Quem
conspira?
((
Wilson Cid hoje no “Jornal do Brasil” ))
Não
foram poucas as ocasiões em que, neste fim de semestre,
levantaram-se vozes para sugerir, denunciar ou simplesmente insinuar
a existência de planos capazes de arrastar o país a um clima de
insegurança e, decorrentemente, tornar fácil precipitá-lo ao
estado de exceção. Há quem estaria pensando nisso, tanto nas
hostes do governo como nas da oposição; estas, dizendo-se mais
preocupadas, invocam responsabilidade pessoal do presidente da
República, intolerante e irritadiço frente às regras vigentes.
Suspeitas
em mãos duplas. Da mesma forma como é acusado de estar levando o
Brasil ao impasse, e disso extrair poderes ditatoriais, Bolsonaro
insiste em creditar o plano aos opositores, encontradiços nos três
poderes: num primeiro passo, construir dificuldades para o mínimo de
governabilidade. Mas, venham de onde vierem, os que se revelam
porta-vozes de tão grave preocupação têm dever de mostrar à
nação onde estão e como prosperam os focos golpistas. De tal
forma, que se dê às instituições e à sociedade organizada um
norte, um rumo para combater a insídia, se é que ela não se
fecundou totalmente; quando ainda é possível extrair o ovo da
serpente com os bisturis da legalidade. Não denunciar o mal que
estaria por vir é o mesmo que coonestar. Ou não é isso que a
política tem ensinado ao longo da História?
Então,
cabe perguntar aos que dizem saber das coisas: quem anda arquitetando
essa nova ofensa à democracia? Quais os responsáveis? Em que covil
estarão se escondendo os conspiradores, maus brasileiros devotados à
causa do quanto pior, melhor? De quem, afinal, cobrar explicações,
se preocupações desse tipo não podem ficar embutidas?, como se
admissível fosse condenar o brasileiro ao destino de gado de corte,
que só se dá conta da tragédia quando se vê no matadouro.
Questão
a ser desanuviada é saber logo - na linha das suposições mais
graves – se prospera das hostes governistas e do gabinete de
Bolsonaro a ideia de se criar clima de artificialidades; antes de
todos, saber do presidente, mais que dos colaboradores militares;
porque se o ministério é hoje um colegiado de militares, aos quais
em primeiro lugar se buscaria apoio para as derrubadas, suicídio
político seria cobrar deles, mesmo que nesse governo, onde trocam-se
ministros “antes e após as refeições”, nem faltariam
ressurgentes para o papel de pacificadores nas guerras que eles
próprios criam.
Quando
se vive num país desassossegado, onde faltam razões que contribuam
para descortinar horizontes, o que menos se deseja é a
intranquilidade frente a rumores; desses rumores que são mais
perigosos quando não há quem os desminta nem gente suficientemente
credenciada e responsável para garantir que os riscos existem numa
convulsão de laboratório, onde são elaboradas, num primeiro
estágio, as dificuldades de convivência entre os poderes;
dificuldades artificiais num primeiro estágio, e depois manobradas
de acordo com conveniências.
Não
seria a primeira vez que setores responsáveis (sic) estariam
empenhados nesse estado de coisa. Gabinetes do entardecer do Império
viveram casos desse tipo, quando a chegada da República já não era
mais o temor fugaz, mas a realidade que batia à porta da Quinta da
Boa Vista. Arquitetavam-se crises e conspirações artificiais com o
fim de explicar medidas apressadas, quase sempre ilegais ou amorais.
Na República um caso semelhante ficou conhecido como Plano (Bela)
Cohen, que em 1937 simulava sublevação comuno-integralista,
abortado, não sem antes inspirar os horrores que viriam depois com o
Estado Novo. O general Mourão Filho, capitão na época, ficou com a
pecha da paternidade dessa conspiração e autor do documento que
tentava explicá-la. Certo dia, em conversa com políticos de Juiz de
Fora (eu presente, assistindo), dizia ele que levaria para o túmulo
a dor de uma culpa que não teve. Mas a versão ficou.
Episódio
parecido, igualmente fracassado, estava reservado para 1959, no
governo Juscelino. Pretendiam tradicionais conspiradores, com apoio
ou com o silêncio de grupos ligados ao presidente, que uma crescente
subversão ameaçava de tal forma a tranquilidade, que o estado de
sítio fazia-se recomendável.
Hoje,
como no passado, temores de agressão à Constituição só se
desfazem quando se escancaram os autores, são arrancados de suas
tocas e a tempo desmascarados. É o que se fez no passado, é o que
precisamos fazer agora.