quinta-feira, 18 de junho de 2020


Mudanças vão chegando


(( Wilson Cid hoje no ”Jornal do Brasil”))


Muitos estão certos de que, passada a pandemia, nada será como antes, e a vida amanhecerá pronta para submeter-se a muitas mudanças. Justificando a previsão, não falta um primeiro sinal, que parece estar ao alcance da vista - as eleições de outubro -, mas tudo indicando que acabarão empurradas para novembro ou dezembro. No campo político prenuncia-se essa novidade, antes mesmo das despedidas formais da peste, porque já é certa a alteração do calendário oficial do TSE, contrariando dispositivo constitucional; e sem garantia de bons resultados, pois a instalação das urnas coincidirá com a confusão das naturais agitações de fim de ano, e a população ainda atordoada com a grave crise na saúde. Tudo concorrendo para explicar um menor interesse pelas questões políticas. Nem está fora da possibilidade uma abstenção recorde.

Não seria demais acrescentar na linha de preocupações com as eleições seguintes a indisfarçável constatação do desprestígio em que foram bater os partidos, nunca tão ausentes das decisões como agora, porque por eles só decidem os caciques e os grupos parlamentares. Está claro que, como organização de massas, como bandeiras e condutores de programas, perderam a virilidade; são eunucos na política brasileira. Detalhe não menos grave nesse particular é que o próprio presidente da República não tem legenda para ajudar no suporte do governo, e a oposição, sem palanque, não sabe para que lado ir, embora saiba de onde quer sair.

O acanhamento do calendário eleitoral começou por esvaziar as convenções, que ficaram sem tempo hábil para se realizarem com participação presencial dos filiados. Inovam com a votação pela internet. Ora, se antes as reuniões de convencionais raramente conseguiam refletir a real participação das bases, mais agora com a distância da votação eletrônica.

A pandemia, que já sepultou mais de 40.000 brasileiros, faria nascer essa votação atípica, com o risco de o dever cívico se processar em clima de desinteresse. As multidões continuarão preocupadas em escapar do vírus, e isto é mais que suficiente para condenar as urnas ao risco de se verem esvaziadas em meio às incertezas. Com dezesseis ou vinte semanas para a escolha dos novos prefeitos, outro fator que socorre as preocupações é a real medida dos sacrifícios que a economia decretará em 2021; demais porque, com certeza, a primeira dor há de ser o alto índice de desemprego, agravado em ambiente de tensões e medo.

Note-se ainda no painel de previsões menos auspiciosas que os novos prefeitos ou os reeleitos vão conviver com fissuras dos conflitos regionais, agravados nos desencontros do poder central com os governadores. Mais é bem estranho: tal perspectiva não impede o número recorde de candidatos, caminhantes voluntários para o masoquismo em prefeituras que confessam estar empobrecidas e sem antever soluções no futuro próximo. Situação parecida foi a que levou Gladstone, em1878, a discursar em Edimburgo: ”É inútil discutir gosto, mas a verdade é que só mesmo candidato de gosto extravagante pode desejar suceder ao atual governo”...


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Além das fronteiras. Outro breve olhar sobre possíveis paisagens que o pós-pandemia haverá de operar pelo mundo afora, sem que para isso o Brasil tenha direito de fazer ouvidos moucos, sugere mudanças radicais na arte de interpretar reações contra a discriminação racial. Desta vez, em linha inversa aos casos anteriores, porque agora não foi apenas um policial estúpido que gerou protestos isolados nos Estados Unidos. O mundo parou para exigir um basta nessa infâmia, sem que escape o detalhe animador: sempre era branca a maioria dos descontentes. Portanto, o defeito não e das gentes, mas das leis e dos governos.

Por que algo tem de mudar nesse triste capítulo da História contemporânea? Pois, além da manifestação internacional, que cassou dos americanos a exclusividade dos protestos, e onde rapidamente são esquecidos os crimes e os criminosos, é preciso - já que o mundo está mobilizado – voltar os olhos para o outro lado do Atlântico, onde vivem os negros mais humilhados, culpa de outros negros - os bem sucedidos -, ditadores sanguinários, com suas contas de dólares bilionárias na Suíça, enriquecidas à sombra de multidões miseráveis e famintas. É preciso olhar agora para a África, porque é lá onde mais se discrimina.

O Brasil, cuja história se envergonha de ter sido o penúltimo entre as nações escravagistas, precisa trazer sua contribuição a esse debate. Se mais razões não houvesse, deve lembra que os negros compõem a maioria de nossa população.









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