terça-feira, 16 de agosto de 2022

 


Poderes desconfiados


((Wilson Cid, hoje, no "Jornal do Brasil" )) 



Como não há antecedente de uma gestão do TSE a enfrentar tantos conflitos com o Executivo, a posse, hoje, do novo presidente do Tribunal permite temer que as divergências possam levar a dificuldades no âmbito da campanha e, mais ainda, do processo de votação. Os ritos de uma eleição sempre enfrentaram algum desencontro nas interpretações, mas, desta vez, o tom se agravou a partir das dúvidas suscitadas quanto à vulnerabilidade das urnas, como insiste alguém que não é apenas o presidente da República, mas igualmente o candidato a um segundo mandato, e sempre indicado entre os favoritos. As opiniões separadas se alastram e apaixonam. Tudo concorrendo para acentuar as tensões que todos já conhecemos.

O TSE é, a partir desta terça-feira, comandado pelo ministro Alexandre de Moraes, cujas relações com o presidente Bolsonaro escorregaram do campo das animosidades para a desafeição. E só se agravaram.

A primeira discórdia, em razões nunca suficientemente demonstradas, mas responsável por encher milhares de páginas, brotou da possibilidade de os votos terem a destinação alterada em 2018; o que deu a Bolsonaro argumento para garantir que sua eleição teria se consagrado no primeiro turno. Fracassou ao buscar apoio do Congresso para a emissão do voto impresso, junto ao eletrônico, como garantia de que a vontade do eleitor é respeitada. Bem pensando, se tamanha celeuma fosse prevista, ideal é que o comprovante impresso fosse mesmo adotado. Teria evitado ameaças de crises geradas no inconformismo.

Moraes, precavendo-se de ataques passados e futuros ao sistema eleitoral que agora vai presidir, dá garantias solenes de um processo limpo, seguro e transparente. Nem todos acreditam nisso. E, entre estes, os que veem o ministro praticando política partidária, alimentando simpatias, das quais Bolsonaro sempre foi excluído. Também justificam dúvidas especialistas no campo da informática, alguns da inteligência das Forças Armadas. Insisto em que o melhor remédio para derrubar a controvérsia, a pá da cal, teria sido o voto impresso, que não pode ser contestado. Vale o que está escrito, como filosofam os habituados à fezinha do jogo do bicho.

Vê-se que a campanha, que hoje abre espaço para a propaganda dos candidatos, caminha em campos minados por desconfianças, com agravante de que a interferência de tribunais superiores em questões políticas tem contribuído para alimentar a argumentação dos que sentem risco de excessos de judicialização no processo e nos resultados das eleições que se aproximam. Uma preocupação que não pode ser acusada de estar eivada de imagens fantasiosas. Para tanto, basta lembrar que, a permanecerem na liderança os dois que lá estão, uma eventual estreita diferença de votos entre eles pode levar a perturbações com suspeitas de fraude.

Desejável é que o novo presidente do TSE saiba vencer dúvidas e superar animosidades, para que o processo eleitoral corra sem incidentes.

Planejar é preciso

Subiu à mesa do presidente da República, no aguardo de validação, a lei que acaba de ser aprovada pelas duas casas do Congresso, estabelecendo normas e limites para a esterilização voluntária, um passo a mais que se dá rumo à organização familiar, tema que, hoje, como haverá de ser sempre, é cercado de dúvidas e preconceitos. Agora, o que se almeja é conferir ao homem ou mulher a limitação da procriação, desde que sejam pais de um mínimo de dois filhos vivos. Uma delicada inovação é que a decisão por esterilizar já não depende mais do duplo assentimento do casal. Basta que seja desejo de um dos cônjuges, o que leva alguns críticos a admitir que, por consequência, dá-se ao marido insatisfeito o direito de buscar com outra mulher o terceiro ou mais filhos que desejar… Como todos os radicais, exageram os que assim opinam.

Cercada de temores religiosos e estratégicos, a concepção controlada, indesejada ou socialmente inoportuna, é matéria que tem fundamentos para garantir que continuará distante de unanimidade. Agora também, porque a esterilização é ideia que desagrada a setores preocupados com segurança nacional, dependente da ocupação dos espaços territoriais; como também tem restrições dos que temem baixa produção de mão de obra... Mas a limitação de trabalhadores não se deixa controlar pela alcova, e sim pelo progresso da tecnologia, que vem mostrando a máquina mais eficiente que o homem.

Quanto à defesa, os avanços tecnológicos também deixam claro que apenas a presença física, ao contrário de agressões passadas, não garante domínio dos espaços, porque podem ser conquistados ou destruídos a distância. Aliás, é o que faz sentido afirmar que um país com defesa precária é o mesmo que ter defesa nenhuma.

Com a aprovação da lei, independentemente de o presidente sancioná-la ou não, a ocasião deve ser aproveitada para aprofundar conhecimentos sobre planejamento familiar, começando por diferenciá-lo de controle populacional. Nada a ver uma coisa com a outra. Porque o desejável é tão somente ajudar o pobre a não ter filhos que não pretende ou não pode ter, e enriquecer populações desvalidas.

A preocupação não é apenas de brasileiros. Na verdade, vem prosperando, principalmente junto aos povos mais pobres; aqueles sem acesso a recursos e métodos anticonceptivos. Para estes, li em algum gerontólogo, o nome não vem à lembrança, que nestes tempos que vivemos, o primeiro filho é amor, o segundo é costume, o terceiro descuido, o quarto loucura, e o quinto irresponsabilidade...

Bens não bem ditos

Numa semana em que o humor entrou em luto, pela morte de um de seus mestres, talvez para homenagear sua memória deu-se a conhecer a declaração de bens dos candidatos. Modestíssimos bens. É de fazer rir. Engraçadíssimo. Não se tratou, propriamente, de declaração de bens, mas apenas de bens declarados. O que é diferente.

Tal como na prestação de contas dos gastos da campanha, quando os relatos sempre coincidem com o que a legislação a permite, os candidatos e partidos fingem que cumpriram a lei e a Justiça Eleitoral finge que creditou.

Dia de duplo desafio

A campanha pela reeleição do presidente Bolsonaro é lançada, oficialmente, na manhã de hoje, em Juiz de Fora. Diz-se lançamento oficial, porque em campanha ele já se lançou há alguns meses. Naquela cidade mineira são duas as razões que justificam a escolha. A primeira é um desafio aos que desejam vê-lo fora da política e da vida, pois quatro anos passados, em 6 de setembro, a poucos metros de onde vai discursar, ele foi atacado e gravemente ferido por um ex-militante do Psol. Se é verdade que quase morreu, não é menos verdadeiro que o atentado resultou em uma onda de solidariedade, que lhe foi favorável.

O segundo desafio para a escolha de Juiz de Fora é que está ali o principal reduto do PT mineiro, que hoje administra 28 dos 853 municípios do Estado.

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