sexta-feira, 10 de novembro de 2017






“O estado a que chegamos”


 A expressão acima, cunhada pelo gênio do Barão de Itararé, referia-se ironicamente ao Estado Novo, obra de Getúlio Vargas, que nesta sexta-feira está completando 80 anos. Que estado foi esse, que fez o Brasil amanhecer diferente? A democracia empobrecida, a eleição presidencial dois meses depois cancelada, Câmara e Senado fechados, assim como Assembleias  e  Câmaras Municipais. Engavetados os  partidos, desnecessários então, pois entendia-se que política não é assunto para os políticos... O pretexto para o assalto às instituições era o de sempre de todos os ditadores, venham eles de onde vierem:  intranquilidade social, ameaça de subversão da ordem. Os culpados eram os comunistas, que naquele novembro fatídico concediam um naco de culpa às patriotices dos integralistas. Em suma, a ditadura, em cujo útero  Getúlio completou a gestação dos seus quinze anos de poder discricionário. Longo período que ele ousou chamar de provisório...  Num ambiente em que só o Executivo mandando e decidindo, nasceu o terrível decreto-lei, muleta em que se apoiaram todas as ditaduras. E também as não-ditaduras, que para ele passaram a adotar o eufemismo “medida provisória”, sem a preocupação de adotar um sinônimo capaz de esconder a subjetividade  varguista. O que foi provisório para ele continuou sendo para os sucessores. “O decreto-lei do Estado Novo nada mais é que a atual medida provisória, e nem Tancredo teve como bani-la da redemocratização”, como ensinava o professor Almir de Oliveira, professor de Direito Constitucional da UFJF.

   
Dois mineiros tomaram parte na conspiração, Benedito Valardes, premiado com iguais quinze anos com a intervenção no Estado; e Francisco Campos, “Chico Ciência”, um talento jurídico sempre pronto a servir.  Em compensação, foi um juiz-forano, o ministro Odilon Braga, que protestou, pregou sozinho no deserto e por isso se indispôs.  

Mas houve também quem interpretasse o fato sob óticas diferentes, como a historiadora Dulce Pandolfi, que viu no Estado Novo a entrada do Brasil na era da modernização e como agente do bem-estar até então distante das classes excluídas. Nessa linha temos como sobreviventes, 80 anos depois, a estrutura sindicalista corporativista e o discutido compulsório imposto sindical, coisa que o resto do mundo não adotou ou já baniu.

Há 10 anos conversei com quem testemunhou de perto aqueles dias. Alziro de Souza, então com 87 anos, fundador da Federação Mineira Operária. Definia Getúlio como ”um homem extraordinário”, mesmo tendo sido sacrificado pela nova legislação sindical, que golpeou sua entidade, ao se ver obrigada a dividir-se em quatro (hoje são 20 mil sindicatos em todo o Brasil), e, portanto, enfraquecer-se. Engoliu seco, pois, segundo suas próprias palavras, naquele 1937 “em Juiz de Fora, mais que em qualquer outra cidade mineira, o getulismo chegou bem perto de ser uma epidemia”. Com isso, aliás, concordava o historiador Paulino de Oliveira.  Getúlio veio cinco vezes à cidade, quando era presa de tédio, querendo afastar-se de todos e de familiares incômodos. Em uma dessas vezes ficou aqui doze dias, obrigando ministros a viagens diárias em sete ou oito horas de estrada.

Do Estado Novo aproveitaram-se muitos agentes da violência policial, e com ela mergulhar no fundo do poço o direito de discordar e de contestar, na contraposição aos avanços na legislação trabalhista.   





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