terça-feira, 30 de janeiro de 2024

 


Sob inspiração da milícia



((Wilson Cid, hoje, no "Jornal do Brasil" ))


Em meio século, as coisas nem sempre mudam o desejável. Ocorre trazer à lembrança a década de 70, quando o senador Nélson Carneiro dizia que, no Rio de Janeiro, não bastava ganhar a eleição; era preciso ganhar também a apuração, muitas vezes confiada a homens ligados ao jogo e ao crime. Hoje, o TRE decide alterar o endereço de 50 seções eleitorais, dada sua proximidade com os núcleos comandados pelos milicianos, sobretudo na zona Oeste. Algo importante, pois uma vez mais assiste-se à capitulação da lei e da ordem, dobradas ante o crime. O velho senador, estando vivo, certamente já não colocaria sob suspeita a fraude das máquinas, nem apenas o poder de pressão dos criminosos, que antes “ajudavam” na contagem das cédulas. Porque agora eles têm poder de ditar normas e preferências de locais para o eleitor chegar à urna.

Seja pela antiga manipulação do voto, seja pelas ameaças, vê-se que nosso processo eleitoral, livre e independente, ainda tem muito a caminhar. Começando por reagir ao ressurgimento, em pleno século 21, dos currais eleitorais, que os milicianos hoje ressuscitam, para dizer onde permitem que se vota. Não podem ser incomodados em seus redutos.

Há dois aspectos a serem considerados nesse episódio, ambos para salientar o patamar de insegurança a que estamos condenados nesta cidade. O primeiro é que o Tribunal Regional Eleitoral, priorizando a vida e a liberdade de eleitores e candidatos não identificados com os interesses das milícias, não teve como evitar essa providência, que aborrece e constrange, mas que se impõe pela realidade. Muda os locais de votação. O que fazer?. Essa é a nossa história.

Outro aspecto, não menos doloroso, é que, antes mesmo de serem diplomados os eleitos em outubro, diplomam-se os milicianos como agentes para desenhar a geografia de uma eleição. É a Justiça reconhecendo a concorrência do crime, não apenas organizado, mas institucionalizado, com direito a definir onde os cidadãos devem ir no dia da votação.

Naquelas eleições antigas, maculadas de todo tipo de vício, dizia-se que o voto tinha de ser pedido ao padre, que indicava o candidato; ao juiz, que proclamava o vencedor; e, por fim, ter o agrado da polícia, que garantia a posse dos eleitos. Na toada em que vamos, pode chega o dia em que os milicianos dirão em quem votar. Hoje já decidem onde votar.

Ano legislativo tenso

Chegada a hora de reabertura dos trabalhos legislativos – é na segunda-feira – sob o clima das tensões previstas, por força e imposição do ano eleitoral, um detalhe a preocupar é a evidência de que se aprofundou, nas últimas semanas, a medição de forças entre o governo e o Congresso, sem que faltasse a singular novidade de se editar Medida Provisória para desfazer efeitos de uma MP anterior… A principal razão para o aguardo de maiores dificuldades está no fato de, nas negociações entre o presidente da República e o Congresso, ter prosperou o império da moeda de concessões.

O desafio mais recente que se antepõe à boa convivência foi o corte de quase R$ 5 bilhões nas emendas parlamentares, o que vem testando a competência do presidente Artur Lira para negociar, evitando-se maiores atritos, exatamente na hora em que a casa começa a trabalhar. Mas, habilidoso, ele está destinado a obter a conciliação, porque, no caso das emendas, há outra evidência: o governo, sem suficiente apoio de sua bancada na Câmara dos Deputados, permite a ampliação dos benefícios, para depois restringi-los; e, em seguida, concedê-los de novo, para a garantia de ter votos indispensáveis na tramitação de seus projetos. Na relação entre os dois poderes predomina a velha tática de elaborar dificuldades e desconfianças, com o fito de negociar acordos, nos quais ganham, agora eleitoralmente, senadores e deputados. Não será diferente o acerto com os evangélicos: confisca-se o benefício da isenção do IR, para depois devolvê-lo, sob novo patrocínio, sem a antiga tintura bolsonarista… Os ganhos do presidente Lula ficam para depois; na melhor das hipóteses, em outubro, na eleição dos prefeitos de grandes e médios municípios. Por hora, sacrificam-se os bons modos.

Reabrindo-se em fevereiro, o Congresso sabe que pode exigir; o presidente sabe que tem de atender. É um jogo que vai entrar no segundo tempo, com as velhas regras, ainda que sujeito a alguns atropelos.

Mulher nas armas

Ainda não foi possível alinhar razões objetivas para dar embasamento à decisão de setores das Forças Armadas de estabelecer limites para a participação feminina nos serviços militares, assunto já superados em quase duas dezenas de países, onde os direitos delas equiparam-se aos dos homens soldados. Na Procuradoria-Geral da República e no Supremo Tribunal a questão está colocada para discussão e decisão final, quando certamente a discriminação deverá ser sepultada, com a devida pressa, principalmente depois que, no Rio, estabeleceu-se que a participação de mulher na polícia estadual não deve ultrapassar a 10%. Por que dez? Qual a razão técnica desse percentual?

O que em favor delas se propõe, acima de qualquer outro argumento, é que, muito diferentemente de tempos passados, as atividades de defesa e ataque, inerentes, deixaram de depender de força bruta e da resistência física masculina, para se tornar dependentes da tecnologia, dos modernos recursos de estratégia e precisão matemática de alcance de objetivos. Os gatilhos foram substituídos pela tecla dos computadores, que podem administrar tanques e canhões. A mão do homem ficou na crônica das antigas e grandes guerras. Sobre a contribuição da mulher também aí, que o digam e atestem os Estados Unidos e o Reino Unido, onde os chamados “contingentes do batom” são numerosos e competentes. Porque, mesmo na infantaria e nos combates de campo, a força pessoal já não tem mais importância insubstituível. Em casos como Ucrânia e Israel, nem mesmo a beleza feminina tem sido sacrificada...

Num país, como o nosso, em que a igualdade de gêneros frequenta todos os discursos, pouco sinceros e fartamente demagógicos, não parece ter cabimento excluir a mulher das responsabilidades da segurança nacional.

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