Sangria na Esplanada
((Wilson Cid, hoje, no "Jornal do Brasil" ))
Quem costuma acompanhar a história política percebe, com alguma facilidade, que nunca houve alguém capaz de invejar o presidente da República, quando, sobre sua mesa, a realidade nacional impõe a necessidade de cortes drásticos no orçamente da União. Quase todos viveram esse drama, porque raramente puderam escapar de enormes dificuldades de caixa, vendo as receitas sufocadas pelos gastos. Sem escapar da tradição, Lula procura exercitar o contorcionismo, pois sabe que nessa hora vai ser chamado a assumir, sozinho, a responsabilidade pela aventura de gerar conflitos entre os ministros; todos eles, alguns menos outros mais sacrificados. O fantasma do primeiro escalão desprestigiado, sem poder cumprir metas mínimas. A limitação de gastos e os contingenciamentos sempre foram um momento delicado. Não haveria de ser diferente hoje.
O primeiro incômodo para quem tem de dar a palavra final é que se instalam, em posições rigidamente opostas, as áreas econômica e política. Aquela querendo lanhar a pele dos gastadores, arrancando sangue em corpos anêmicos. Já os ministérios políticos, de outro lado, não querem saber de queixumes, porque têm obrigações sociais a cumprir; e encher os cofres é problema do doutor Haddad. Para ampliar os problemas, o partido obrigado a sustentar o governo, o PT, bate na política de contenção, e, nesse passo, despreocupado em contemporizar, atira combustível numa fogueira que vai próspera. Um constrangimento para o presidente, testando sob fogo cruzado de interesses, num ministério constituído sob a égide de partidos que olham mais para si e menos para a estabilidade de quem os contemplou.
Outra peculiaridade. Os cortes, cuja extensão vem sendo discutida e adiada há três semanas, são, antes de tudo, terrível dieta eleitoral, começando por afetar vários projetos de 2026. Já não se trata apenas da sucessão presidencial, mas, no mesmo ano, muitos ministros e altos funcionários, que aspiram a governos estaduais, sairão com asas podadas, enfraquecidos na capacidade de distribuir recursos do erário federal. Em alguns casos, uma sangria fatal.
As medidas que vêm sendo estudadas querem, no ponto mais alto dos objetivos alinhados, zerar o deficit, ideal longe de ser alcançado a médio prazo. O diagnóstico está exposto em planilhas tecnicamente corretas, pela via fiscal.
O que não pode ser desconsiderado, nos debates que se prolongam sobre tal matéria, é que os governantes precisam impor seriedade no consumo do suado dinheiro dos impostos; mais ainda, quando sabemos que somos um país guloso na aplicação das políticas tributárias. Em resumo, nada mais que a conscientização de todos os poderes, não apenas o Executivo, do dever comum de seriedade nos gastos; dever de todos que têm parte na administração dos bens públicos. A começa pelo presidente, a quem cabe dar exemplo, limitando o custo de suas viagens babilônias. Judiciário e Legislativo também têm vivido em regime de gorduras acumuladas, e precisam se libertar, por exemplo, dos penduricalhos que duplicam ou triplicam vencimentos e subsídios já por si generosos. Nem podem escapar dessa cobrança os estados, em muitos casos ostensivamente perdulários. Num escândalo em grau maior, nos últimos meses os tribunais de contas tornaram-se leito de casamentos bem sucedidos, com esposas de políticos nomeadas conselheiras.
Vale desejar que a onda de cortes não se limite a reduzir despesas imediatas, mas que as moralize hoje e para sempre. Por que não?
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