terça-feira, 5 de novembro de 2024

 


Insegurança e desconfianças


((Wilson Cid, hoje, no "Jornal do Brasil" ))

Assunto para longas conversas e controvérsias, a recente reunião promovida pelo governo federal para abrir debate em torno da PEC de unificação da segurança pública permitiu, paralelamente, que ficassem expostos alguns sinais da crise do federalismo brasileiro; crise que, de há muito, não só agora, tem reclamado revisão e retoques, sob inspiração nas experiências republicanas. Não obstante a importância do encontro e a abrangência de sua pauta, 13 governadores deixaram de participar, por razões nem sempre convincentes, embora se fizessem representar por escalões inferiores. Evidenciou-se, igualmente, que somos um país em que os entes federados têm visões diversas sobre problemas também diversos, tanto nas origens como nas práticas. Sinais de que, por força de desigualdades, há um imenso vácuo para uma convivência estreita desejável, detalhe para agravar a crise exposta na reunião de quinta-feira.

O presidente Lula, que dirigiu os trabalhos, não precisaria de outros exemplos para saber que
somos vítimas de complexidades, de diferentes visões sobre problemas que, se afetam a cada estado, protejam-se com características próprias sobre a vida nacional. O que certamente deve levá-lo a reconhecer que apenas se deu o primeiro passo, na caminhada longa de uma política de segurança federalizada, que, avaliado o projeto apresentado, tem aspectos positivos e outros nem tanto. Um contraste observado, que não deixa de preocupar, são alguns instrumentos de defesa que vieram da Constituição de 88, já se revelam superados ou insuficientes para conter o progresso do crime organizado, como reconhece o ministro Rui Costa, a quem se ficou devendo a denúncia de que, tão avançadas estão as quadrilhas, que hoje elas interferem ostensivamente na economia nacional.

A fabulosa teia de crimes prospera em dois campos, nos quais as competências e responsabilidade pesam menos sobre os governos estaduais, porém muito mais sobre os largos ombros da União, que engole com entusiasmo 60% do bolo dos tributos. Primeiro, as fronteiras escancaradas, vulneráveis ao tráfico de drogas e armamentos pesados, instrumentos tenebrosos, dos quais nasce e avança o poder das quadrilhas. É quando se torna justo indagar se, no policiamento dos limites internacionais, temos atingido um nível desejável. Claro que não. Aí, sob limitações estruturais, os governadores não têm como contribuir tanto. Para não se tocar em algo mais complexo - a segunda questão – , isto é, a lavagem de dinheiro sujo. E o governo federal conhece os endereços das “lavanderias”. Portanto, sem qualquer intenção de esvaziar o apelo que vem de Brasília, considerado o contexto de uma proposta que pretende definir objetivos, alinhar ações e redefinir competências, é preciso que o governo federal deixe bem claros onde tem falhado, para, em seguida, melhorar e clarear os objetivos, expor melhor os propósitos, o que é fundamental para superar desconfianças quanto ao viés intervencionista.

( Há uma velha preocupação, sonhada em toda ditadura, visível ou amena, de que o comando do domínio das forças começa pelo controle das polícias estaduais. Sempre foi assim, e no governo Costa e Silva a incorporação só não aconteceu, de fato, por causa das habilidades dos contestadores mineiros).

Ressalvas admitidas, exclui-se delas a condenação, a priori, da proposta de uma política de maior colaboração, e o objetivo de dar enfrentamento aos desafios da insegurança que, hoje, corre avassaladora, por todos os quadrantes; aí sim, uma convocação de amplitude nacional. As intenções reveladas pelo presidente Lula, na sua totalidade ou em parte, têm de ser consideradas, porque resultam de perigosa realidade, jamais negada. A colaboração dos governadores é contribuir para aperfeiçoar o que se pretende fazer, preservada a autonomia dos estados, onde a ela têm direito. E, ao mesmo tempo, convocar deputados e senadores sob sua influência para que contribuam no que a matéria exigir para o aperfeiçoamento.



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