“O estado a que chegamos”
A expressão acima, cunhada pelo gênio do Barão de Itararé,
referia-se ironicamente ao Estado Novo, obra de Getúlio Vargas, que nesta
sexta-feira está completando 80 anos. Que estado foi esse, que fez o Brasil
amanhecer diferente? A democracia empobrecida, a eleição presidencial dois
meses depois cancelada, Câmara e Senado fechados, assim como Assembleias
e Câmaras Municipais. Engavetados os partidos, desnecessários
então, pois entendia-se que política não é assunto para os políticos... O
pretexto para o assalto às instituições era o de sempre de todos os ditadores,
venham eles de onde vierem: intranquilidade social, ameaça de subversão
da ordem. Os culpados eram os comunistas, que naquele novembro fatídico
concediam um naco de culpa às patriotices dos integralistas. Em suma, a
ditadura, em cujo útero Getúlio completou a gestação dos seus quinze anos
de poder discricionário. Longo período que ele ousou chamar de
provisório... Num ambiente em que só o Executivo mandando e decidindo,
nasceu o terrível decreto-lei, muleta em que se apoiaram todas as ditaduras. E
também as não-ditaduras, que para ele passaram a adotar o eufemismo “medida
provisória”, sem a preocupação de adotar um sinônimo capaz de esconder a
subjetividade varguista. O que foi provisório para ele continuou sendo
para os sucessores. “O decreto-lei do Estado Novo nada mais é que a atual
medida provisória, e nem Tancredo teve como bani-la da redemocratização”, como
ensinava o professor Almir de Oliveira, professor de Direito Constitucional da
UFJF.
Dois mineiros tomaram parte na conspiração, Benedito Valardes,
premiado com iguais quinze anos com a intervenção no Estado; e Francisco
Campos, “Chico Ciência”, um talento jurídico sempre pronto a servir. Em
compensação, foi um juiz-forano, o ministro Odilon Braga, que protestou, pregou
sozinho no deserto e por isso se indispôs.
Mas houve também quem interpretasse o fato sob óticas diferentes,
como a historiadora Dulce Pandolfi, que viu no Estado Novo a entrada do Brasil
na era da modernização e como agente do bem-estar até então distante das
classes excluídas. Nessa linha temos como sobreviventes, 80 anos depois, a
estrutura sindicalista corporativista e o discutido compulsório imposto
sindical, coisa que o resto do mundo não adotou ou já baniu.
Há 10 anos conversei com quem testemunhou de perto aqueles dias.
Alziro de Souza, então com 87 anos, fundador da Federação Mineira Operária.
Definia Getúlio como ”um homem extraordinário”, mesmo tendo sido sacrificado
pela nova legislação sindical, que golpeou sua entidade, ao se ver obrigada a
dividir-se em quatro (hoje são 20 mil sindicatos em todo o Brasil), e,
portanto, enfraquecer-se. Engoliu seco, pois, segundo suas próprias palavras,
naquele 1937 “em Juiz de Fora, mais que em qualquer outra cidade mineira, o
getulismo chegou bem perto de ser uma epidemia”. Com isso, aliás, concordava o
historiador Paulino de Oliveira. Getúlio veio cinco vezes à cidade,
quando era presa de tédio, querendo afastar-se de todos e de familiares
incômodos. Em uma dessas vezes ficou aqui doze dias, obrigando ministros a
viagens diárias em sete ou oito horas de estrada.
Do Estado Novo aproveitaram-se muitos agentes da violência
policial, e com ela mergulhar no fundo do poço o direito de discordar e de
contestar, na contraposição aos avanços na legislação trabalhista.
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