Governabilidade
((
Wilson Cid hoje no “Jornal do Brasil”))
No
balanço dos acontecimentos políticos mais recentes, que continuam
se desenvolvendo sob um clima onde as primazias são medos e tensões,
as inseguranças não conseguem esconder, como fato concreto, a
evidência de que vamos caminhando, a passos largos, para a
ingovernabilidade. O que, a se efetivar, estaria condenando o país a
se tornar organismo doente e inviável. Devem ter sentido isso
algumas vozes responsáveis, sendo ou não oficialmente autorizadas,
mas que começaram a admitir e defender a necessidade de se
introduzir uma cunha de diálogo no vasto campo dos conflitos que se
instalaram e vêm prosperando no governo Bolsonaro e nos gabinetes
que com ele conflitam. Da mesma forma, opinadamente, esses bem
intencionados passaram a sentir que em eventual precipitação na
ingovernabilidade os três poderes – os três e não apenas um -
serão chamados a pagar um alto preço, em parcelas iguais e
intransferíveis, na grave crise decorrente. E com as instituições
arranhadas, claro. Quanto a isto, nunca é demais lembrar como foi
acidentado e custoso nosso caminho para a volta às franquias
democráticas, do que ainda não se aperceberam os manifestantes
radicais, raça de gente que pensa com o fígado e desopila com o
coração.
Ainda
que pela via de vozes isoladas, alguns ministros, parlamentes e
ex-presidentes confabulam, ostensivamente ou não, desejosos de
sugerir os caminhos em que os ânimos não se tornem mais
acidentados, além de onde já chegaram nos três ou quatro últimos
meses. Estaremos então à véspera de diálogo produtivo, ainda que
não seja possível a geral pacificação de todos os ressentimentos
que tomaram assento nos gabinetes dos três poderes? Essa expectativa
é a mesma entre os que têm identificado no presidente um
comportamento mais recatado, menos provocador, embora dele ainda se
deva esperar algo mais; por exemplo, desestimular as agressões dos
apoiadores, que passaram a odiar o Supremo Tribunal e a classe
política, sem enfocar pessoas, mas atirando sobre tudo e sobre
todos. Fato é que o presidente passou uma semana um pouco menos
agressivo. Para os primeiros sinais de atenuação teriam se
empenhado os amigos influentes? Seriam eles os mesmos generais de
quem algumas vezes já se cobrou essa tarefa?
Se
tal aconselhamento de fato se deu, nas rodadas de mesas escolhidas,
perde alguma expressão uma pesada ameaça que vinha se
desenvolvendo: lançar sobre os ombros das Forças Armadas
atribuições semelhantes ao poder moderador; até porque esse poder
é essencialmente do Congresso Nacional, onde, além de residirem os
propósitos políticos da nação, deputados e senadores são os
agentes adequados para intermediar convivência, pelo menos
respeitosa, entre o Executivo e o Judiciário. Sobre eles, sim, é
que sempre pesa a responsabilidade dessa missão. Ali estão os
representantes das diversas correntes do pensamento político, o que
basta para definir seu papel nos momentos por que estamos passando.
Não as Forças Armadas.
Para
o Legislativo devem correr, urgentemente, os esforços moderadores,
de sorte que os problemas não se agravem no processo eleitoral que
se avizinha. Justifica-se a urgência, pois toda eleição é
ingrediente fermentador de divergências. Neste particular, para
ampliar preocupações, tanto no processo como no seu desfecho, é
preciso considerar, como agravante, que nada tem sido mais sensível
que o clima de hostilidades criado entre o presidente e os
governadores de São Paulo e Rio de Janeiro, os dois maiores estados
da Federação; e nem se relevou que são exatamente os dois estados
em que mais sinistros são os números da comoção provocada pela
tragédia que vive a saúde dos brasileiros.
Os
problemas já seriam mais que suficientes para tirar o sono da
população. E, além dos espadachins nas retaliações entre o
Palácio do Planalto e alguns ministros do Supremo Tribunal Federal,
acenderam-se muitos holofotes voltados para amigos dos filhos do
presidente da República, acusados de estarem associados em ações
ilícitas. Já disse certa vez, e cabe lembrar, que os tropeços dos
governos, quando se deixam envolver por questões familiares, tendem
a piorar o que já andava muio ruim. Nos anos 50 penumbras domésticas
ensejaram a famosa “República do Galeão”, com desfecho de
sangue. O Brasil teve de pagar uma conta altíssima.
Nas
últimas horas surgiu uma luz tênue a indicar que os governantes têm
como dialogar. Já é alguma coisa para o tempo de trevas.
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