidar com o voto, porque precisam saber que estão decidindo por um Brasil que será muito mais deles dos que os antecedem.
Sobre as convenções
Rígido, como convém, expira, dentro de três dias, o prazo legal estabelecido pelo TSE para que os partidos, formalmente organizados, promovam as convenções que definem candidaturas e as alianças com que estarão disputando a preferência do eleitorado. Esses encontros convencionais passaram a ser adotados apenas para essa finalidade, embora pretendessem, desde sua origem, promover maior participação das bases nas decisões tomadas, importante também para que os poderes decisórios não fiquem concentrados apenas nos chefes. E, ainda, para se estabelecer a convivência entre os que fazem parte, pelo menos em tese, do corpo partidário. Não foram criadas somente para homologar candidaturas; mas, antes delas, ampliar competências. As militâncias devem se reunir muito mais vezes, além dos períodos eleitorais.
Não haveria necessidade de estender argumentos para lembrar que os membros de um partido precisam estar presentes, devem encontrar-se, sem se contentar com o recurso virtual, porque este, embora seja o caminho da praticidade, acaba por distanciá-los. A eleição anterior haveria mesmo de se processar sob o império dos grandes temores provocados pela epidemia. Por isso, justificou-se a convenção a distância. Mas cabe retomar a preocupação com o presencial, porque o risco do contágio foi reduzido consideravelmente. Se o perigo das aglomerações já não preocupa mais nos estádios de futebol, muito menos haverá de preocupar nos pequenos salões em que os partidos tomam decisões.
Antigas convenções, mesmo que cercadas de alguma imperfeição, primavam pela presença, contavam com o calor da convivência, coisa substituída pelos recursos do on-line.
Para quem avalia o processo de esvaziamento da organização partidária brasileira é fácil concluir que ela começou a pecar pela sistemática exclusão das bases, chamadas somente para aplaudir decisões tomadas verticalmente e subscrever atas lavradas prontas, que registram com antecedência o que vai acontecer depois... Longe do ideal.
Radiografia da pesquisa
Ao restarem 60 dias para as urnas, cabe, outra vez, uma palavra sobre as muitas pesquisas de opinião, que desde o ano passado chegam ao público em levantamentos periódicos. E, ontem como hoje, todas demonstram tendência semelhante em relação aos que as lideram. Mas, ainda agora, é preciso lembrar que as pesquisas não fazem previsão para o futuro; são uma fotografia do momento. A campanha eleitoral traz clima de emoção entre os concorrentes, e a rivalidade pode produzir fatos que impactam a fase final do processo eleitoral.
Os institutos que operam nessa área continuam sendo alvo de críticas pelos apoiadores de candidatos que não apresentam bom desempenho nos levantamentos sobre preferências. Para esses, o risco dos resultados desfavoráveis gera desmotivação de apoiadores, o que é outro detalhe a verificar. Já nos apoiadores de quem lidera as pesquisas o efeito pode ser contrário, há risco de acomodação ao se contar como decidida a vitória. Enfim, elas continuam objeto de polêmicas.
Os que acompanham as estatísticas das campanhas eleitorais lembram a frequente volatilidade da intenção de voto dos brasileiros. A consolidação da preferência do eleitor flutua como uma hipótese, que pode ser confirmada ou não. De forma que a tendência do voto vai se firmando é na quinzena que antecede ao dia da eleição.
Outro aspecto que continua a merecer atenção é o risco de acentuada abstenção como fator que interfere muito nos resultados finais; e tem crescido nas eleições mais recentes. Observe-se que os votantes que anulam ou votam branco geralmente são 10% daqueles que participam. Detalhes que fazem parte do nosso processo eleitoral.
Palavra bem medida
Vejo nas redes sociais que os adversários exploram antigas e textuais declarações de Geraldo Alkimin, em que colocava Lula abaixo de zero; e hoje tem de elogiá-lo, como dever de quem é companheiro de chapa.
A velha prudência recomenda que um político nunca deve dizer tanto mal de uma pessoa, que um dia tenha de dizer bem. Nem tanto bem, que não possa vir a dizer mal dela. François Picot, diretor do velho Jornal do Commercio, gostava de dizer o mesmo em relação ao jornalismo.
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