O
presidente e a imprensa
((
Wilson Cid hoje no “Jornal
do Brasil” ))
Soou como lenitivo
para os tormentos da imprensa a palavra do presidente do Tribunal
Superior Eleitoral, ministro Roberto Cardoso, ao acentuar que ela tem
o mérito de frear certa banalização que prospera nas redes
sociais, porque tem fontes e responsabilidades perfeitamente
visíveis. Dito isto, comecemos por lembrar que seria de todo
desejável a eliminação dos choques nas relações dos órgãos da
comunicação com a Presidência da República, o que tem gerado
clima de constrangimentos sem precedentes, agravado com agressões
físicas e verbais da parte de partidários destemperados do governo
contra trabalhadores de jornais e emissoras de televisão no
exercício profissional. O presidente, a quem se atribui média de
duas agressões diárias contra a imprensa, não tem feito por onde
arrefecer o ânimo dos mais truculentos defensores de seu governo.
Pois ele também opta por disparar hostilidades.
Desencontros como os
que se tem visto nunca deixaram de existir, o que até se explica com
alguma facilidade, porque governantes gostam de ler e ouvir boas
referências ao que fazem ou deixam de fazer, em contraste com um dos
deveres originais do jornalismo, que é reagir aos erros, aos
malfeitos e às violências; e denunciá-los. Se defeitos todos os
governos têm, para mais ou para menos, parece razoáveis as
diferenças, que sempre se agravam nas ditaduras e, antes delas, nos
projetos golpistas. Os ditadores aptam pela mordaça, ainda que não
escapem do julgamento da História, cedo ou tarde.
Os males precisam
ser expostos, e se a imprensa relaxa ou faz concessões no
cumprimento desse dever comete crime duplamente grave, ao admitir a
autocensura e não expor erros à sociedade, o que é uma ignomínia.
Mas há controvérsias. Adlai Stevenson, influente político
americano, dizia conhecer bem os jornalistas: ”eles separam o joio
do trigo, mas só publicam o joio”, afirmava, não com pouco
rancor. Adlai desconsiderava que se os males ganham mais espaço e
tempo nos jornais e na TV eis aí um bom sinal, que não pode ser
negado. Péssimo será o dia em que, de tão banais e frequentes que
forem os desastres, a corrupção, a inépcia e a violência que
deles os jornais não mais cuidarão.
Um bom governante,
cônscio das responsabilidades que lhe foram delegadas, sabe que a
crítica é sempre construtiva, ainda que algumas vezes comporte
desvios e injustiças; ou precipitações ao tratar indícios como se
fossem sintomas, os sintomas como fatos, o julgamento como
condenação. Pois defeitos e distorções indesejáveis não haverão
de decretar a pena de morte da crítica que os órgãos de
comunicação devem aplicam aos governos, se a merecerem. Pior que o
direito de formulá-la é a mordaça, é o silêncio.
Diferentes
interpretações sobre tal dever sempre houve, como o nefando DIP,
criação da era Vargas, com a dupla missão de abafar os contrários
e exaltar o ditador. E deixou herdeiros, como a deputada Ivete
Vargas, que apreciava condenar reportagens desagradáveis; pensava
como certos reis da Antiguidade, que mandavam matar os mensageiros
das más notícias… Nem Pedro II ousou tanto e retaliar
adversários, quando era vítima de caricaturas irreverentes, embora
fosse “figura sagrada e inviolável”.
O presidente
Bolsonaro, que já mandou repórter calar a boca, tem temperamento
propício ao agravamento desse clima hostil, quando, por exemplo, é
criticado ao desconsiderar regras e orientações de seu próprio
governo no combate ao coronavírus. Expõe-se, desabona condutas do
Ministério da Saúde; não gosta que lhe seja cobrado um sinal de
coerência. Com punhos crispados e palavrões, prefere jogar para uma
plateia de apoiadores, sem perceber que a popularidade, mesmo a mais
exaltada, é o monstro que muda facilmente de cara; aplaude hoje,
devora amanhã.
Há que se diga que,
da mesma forma como se tornam delicadas as relações dele com o
Judiciário, caminha-se para o risco de impasse insanável com a
imprensa; porque, se a tal ponto chegarem os conflitos, pode ser que
acabemos esbarrando em temeridade para as relações republicanas.
É dever de quem tem
poder e prestígio para tanto, conscientizá-lo de que a liberdade de
informação e opinião, substância da democracia, é prerrogativa
que já não autoriza revisão conceitual; é conquista da
Humanidade, antes de ser luxo dos poderes temporais e da hora. O que
foi lembrado em passado recente, quando os presidentes Lula e Dilma
vivenciavam conflitos com o jornalismo, e desejaram criar órgão
regulador da mídia. E, antes deles, muitos outros ignoram que
concordar ou discordar, como dizia Joaquim Nabuco, é desinteligência
essencial para se tornar “condição de utilidade”.
Independentemente,
pois, se os tempos mudam e prosperam, se avancem ou não na
democracia, a imprensa é a artezã da História. Por isso, Ledo foi
o jornalista da Independência, como Evaristo foi na Regência,
Patrocínio na Abolição e Quintino na República. Preceptores dos
que agora padecem no cumprimento do dever.
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