Lei do retrocesso
Ao Congresso Nacional e ao presidente Bolsonaro não se pode atribuir um sincero esforço para aperfeiçoar a organização partidária brasileira, principalmente depois de aprovada e sancionada a Lei 13.831, publicada no dia 17 último. Diga-se que se trata de um primor em matéria de retrocesso, pois consagra antigos vícios que, ao longo do tempo, consolidaram o indesejável caciquismo que se enconde atrás dessas siglas. A imediata dedução que se pode extrair dos dispositivos desse documento é que estão consolidados os poderes de chefes veteranos e mitigada a democracia interna dos partidos políticos, removidas as esperanças de renovação nas executivas. Se já não podíamos considerá-los como organizações confiáveis, agora ficam evidentes as injunções da elite política, que também exerce controle total das verbas públicas dos fundos partidário e de financiamento eleitoral. Por consequência, a esperada renovação nos diretórios tornou-se mais difícil.
Estranho que a assessoria do presidente não o advertisse sobre o conflito que a nova lei vem gerar e incomodar o próprio discurso bolsonarista, que prometeu a substituição de velhos costumes, entre os quais a petrificação de lideranças, impedindo renovação de calejados comandos partidários; defeito que tem causado sérios prejuízos ao exercício da democracia no aspecto da representação. Assegurou-se aos chefes, com esse malfadado documento, autonomia para definir o prazo de duração dos mandatos dos membros dos órgãos partidários, sejam eles permanentes ou provisórios.
Isso significa um golpe cruel no desejável surgimento de novas lideranças. Aos deputados não interessam projetos de renovação, o que geralmente têm obstado com um recurso, de certa forma velhaco, de forçar e manter a criação de meras comissões provisórias nos municípios, formadas por gente de estrita confiança, não raro funcionários de seus gabinetes. A provisoriedade eterniza-se, o que impede a criação de diretórios, aos quais, estes sim, deve caber a divulgação dos programas, a fiscalização dos mandatos e a organização das convenções. Nada a ver com comissões provisórias, que apenas exercem o papel da subserviência.
Debite-se, pois, ao presidente, o equívoco, como também a falsa boa intenção de impedir o que, na verdade, autoriza: a vigência dos órgãos provisórios dos partidos políticos limitada “ao máximo” em oito anos, o que coincide com a duração de dois mandatos sequenciais dos parlamentares. Com tão longa vida onde tanto se reclama mudança, os que elaboram a Lei 13.831 e quem a sancionou acabam por autorizar a ditadura partidária, e remetem às calendas qualquer esforço para arrancar os partidos da atual indigência, sem ideias, sem propostas, sem maiores responsabilidades com a sociedade brasileira.
Na contramão, à revelia de desejável seriedade, os caciques são premiados por deixarem de cumprir a lei: se não movimentaram os recursos financeiros ou arrecadados bens estimáveis em dinheiro ficam desobrigados de prestar contas à Justiça Eleitoral; nem enviar declarações de isenção, declarações de débitos e créditos tributários federais ou demonstrativos contábeis à Receita Federal, bem como ficam dispensados da certificação digital, exigindo-se do responsável partidário mera apresentação de declaração da ausência de movimentação de recursos nesse período. Nada mais estimulante para consolidar tortuosos caminhos nas relações dos partidos com a sociedade que pretendem representar.
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