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O progresso feminino
((Wilson Cid, hoje, no "Jornal do Brasil" ))
Ainda fica distante do ideal imaginado pelas líderes dos movimentos feministas a presença da mulher nos destinos da política, já relegadas nas atenções dos partidos, embora estes estejam obrigados a garantir a elas participação menos diferenciada nos recursos de campanha. Mas há de se convir que neste ano melhoram consideravelmente sua exposição ao julgamento dos eleitores. É o que se verá no registro das candidaturas. Quatro vão disputar a Presidência da República: Simone Tebet (MDB), Soraya Thronicke (União Brasil), Vera Lúcia (PSTU) e Sofia Manzano (PCB). Maior número revelam as candidatas a vice: Ana Paula Matos (PDT), Mara Gabrilli (PSDB), Samara Martins (UP), Fátima Pérola Neggra (Pros) e Kunã Yporã (PSTU).
Não é possível uma previsão responsável sobre o sucesso que terão nas urnas, mas certamente terminarão a jornada com melhores números, se forem comparados com as atas dos pleitos anteriores. Tome-se por base a eleição de 1989, com 22 candidatos à Presidência, na histórica enxurrada provocada pelos que procuravam espaço e abrigo na recém-redemocratização. Era apenas uma mulher, Lívia Maria (PN), que somou 179.922 votos, em 16º lugar.
Mas vem dos idos anteriores a intensificação dos esforços do feminismo para galgar maiores espaços no poder Executivo. A caminhada nacional mostra-se longa, com revezes e frustrações, tendo como primeira vitória a eleição da médica paulista Carlota Pereira de Queiroz, que em 1933 rompeu as resistências do machismo institucionalizado para chegar à Assembleia Constituinte, onde conseguiu aprovar o projeto que criou o primeiro Serviço Social do Brasil. As mulheres, então admitidas no direito de votar, progrediram em 1960, quando já respondiam por 1/3 do eleitorado; mas ainda distantes da preferência dos eleitores. Quase sempre haveriam de se contentar com modesta vereança no interior dos estados. Quanto a estes, vale a ressalva para o Acre, que em 86 foi pioneiro, ao eleger Iolanda Fleming governadora. Maior coleção de êxitos viria nos anos seguintes, com Reseana Sarney, quatro vezes governadora do Maranhão. Os adversários dela procuravam minimizar a performance, afirmando que não foi ela, mas, na verdade, foi o sobrenome que se elegeu…
No panorama geral, terminada cada votação, os sonhos maiores das mulheres na política sempre ficavam adiados. Suas vitórias têm sido morosas.
É injusto afirmar que apenas o Brasil prima pelo machismo no primeiro nível da administração pública, porque o fenômeno espalhava-se por todos os continentes. Se não estamos entre os piores, também não entre os melhores, bastando lembrar que só três mulheres mandaram no país na vastidão de dois séculos. A princesa Leopoldina de Habsburgo estava no poder em 1822, enquanto o marido Pedro viajava por São Paulo, e Isabel governou por três anos entre 1870 a 1888, nas longas viagens do pai pela Europa. Depois, Dilma, com um mandato e meio.
Abstenção e remissão
Um detalhe a excitar a imaginação é a possibilidade, por muitos aventada, de a eleição presidencial de outubro incorporar elevado número de abstenções. Estranho que em disputa acirrada e radicalizada, como a que temos hoje, como é possível um poderoso contingente optar pela ausência, pois nas lutas políticas, quanto mais polarizadas e apaixonadas, mais elas estimulam a participação. As grandes disputas humanas se caracterizam pelo calor dos que combatem. E uma eleição para a Presidência da República é o jogo político mais atraente que temos.
Os que temem a massa omissa baseiam-se no fato de que, entre o retorno de Lula e a permanência de Bolsonaro, não é possível descortinar o caminho desejável, explicando o desinteresse em fazer uma opção que não motiva o suficiente. Esse raciocínio, salvo fatos novos que possam sustentá-lo, não teria como sobreviver em outubro, até porque a disputa a que estamos assistindo não se resume a apenas dois concorrentes.
Participar é uma imposição que se revela a todo cidadão que vive sob o império da liberdade do direito de escolher os dirigentes. Portanto, não convém fazer pouco caso da importância da participação. Há exemplos na vizinhança que recomendam alguma preocupação. No Chile, onde milhões se abstiveram na recente eleição do presidente, estão a caminho reformas estruturais profundas, com as quais parte significativa da população não concorda; discordam até mesmo muitos chilenos que não foram votar. Na Colômbia, 18 milhões abstiveram-se na eleição presidencial; o que, se não lhes cassa o direito de protestar contra atos do novo governo, cria um vazio na autoridade de quem tenha ficado em casa, negando-se a ajudar a definir o futuro de seu país. Estiveram ausentes num momento de definições, o que é grave.
Sem indulgência para o abstencionismo. A desculpa de que nenhum candidato serve, não será passaporte para a remissão, se as coisas ficarem feias para os nossos lados.
Campanha em etapas
As campanhas eleitorais não diferem, pelo menos em um ponto, por se queimarem em etapas distintas, a primeira das quais, que surge em meio a incertezas, é a das cogitações. Avaliam-se forças e aspirações políticas, bem como nomes com suficiente robustez para encarar a aventura da longa jornada da conquista de simpatias e apoiamentos. Segue-se, na etapa seguinte, a movimentação das lideranças, que vão impor à população as possíveis candidaturas, muitas das quais para morrer já no nascedouro, sem resistência para caminhar.
No sábado, entrando a campanha numa fase que, diríamos, mais consistente, fechou-se a temporada das convenções partidárias, o que sugere já estarem postas no xadrez as peças do grande jogo que vai se arrastar até as primeiras horas de outubro. Dada a partida, nessa carreira quem não entrou não entra mais, a não ser por exigência da imprevisibilidade. A corrida é para os que saíram vivos das intrincadas articulações, algumas delas construídas sem maior apreço aos verdadeiros interesses do eleitorado; muito mais à revelia dos clamores da sociedade.
Mas o jogo é para ser jogado, cartas e peças estão definidas. Supõe-se que, assim estabelecido, os candidatos, seus partidos e as alianças têm de assumir a responsabilidade - o que é o mínimo a se exigir - de mostrar aos eleitores o que propõem; a que vieram. Para os cidadãos que vão votar, até agora estimulados apenas pelas pesquisas, chegou o momento de mergulhar na avaliação dos projetos que são propostos para o país, o que importa, em primeiro lugar, uma conversa séria com os candidatos, em linguagem objetiva, dispensando grandes paixões, porque estas acabam obnubilando a razão.
Quanto ao discurso que eles trazem, o que se tem ouvido, além do festival de desaforos, é uma viagem à paisagem das intenções, algumas boas, outras fantasiosas. Mas a conversa agora é séria, tem de ser outra, sem demora, porque logo ali, nas primeiras esquinas da realidade brasileira, o que nos aguarda é um breviário de desafios, inatingíveis aos milagreiros e demagogos.
Penas mais severas
Nas antigas e recentes discussões sobre a extinção do benefício da saída temporária para condenados por crimes diversos, matéria afinal aprovada pela Câmara dos Deputados, raramente se fala de um dado há meses revelado por juristas europeus: o Brasil, independentemente de contar com os maiores índices de violência urbana, figura como país onde os apenados gozam de maiores gentilezas, em confronto com outras normas penitenciárias. No Japão, apenas para citar um exemplo, o criminoso perde vários direitos; inclusive na linha humanitária, a partir do momento em que pratica o delito.
No caso da permissão da saída temporária tem sido concedida quando já se cumpre ¼ da pena, com o que discordam alguns penitenciaristas, considerando que, sendo a pena de dois anos, ela acaba reduzida a 18 meses. Mutila-se uma decisão de tribunal, além de serem muitos os casos em que o benefício é oportunidade para fugas definitivas. Afora outros, que estarrecem, quando são contemplados criminosos autores de crimes monstruosos, como aquele em que a Justiça de São Paulo, num conluio de ironia e hipocrisia, libera Suzane von Richthofen para visitar o túmulo dos pais que ela assassinou em 2006.
Resta, no campo das discussões, lamentar que a preocupação do legislador brasileiro não se estenda, além da redução das restrições legais, a programas sérios para a ressocialização dos que delinquiram. Ainda somos muito acanhados nesse particular, além de insistirmos no equívoco de considerar que a readaptação à sociedade se resume a seguidos períodos de liberdade. Um juiz mineiro, Antônio Carlos Botti, passou a vida prolatando em suas sentenças ser indispensável considerar que a primeira missão da pena é aplicar o castigo, graduado de acordo com a gravidade do crime.
O projeto que a Câmara aprovou na quarta-feira, por significativa maioria de votos, retoma o caminho do Senado para revisões, onde se espera que não esbarre em condescendências, que é preciso impedir.
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