Campanhas que se atropelam
((Wilson Cid, hoje, no "Jornal do Brasil" ))
As peças do xadrez político de 2024 vão assumindo posições no tablado, com a antecedência recomendada pelos fatos. Certamente foram raras as vezes em que se recomendou tal antecipação; mas agora tudo sugere que sejam delineados desde já os campos de luta. O próprio presidente pareceu sentir isso, quando inovou no Sete de Setembro, substituindo o habitual discurso cívico por um relatório de atividades, realizadas ou realizáveis, preço do arroz e desemprego em queda, inflamado e inspirado pelo tema que mais o apaixona: fazer comparações com o governo do antecessor. As manifestações cívicas preferiu deixar por conta de desfiles militares vazios, sob indisfarçável constrangimento dos generais.
Se o presidente nunca desceu do palanque eleitoral, tem agora a preocupação de reorganizar a base de apoio nos resultados da futura eleição de prefeitos, que, como espera seu partido, precisam ser favoráveis. Pois a garantia de êxito desse projeto começa no conjunto de várias iniciativas, nenhuma desimportante, embora dentro de uma escala de prioridades, como se verá.
Com vistas às urnas, ele vai sentir, se é que já não sente na pele, a incômoda percepção de que as consequências da recente minirreforma não cessam no ajuste de contas com o presidente da Câmara, Arthur Lira, porque o resultado inevitável do acerto cria força eleitoral paralela, não necessariamente coincidente com os planos do Partido dos Trabalhadores. Há aqui visões diferenciadas: para o governo, a distribuição de cargos ao Centrão é a forma de garantir trânsito e votos num plenário em que a grande parte, conservadora, é hostil. De outro lado, para os aliados circunstanciais os ministérios conquistados são pontes privilegiadas para se chegar ao eleitorado.
O governo não é insensível à realidade que terá de enfrentar em suas próprias entranhas, embora neste momento o que importa é a coleção de votos para o êxito da tramitação de projetos essenciais, o que os apoiadores asseguram, sem garantia de durabilidade na convivência. Reconheça-se, o Centrão tem demonstrado que honra os compromissos, o que nada tem a ver com contratos duradouros.
O risco é o intercâmbio de interesses não ter se esgotados com os ministérios dos Esportes e Portos e Aeroportos; e, sob o clamor da campanha eleitoral, os partidos queiram novas posições estratégicas, no primeiro ou no segundo escalões. O que, de forma alguma, resultaria em surpresa para o PT; tanto assim, que vai cuidando de antecipar alguns cuidados para se escudar de vindouras exigências. E quer reciprocidades de véspera. Um desses cuidados, é evidente, está na proposta de candidatura de Lula a um quarto mandato, em 2026, sem temer que a longa exposição do presidente seja prejudicial. A percepção petista não se engana ao tentar mostrar que as urnas de 2024 podem sinalizar o sucessor dois anos depois.
Trata-se de um projeto de salvaguarda em que o desafio maior está no próprio desempenho do governo, que propõe já se submeter ao julgamento com essa antecedência. Mas não há remédio alternativo, quando sente que os outros partidos cuidam de seus redutos, montados em recursos e prestígio do próprio governo do PT.
A realidade nunca desmentiu. Quando se sai das capitais e se mergulha no interior do país, a conversa é outra, com encaminhamento complicado, pois lá a realidade política vive e sobrevive com base nos interesses locais, muitas vezes acima e até contra orientação dos comandos regionais e nacional. Quanto a isso, não ignoram os governistas, tanto fiéis de carteirinha como os chamados “iogurte”, de validade limitada… E, tanto mais distantes dos rincões, mais independentes do que Brasília manda que façam.
O PT não tem como desconhecer ciladas e riscos, pois já os conheceu em sua longa jornada pelos caminhos das urnas, tanto que, além de alimentar o sonho de um quarto mandato para Lula (seria mesmo pra valer?), vai acenando receptividade a outras alianças, desde que reconheçam a liderança do presidente. O PL tem alguma resistência quando se refere à acomodação dos municípios, mas pode ter de concordar, sob pena de perder espaços.
O jogo de xadrez, que difere pouco da peleja política que se aproxima, não tem, por hora, significado maior na posição de todas as peças, mas daqui a pouco vão se definir os papéis de torres, bispos e de rainhas, os peões por último. Hora da locação nos cargos secundários, já objeto de negociação, como eficientes produtores de votos nos ministérios recentemente concedidos.
Não há quem acredite que os ministros da minirreforma trabalhem incondicionalmente para o governo. Antes, trabalharão para si, para os partidos e seus redutos; pelo menos enquanto durar a planilha dos entendimentos, não se sabe até quando. Compreendidas as finalidades objetivas, não há espaço para o faz de contas no jogo duro.
Submetida a esse destino e a interesses que ainda estão por vir, a futura eleição fica confiada aos comandos municipais, porque no interior é onde o brasileiro mora e vive. E, nessa hora, embora a nação seja pouco mais que uma ficção, é de se esperar que 2024 ajude o país a sair do interminável clima de disputas e hostilidades que continua a dividir o Brasil, desde a luta Lula x Bolsonaro, um ano atrás. Quem sabe possa vir do interior, na sombra de novas lideranças, o basta nesse ambiente, que tem gerado inseguranças de campanhas mal encerradas, que respingam humores e desentendimentos.
Um ano depois de constituído por tênue maioria, o governo nem completou a formação do Ministério, sempre sujeito a posições e reposições, lançado no xadrez de campanha que não se esgotou, e já acossada pelos interesses da que está por chegar. Sufocado na maré alta desse jogo, em que a visão de um país melhor é o que menos importa, o brasileiro fica sem tempo para julgar o que mal começou; muito menos para avaliar um cenário que vai se abrindo com enorme antecedência.
Nenhum comentário:
Postar um comentário