Esquerda e direita
((Wilson Cid, hoje, no "Jornal do Brasil" ))
A vitória de Donald Trump, de novo subindo à presidência dos Estados Unidos, acendeu, mais um pouco, as discussões sobre o embate ideológico direita-esquerda, para a regência dos destinos do mundo contemporâneo. Por muito tempo, os cientistas políticos terão assunto para divagar sobre o mesmo tema. Quanto a nós, brasileiros, aduz-se o fato de que o principal partido esquerdista, o PT, acaba de sair chamuscado de uma eleição, que o condenou a um papel modestíssimo nas prefeituras, grandes, médias e pequenas, o que não quer dizer que tudo são flores para os direitistas, que têm se animado muito com os números de Washington, como que fossem uma bênção a importar.
À sombra de Trump todos temos de pensar ou repensar. Seria perigosa ingenuidade achar que estamos isentos abaixo do Equador. Temos grandes negócios a conferir, frente a um governo que tem fama de protecionista furioso, e nessa quadra a ideologia despenca para o segundo lugar.
O tema esquenta, neste tempo de um mundo cada vez mais dividido, para dissabor de muitos pensadores. Porque no entendimento deles, já vai passando a hora de a sociedade livrar-se dessa indesejável dicotomia, que encharca a terra de ódio e sangue. O italiano Norberto Bobbio vai direto ao assunto: “esquerda e direita igualam-se no ódio à democracia”, depois de concluir que as duas correntes antagônicas não podem ser colocadas sob forma de antítese: o que não é da direita é da esquerda - e pronto! Isso traça um perfil carcomido da política e das relações entre os povos, com o dissabor de ver que as duas correntes caem facilmente nos braços dos ditadores. Nesse vício capital caminham ombro a ombro.
(O lamentável apoio a muitas ditaduras vem dando corda aos direitistas, embora também eles, quando no poder, frequentemente lancem mão do mesmo defeito).
Se não há sinais para a superação do mal que preocupava Bobbio, cuidemos de tratar do fenômeno, mais ainda quando pesa diretamente aos nossos costados. Temos razões e expectativas nacionais para tratar do assunto; e antes que as precipitações prejudiquem estudos sérios, é preciso começar por uma indagação essencial, sobretudo desapaixonada: nestes últimos tempos, foi a direita que prosperou, aqui e no resto do mundo, ou foi a esquerda que retrocedeu e envelheceu no espaço?. Méritos são devidos àquela ou foram os esquerdistas que descuidaram da revisão de conceitos e fórmulas que impuseram o tempo e as experiências? No caso brasileiro, percebe-se que a direita joga com habilidade com os frutos que seus adversários não souberam ou não puderam colher. Deixando abertos os flancos, a esquerda, obediente a alguns de seus líderes, optou por avançar nos retrocessos. Exemplo cristalino veio, recentemente, com o posicionamento assumido pelo principal entre os partidos governistas, ao apoiar a reeleição do presidente da Venezuela, onde as urnas exalavam o violento cheiro de fraude.
No confronto entre as ideias, veio, por acréscimo, na conduta da esquerda, o equívoco de eleger um ex-presidente como alvo único de sua artilharia, sem perceber que dava a ele uma vitrine permanente; ele, Bolsonaro, sem poder, sem cargo, sem passaporte. Dessa conduta resultou o fortalecimento da direita, que tomou carona nos municípios, onde muitos prefeitos elegeram-se sem viés ideológico. Apenas embarcaram. Mas ganharam.
Se já não é sem tempo que as atenções se voltem para a sucessão presidencial, os partidos, a começar pelo PT, não podem escapar de reciclagem, envernizar velhas ideias, ajustar planos e ações. Não se pode, simplesmente, enterrar a cunha entre correntes ideológicas, e pensar que nisso se resume tudo; o que vale também para os direitistas, que pensam tomar a cadeira de Lula em 2026. Será tolice achar que as simpatias de Trump podem influenciar, decisivamente, os próximos rumos da política brasileira. O presidente americano não gosta de Lula, é vingativo, aprecia Bolsonaro, mas interesses políticos e econômicos certamente vão orientá-lo a não investir aqui além do razoável. Demais, a partir de janeiro, sob nova orientação, Washington aprofundará o velho protecionismo, o que não será bom para nossas exportações.
( Percebam que Trump, como todos os outros, os que vieram ou estão por vir, apenas chamam os Estados Unidos de América. A América como sinônimo de Estados Unidos. O que fica abaixo, a partir do México, está na dependência de interesses e ocasiões).
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