terça-feira, 25 de junho de 2019

O tempo que urge

Para quem se apressa em afirmar que é cedo demais para dar trato ao processo eleitoral do próximo ano uma primeira advertência seria cabível ao se lembrar que, mesmo restrita a contendas municipais, a campanha seguinte será capaz de jogar luzes para a disputa que virá em 2022, quando se elegerão presidente e governadores. Por que essa influência? Porque é nos rincões que serão conhecidas e arregimentadas as primeiras tropas para o embate. Eis o porquê.

Desta vez, um dado a mais, uma novidade que ensejará repercussões: com alguns milhares de candidatos à vereança, será dado a conhecer novo teste para as coligações partidárias, agora limitadas. Elas também serão capazes de lançar influências sobre o destino de deputados ávidos por ampliar o mandato a ser disputado logo depois. Com tudo isso, por tudo isso, não será desperdício de tempo aproveitar os próximos dezesseis para elaborar ideias e pensar projetos.

Parece não terem entendimento diferente alguns líderes petistas, que pensam a eleição de 2020 como o grande ensaio para a jornada que pretendem empreender visando à retomada do poder central, perdido no ano passado, quando o eleitorado optou por uma guinada à direita. Nesse passo, o Partido dos Trabalhadores tenderia a encampar duas vertentes de uma única estratégia: centrar suas forças em áreas populacionais de porte médio e, paralelamente, promover a união das demais siglas que desde agora vão se opondo ao governo Bolsonaro. Ante objetivo de tal envergadura, não se pode negar razão aos dirigentes petistas preocupados em preparar logo suas velas, e com elas aproveitar ventos favoráveis.

A construção de um projeto comum a todos os segmentos oposicionistas não é tarefa das mais fáceis, por mais que à frente estejam presidente e governadores desgastados. Porque cada partido tem suas próprias ambições regionais. Se se sente à vontade para contesta o governo federal em Brasília, nem assim abre mão dos interesses em seus estados. O caminhar da legislatura nas duas casas do Congresso já tem exposto tal preocupação nestes seus cinco primeiros meses. E vai acentuá-la cada vez mais.

Outro detalhe verificado na semana passada, também este corroborando para antecipar fatos políticos com vistas às próximas eleições, foi a insinuação do presidente Bolsonaro sobre um segundo mandato, que disputaria “se o povo quiser”, segundo suas próprias palavras. Como ninguém espera que ele confesse, no futuro, que o povo não o deseja, por mais que possa estar consciente disso, prudente é considerar que se trata de uma candidatura já plantada, esperando o plantador que ela amadureça.

A declaração do presidente e as primeiras movimentações objetivas de seus principias opositores servem para confirmar o que todos sabem de há muito: o calendário eleitoral exerce clara ditadura sobre a organização política do país. Com votações realizadas de dois em dois anos, o tempo não admite que partidos e candidatos possam estar distantes da preocupação com os votos. É como se, elegendo-se, fossem automaticamente condenados a retomar outra guerra, mesmo que a anterior nem tenha deitado suas poeiras e curado as feridas abertas. Com os próximos desafios das urnas, governistas e oposicionistas devem sentir que são muitos os percalços ( o crescente desânimo dos eleitores, por exemplo), sem contar a imprevisibilidade, que não convém desprezar. Ela é capaz de gerar fatos que surpreendem. Por isso, fazer pouco caso do tempo, sem aproveitá-lo adequadamente, deixando que passe, e com ele só se importando em momento derradeiro, é uma imprudência, que em política costuma custar caro.

quarta-feira, 19 de junho de 2019

Há 90 anos 

O 19 de junho é uma data importante nos arquivos da Aliança Liberal e da Revolução de 30, que, como se sabe, foram dois acontecimentos que tiveram Juiz de Fora entre seus principais cenários. Nenhum dos episódios do fim da Velha República foi ignorado pelas expressões políticas locais; não raro tiveram papel saliente nos idos da grande conspiração.

Naquele dia, no apartamento 809 do Hotel Glória, Rio de Janeiro, José Bonifácio, João Neves da Fontoura e Francisco Campos traçaram e assinaram um acordo decisivo, que selaria o último capítulo do governo Washington Luiz. Tratava o documento do que se convencionou chamar de “ação conjunta no processo sucessório” já dentro do cenário da Revolução: se fosse proposto e acordado um nome de Minas para a Presidência da República, o Rio Grande do Sul o apoiaria; não fosse assim, os mineiros dariam apoio a um nome gaúcho. “Fica firmado entre os dois estados o compromisso de agirem em solidariedade e completa identificação”, como registra Paulo Roberto Medina em seu livro “A Política em Minas”, publicado em fins do ano passado.

Nessa histórica reunião de três, dois eram de Minas: Bonifácio, um dos líderes civis de 30, e Campos, secretário de Interior do Estado. Mesmo sendo espertos e expertos, não tiveram como manter a candidatura de Antônio Carlos, solução até então tida como a ideal. Começava naquela noite a jornada do ditador Getúlio Vargas.

Aquele apartamento, onde residia João Neves da Fontoura, agoniza no que foi o Glória, construído sob inspiração de projeto neoclássico do arquiteto francês Joseph Gire, inaugurado em agosto de 1922, e que passou os últimos anos esperando que se cumprisse a promessa de Eike Batista de restaurá-lo “com o charme dos anos 20”.



Lava Jato sob fogo cruzado 

O doutor Sérgio Moro entrou num 'inferno astral', que chega para compor a conturbada conjuntura da política brasileira. Deu-se o vazamento de informações, entre 2015 a 2017, sobre a troca de mensagens dele com o Ministério Público diretamente vinculado à Operação Lava Jato. Mal situado o ministro nesse cenário, nesta terça-feira não falta quem admita, no caso de prosperar a crise, que talvez tenha sido um equívoco ele trocar seu sólido posto de juiz federal em Curitiba por algo que agora pode ser duvidoso no primeiro escalão de Brasília. O presidente Bolsonaro deu-lhe um sinal de confiança, o que tem valor relativo, pois trata-se de um aval dependente dos desdobramentos em torno do episódio. De fato, o presidente pode muito, mas as circunstâncias costumam ser momentaneamente mais poderosas. O futuro dirá se valeu a pena o sacrifício pessoal em benefício da missão, como o ministro costuma dizer. Até a chegada da crise, Moro dominava o cenário nacional como o herói gigante retratado nos bonecos infláveis que figuraram nas manifestações de rua pró-governo Bolsonaro. O que resta, numa fase que já não garante muito fôlego para novas tensões, é ver como o Planalto pretende lidar com o problema que lhe caiu ao colo.

Restou um clima de suspense depois que o aplicativo Telegram, segundo o senhor Mr. Greenwald, anunciou ter outros e fartos materiais dos bastidores, capazes de comprometer autoridades envolvidas na maior operação de combate à corrupção a que o país já assistiu. O referido aplicativo atesta que no caso em foco não houve ação de hacker, creditando-se o vazamento das informações por outra forma. Um dado que merece melhor esclarecimento, pois fala-se, simultaneamente, em procedência anônima da informação e preservação da fonte. Não há como preservar fonte não identificada. Ou será que aconteceu uma inconfidência por parte de algum membro do próprio grupo da operação Lava Jato?

Outro detalhe concorrente no episódio, que talvez mereça posicionamento de juristas, é a real extensão da atuação combinada entre juiz e procurador, o que, é sabido, não tem acolhimento no texto da lei. Sem embargo de afirmarem os advogados que isso ocorre com frequência em qualquer comarca do país. Mas os defensores dos condenados pela ação da Operação Lava Jato vislumbram anular sentenças prolatadas pelo então juiz Sérgio Moro, porque teria ele agido politicamente, sem a necessária isenção de um magistrado. Mas basear-se nisso para alimentar a esperança de revisão de sentenças, estando os réus a cumpri-las, parece algo de remota possibilidade.

Seja como for, esta é uma semana decisiva para o prestígio da operação desencadeada contra a corrupção. Ela está sob fogo cruzado, no qual são atiradores empresários e políticos condenados, a alimentar uma réstia de esperança no horizonte. E, para futuros réus, a expectativa de travamento dos processos em andamento.


Mas, se nada mais acontecer e os poderosos da República continuarem onde estão; se, como dizem os senhores Moro e Dallagnol, as mensagens que trocaram estão “fora de contexto”, fica diante da sociedade uma outra preocupação, o crescente protagonismo dos hackers. Se cada vez mais aprimoram sua capacidade para conhecer e alterar aspectos internos de dispositivos, programas e redes de computadores, usando a tecnologia para decretar a morte dos segredos de governo e da privacidade, estarão prontos para desafiar a intocabilidade das urnas nos futuros processos eleitorais? Se são capazes de invadir as entranhas do Poder, não teriam facilidade para alterar os números de votações totalmente informatizadas?

terça-feira, 11 de junho de 2019

Os poderes e as reformas


Otimistas e pessimistas dividem discursos e argumentos para mostrar que muito ou nada esperam das recentes promessas dos representantes dos três poderes para, pactuados e acordados, trabalharem em busca de reformas que residem nos melhores sentimentos da sociedade brasileira. Mas o que realmente pode credenciar esperançosos e duvidosos são os caminhos e os recursos de que se valerão os governantes para atingir o fim colimado, bem como as tarefas bem distribuídas entre Executivo, Legislativo e Judiciário para um bom desempenho, sabendo-se que, num primeiro passo, esses poderes terão de mexer em suas próprias entranhas, antes de tentar corrigir as travas dos olhos alheios. É velha discussão definir que setor carece de atenções mais urgentes, debate a ser estimulado na esteira de qualquer boa intenção; até porque isto é o desejável num regime de franquias, como insistiu, recentemente, o ministro Luiz Barroso.

1 - Sobre o que precisamos mudar na estrutura do país as experiências colhidas mais recentemente, a partir de 88, com uma Constituição felizmente não mais outorgada mas promulgada, cabe citar que os anseios passaram a andar ligeiros. A sociedade organizada tem pressa, já não tolera o precioso tempo que o parlamento costuma perder em discussões dispensáveis ou em obstruções que a nada mais almejam além de valorizar votos e negociá-los com vantagens. No presente momento é o que provam alguns artifícios criados ante a reforma da Previdência.
O Congresso há de ser mais ágil em suas decisões. É imposição dos tempos.

2 - O Judiciário, no que lhe couber nessa pretensa reforma, há de encontrar, espelhado nas melhores Justiças do mundo, uma forma de desvencilhar-se das conhecidas armações procrastinadoras, terrível instrumento que se coloca sempre a serviço de criminosos com poder político ou com algibeiras generosas. Os intermináveis recursos, correndo atrás do prêmio das prescrições, jamais se revelam disponíveis para réus descamisados. Está na cara de todos nós: penas cumpridas em mansões de luxo, delações premiadas, ainda que de origem suspeita, e eventuais tornozeleiras saíram do campo dos direitos para se tornarem regalias.

3 - Sobre o Executivo, outra vertente no acordo tripartite, há que se lembrar, como tarefa irrelegável, a construção de um aparelho de normas que impeçam a prática da corrupção; no dizer de conhecido jurista, seria um aparelho que não se satisfaça apenas com a condenação do agente da corrupção, mas impeça que a máquina administrativa favoreça outras incursões criminosas. A estrutura do poder público no Brasil não é suficientemente atenta à moralidade, a começar pelo grave defeito de complicar a burocracia, facilitando a venda de facilidades. Já se dizia, não é de hoje: se há licença a dar e subsídio a obter haverá sempre um funcionário para ser comprado. Há que se descobrir fórmulas que defendam o interesse público, antes que as comissões ilegais corram ao bolso de um agente desejoso de complementar seu modesto holerite.

É pouco provável que correções tão profundas e essenciais possam se concretizar em uma única geração política, mesmo sob a inspiração dos legítimos anseios da sociedade. Mas é certo que se a elas se dedicarem os poderes, patrioticamente unidos e empenhados, a caminhada haverá de ser menos acidentada.
Lei do retrocesso

Ao Congresso Nacional e ao presidente Bolsonaro não se pode atribuir um sincero esforço para aperfeiçoar a organização partidária brasileira, principalmente depois de aprovada e sancionada a Lei 13.831, publicada no dia 17 último. Diga-se que se trata de um primor em matéria de retrocesso, pois consagra antigos vícios que, ao longo do tempo, consolidaram o indesejável caciquismo que se enconde atrás dessas siglas. A imediata dedução que se pode extrair dos dispositivos desse documento é que estão consolidados os poderes de chefes veteranos e mitigada a democracia interna dos partidos políticos, removidas as esperanças de renovação nas executivas. Se já não podíamos considerá-los como organizações confiáveis, agora ficam evidentes as injunções da elite política, que também exerce controle total das verbas públicas dos fundos partidário e de financiamento eleitoral. Por consequência, a esperada renovação nos diretórios tornou-se mais difícil.

Estranho que a assessoria do presidente não o advertisse sobre o conflito que a nova lei vem gerar e incomodar o próprio discurso bolsonarista, que prometeu a substituição de velhos costumes, entre os quais a petrificação de lideranças, impedindo renovação de calejados comandos partidários; defeito que tem causado sérios prejuízos ao exercício da democracia no aspecto da representação. Assegurou-se aos chefes, com esse malfadado documento, autonomia para definir o prazo de duração dos mandatos dos membros dos órgãos partidários, sejam eles permanentes ou provisórios.

Isso significa um golpe cruel no desejável surgimento de novas lideranças. Aos deputados não interessam projetos de renovação, o que geralmente têm obstado com um recurso, de certa forma velhaco, de forçar e manter a criação de meras comissões provisórias nos municípios, formadas por gente de estrita confiança, não raro funcionários de seus gabinetes. A provisoriedade eterniza-se, o que impede a criação de diretórios, aos quais, estes sim, deve caber a divulgação dos programas, a fiscalização dos mandatos e a organização das convenções. Nada a ver com comissões provisórias, que apenas exercem o papel da subserviência.

Debite-se, pois, ao presidente, o equívoco, como também a falsa boa intenção de impedir o que, na verdade, autoriza: a vigência dos órgãos provisórios dos partidos políticos limitada “ao máximo” em oito anos, o que coincide com a duração de dois mandatos sequenciais dos parlamentares. Com tão longa vida onde tanto se reclama mudança, os que elaboram a Lei 13.831 e quem a sancionou acabam por autorizar a ditadura partidária, e remetem às calendas qualquer esforço para arrancar os partidos da atual indigência, sem ideias, sem propostas, sem maiores responsabilidades com a sociedade brasileira.

Na contramão, à revelia de desejável seriedade, os caciques são premiados por deixarem de cumprir a lei: se não movimentaram os recursos financeiros ou arrecadados bens estimáveis em dinheiro ficam desobrigados de prestar contas à Justiça Eleitoral; nem enviar declarações de isenção, declarações de débitos e créditos tributários federais ou demonstrativos contábeis à Receita Federal, bem como ficam dispensados da certificação digital, exigindo-se do responsável partidário mera apresentação de declaração da ausência de movimentação de recursos nesse período. Nada mais estimulante para consolidar tortuosos caminhos nas relações dos partidos com a sociedade que pretendem representar.
Entre o delírio e o real

Não fosse a república escaldada em experiências multifacetadas, muitas capazes de desconcertar o senso das coisas, teria horrorizado recente iniciativa do presidente, ao divulgar um panfleto que vê o país à beira da ingovernabilidade. Não é documento de sua autoria, mas, se tomou a iniciativa de torná-lo público, indiretamente o endossa. Uma atitude que deve ser levada a sério, não apenas por se tratar de algo que mexe com a primeira autoridade do país, mas por estar seu mandato apenas no quinto dos 48 meses que lhe são confiados; e já sob tamanha ameaça?.

Acresce detalhe não menos preocupante: esse ato, pela gravidade de que se revestiu, devia investigar as fontes responsáveis por tão sensível temor. O presidente detém responsabilidades tais, que uma preocupação que decide expõe há de cercar-se de cuidados, havendo ou não imprevidência ou precipitação no tratamento da questão que gera a insegurança da sociedade. Cabe, portanto, dizer de onde tirou o manifesto até agora apócrifo, e quais as intenções da Presidência ao mergulhar em campo tão delicado.

Nos anos 60 do século passado, quando disse coisa parecida, o presidente Jânio Quadros, prestes a renunciar, havia esperado apenas sete meses para dar à ingovernabilidade o apelido de ”forças ocultas”. Mutatis mutandis, o mesmo fantasma que Bolsonaro ressuscita agora. Jânio queria forças especias para governar, sem depender do Congresso, onde via nada mais que um clube de ociosos em permanente conflito de interesses. O que estaria o sucessor pretendendo para espantar o “encosto” do espírito dos vivos que o atormentam?

Seja o que for, ao presidente, para escudar-se, bastaria alegar que assumiu o comando de um país padece tamanhas enfermidades, acumuladas e agravadas ao longo de tanto tempo, que seus brevíssimos cinco meses são apenas gotas analgésicas num corpo que exige cirurgias profundas. Talvez fosse melhor se dissesse isso. Nada mais que isso, sem ameaças de ingovernabilidade.


Mas, tenha ou não o presidente alguma razão para o desabafo, os desencontros que vão se sucedendo nas relações entre os poderes, centrados principalmente no diálogo acidentado entre o Executivo e os deputados, surgem como peças adjutórias para deixar nu esse presidencialismo de coalizão, em cuja essência predomina certa interdependência serviçal; um vasto e caro jogo de interesses particulares. É o que tem regido a conduta de relações que deviam ser respeitosas, curvadas apenas às causas nacionais. O modelo se apequenou, agravado pela tendência dos partidos a se imporem com instrumento oligárquico. Sendo assim, é forçoso reconhecer que a nova legislatura, se mudou muitas caras, preservou a velha lição de pragmatismo ensinada por Badaró (pai): mais vale quem o governo ajuda do que quem cedo madruga.


Esses desajustes, distribuindo pedras e espinhos pelos caminhos da República, acabam por sugerir que temos perdido um precioso tempo com a falta de coragem para encarar o que realmente poderia descortinar novo tempo para as relações políticas: o parlamentarismo. É uma ideia que se cerca de simpatias quase unânimes, mas não ousa sair do papel e ganhar o debate entre as lideranças. Ficou esquecida após a desastrosa experiência com João Goulart. Quase como coisa de inoportunidade perpétua. Mas não deixa de ser o melhor remédio para essas dores que ferem nos costados do Brasil. Principalmente se a ingovernabilidade sair dos delírios para ser ameaça real.