terça-feira, 26 de setembro de 2023

 


Desafio para a diplomacia



(( Wilson Cid, hoje, no "Jornal do Brasil" ))




Movimentada ao embalo das numerosas viagens do presidente Lula ao Exterior, só interrompidas agora sob a prioridade de uma cirurgia, a diplomacia brasileira, sempre celebrada como uma das mais eficientes e habilidosas, vai caminhando, pelo que se percebe, para um desafio dos mais delicados entre os que já enfrentou. Tarefa que o presidente trouxe nas malas de seus 27 deslocamentos e conferências por algumas das mais importantes capitais do mundo. Na verdade, com ele desembarcou em Brasília, na semana passada, o prenúncio de uma tarefa que, sob alguns aspectos, tornou-se mais delicada com os impulsos presidenciais, entre os quais nosso discutido posicionamento frente à guerra da Ucrânia, quando pedimos paz sem condenar o invasor.

O governo não esconde a intenção de identificar-se mais e melhor com países socialistas, alguns sob regime ditatorial, avultando a China como foco preferencial, num caso em que as simpatias justificam-se, em grande parte, por termos ali nosso principal importador; mas também pelo fato de os chineses conquistarem a admiração do PT e de lideranças sindicais, não necessariamente dos trabalhadores.

Quanto à missão que vai cair sobre o Itamaraty e pesar nos ombros de experimentados diplomatas, toma-se como ponto de partida a nova realidade criada pelo governo, que decidiu romper tradicional e quase incondicional alinhamento brasileiro com o Ocidente, num mapa em que estão inseridos Estados Unidos e alguns dos mais influentes governantes europeus. Não há novidade, quando se diz que a questão objetiva do futuro imediato nos negócios estrangeiros é encontrar o equilíbrio nas relações, projeto que, sendo confiado a especialistas, não dispensar o concurso do presidente Lula, de quem se espera cuidados necessários nas inovações e nos discursos.

Porque há sinais de que antigos aliados ocidentais estão se sentindo hostilizados, e o Brasil não pode relegar a plano inferior a tentativa de sarar feridas que ficam abertas. É preciso que se faça isso logo, sem demora, até porque os gabinetes do Itamaraty não são ingênuos a ponto de achar que os problemas se superam quando os presidentes apertam as mãos e sorriem as gengivas para os fotógrafos. Cortesias de formalidade significam pouco sobre o que tramam os grandes interesses das chancelarias. Nada mais superficial do que o sorridente cumprimento com que Biden recebeu Lula. Embora nada mais expressivo que as caras emburradas de Lula e o ucraniano Wolodymyr Zelensckyy, para provar que o presidente brasileiro pensa diferente de quem está sob o sufoco da guerra em terra invadida.

Podemos esperar problemas no campo de antigas convivências, com a guinada internacional que o governo promoveu em nove meses de gestão. Os interesses atingidos não querem que isso passe em brancas nuvens; e temos de estar armados e prevenidos. Na década de 60, vivemos algo semelhante, quando o governo da UDN-PDC e de Jânio Quadros, içando a bandeira da autonomia, repudiou interferências imperialistas, mergulhou fundo na Europa Oriental e aclamou Che Guevara como herói nacional. Pois nem o talento de San Thiago Dantas e do chanceler Afonso Arinos evitaria longos desgastes.

Costuma ser muito sutil o que separa velhos interesses, se desejamos mostrar que o país é dono de seus próprios narizes. Todo cuidado é pouco, quando não mesmo insuficiente.

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