Mudanças vão chegando
((
Wilson Cid hoje no ”Jornal do Brasil”))
Muitos
estão certos de que, passada a pandemia, nada será como antes, e a
vida amanhecerá pronta para submeter-se a muitas mudanças.
Justificando a previsão, não falta um primeiro sinal, que parece
estar ao alcance da vista - as eleições de outubro -, mas tudo
indicando que acabarão empurradas para novembro ou dezembro. No
campo político prenuncia-se essa novidade, antes mesmo das
despedidas formais da peste, porque já é certa a alteração do
calendário oficial do TSE, contrariando dispositivo constitucional;
e sem garantia de bons resultados, pois a instalação das urnas
coincidirá com a confusão das naturais agitações de fim de ano, e
a população ainda atordoada com a grave crise na saúde. Tudo
concorrendo para explicar um menor interesse pelas questões
políticas. Nem está fora da possibilidade uma abstenção recorde.
Não
seria demais acrescentar na linha de preocupações com as eleições
seguintes a indisfarçável constatação do desprestígio em que
foram bater os partidos, nunca tão ausentes das decisões como
agora, porque por eles só decidem os caciques e os grupos
parlamentares. Está claro que, como organização de massas, como
bandeiras e condutores de programas, perderam a virilidade; são
eunucos na política brasileira. Detalhe não menos grave nesse
particular é que o próprio presidente da República não tem
legenda para ajudar no suporte do governo, e a oposição, sem
palanque, não sabe para que lado ir, embora saiba de onde quer sair.
O
acanhamento do calendário eleitoral começou por esvaziar as
convenções, que ficaram sem tempo hábil para se realizarem com
participação presencial dos filiados. Inovam com a votação pela
internet. Ora, se antes as reuniões de convencionais raramente
conseguiam refletir a real participação das bases, mais agora com a
distância da votação eletrônica.
A
pandemia, que já sepultou mais de 40.000 brasileiros, faria nascer
essa votação atípica, com o risco de o dever cívico se processar
em clima de desinteresse. As multidões continuarão preocupadas em
escapar do vírus, e isto é mais que suficiente para condenar as
urnas ao risco de se verem esvaziadas em meio às incertezas. Com
dezesseis ou vinte semanas para a escolha dos novos prefeitos, outro
fator que socorre as preocupações é a real medida dos sacrifícios
que a economia decretará em 2021; demais porque, com certeza, a
primeira dor há de ser o alto índice de desemprego, agravado em
ambiente de tensões e medo.
Note-se
ainda no painel de previsões menos auspiciosas que os novos
prefeitos ou os reeleitos vão conviver com fissuras dos conflitos
regionais, agravados nos desencontros do poder central com os
governadores. Mais é bem estranho: tal perspectiva não impede o
número recorde de candidatos, caminhantes voluntários para o
masoquismo em prefeituras que confessam estar empobrecidas e sem
antever soluções no futuro próximo. Situação parecida foi a que
levou Gladstone, em1878, a discursar em Edimburgo: ”É inútil
discutir gosto, mas a verdade é que só mesmo candidato de gosto
extravagante pode desejar suceder ao atual governo”...
.
. .
Além
das fronteiras. Outro breve olhar sobre possíveis paisagens que o
pós-pandemia haverá de operar pelo mundo afora, sem que para isso o
Brasil tenha direito de fazer ouvidos moucos, sugere mudanças
radicais na arte de interpretar reações contra a discriminação
racial. Desta vez, em linha inversa aos casos anteriores, porque
agora não foi apenas um policial estúpido que gerou protestos
isolados nos Estados Unidos. O mundo parou para exigir um basta nessa
infâmia, sem que escape o detalhe animador: sempre era branca a
maioria dos descontentes. Portanto, o defeito não e das gentes, mas
das leis e dos governos.
Por
que algo tem de mudar nesse triste capítulo da História
contemporânea? Pois, além da manifestação internacional, que
cassou dos americanos a exclusividade dos protestos, e onde
rapidamente são esquecidos os crimes e os criminosos, é preciso -
já que o mundo está mobilizado – voltar os olhos para o outro
lado do Atlântico, onde vivem os negros mais humilhados, culpa de
outros negros - os bem sucedidos -, ditadores sanguinários, com suas
contas de dólares bilionárias na Suíça, enriquecidas à sombra de
multidões miseráveis e famintas. É preciso olhar agora para a
África, porque é lá onde mais se discrimina.
O Brasil, cuja história se
envergonha de ter sido o penúltimo entre as nações escravagistas,
precisa trazer sua contribuição a esse debate. Se mais razões não
houvesse, deve lembra que os negros compõem a maioria de nossa
população.
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