terça-feira, 30 de junho de 2020



Quem conspira?


(( Wilson Cid hoje no “Jornal do Brasil” ))


Não foram poucas as ocasiões em que, neste fim de semestre, levantaram-se vozes para sugerir, denunciar ou simplesmente insinuar a existência de planos capazes de arrastar o país a um clima de insegurança e, decorrentemente, tornar fácil precipitá-lo ao estado de exceção. Há quem estaria pensando nisso, tanto nas hostes do governo como nas da oposição; estas, dizendo-se mais preocupadas, invocam responsabilidade pessoal do presidente da República, intolerante e irritadiço frente às regras vigentes.

Suspeitas em mãos duplas. Da mesma forma como é acusado de estar levando o Brasil ao impasse, e disso extrair poderes ditatoriais, Bolsonaro insiste em creditar o plano aos opositores, encontradiços nos três poderes: num primeiro passo, construir dificuldades para o mínimo de governabilidade. Mas, venham de onde vierem, os que se revelam porta-vozes de tão grave preocupação têm dever de mostrar à nação onde estão e como prosperam os focos golpistas. De tal forma, que se dê às instituições e à sociedade organizada um norte, um rumo para combater a insídia, se é que ela não se fecundou totalmente; quando ainda é possível extrair o ovo da serpente com os bisturis da legalidade. Não denunciar o mal que estaria por vir é o mesmo que coonestar. Ou não é isso que a política tem ensinado ao longo da História?

Então, cabe perguntar aos que dizem saber das coisas: quem anda arquitetando essa nova ofensa à democracia? Quais os responsáveis? Em que covil estarão se escondendo os conspiradores, maus brasileiros devotados à causa do quanto pior, melhor? De quem, afinal, cobrar explicações, se preocupações desse tipo não podem ficar embutidas?, como se admissível fosse condenar o brasileiro ao destino de gado de corte, que só se dá conta da tragédia quando se vê no matadouro.

Questão a ser desanuviada é saber logo - na linha das suposições mais graves – se prospera das hostes governistas e do gabinete de Bolsonaro a ideia de se criar clima de artificialidades; antes de todos, saber do presidente, mais que dos colaboradores militares; porque se o ministério é hoje um colegiado de militares, aos quais em primeiro lugar se buscaria apoio para as derrubadas, suicídio político seria cobrar deles, mesmo que nesse governo, onde trocam-se ministros “antes e após as refeições”, nem faltariam ressurgentes para o papel de pacificadores nas guerras que eles próprios criam.

Quando se vive num país desassossegado, onde faltam razões que contribuam para descortinar horizontes, o que menos se deseja é a intranquilidade frente a rumores; desses rumores que são mais perigosos quando não há quem os desminta nem gente suficientemente credenciada e responsável para garantir que os riscos existem numa convulsão de laboratório, onde são elaboradas, num primeiro estágio, as dificuldades de convivência entre os poderes; dificuldades artificiais num primeiro estágio, e depois manobradas de acordo com conveniências.

Não seria a primeira vez que setores responsáveis (sic) estariam empenhados nesse estado de coisa. Gabinetes do entardecer do Império viveram casos desse tipo, quando a chegada da República já não era mais o temor fugaz, mas a realidade que batia à porta da Quinta da Boa Vista. Arquitetavam-se crises e conspirações artificiais com o fim de explicar medidas apressadas, quase sempre ilegais ou amorais. Na República um caso semelhante ficou conhecido como Plano (Bela) Cohen, que em 1937 simulava sublevação comuno-integralista, abortado, não sem antes inspirar os horrores que viriam depois com o Estado Novo. O general Mourão Filho, capitão na época, ficou com a pecha da paternidade dessa conspiração e autor do documento que tentava explicá-la. Certo dia, em conversa com políticos de Juiz de Fora (eu presente, assistindo), dizia ele que levaria para o túmulo a dor de uma culpa que não teve. Mas a versão ficou.

Episódio parecido, igualmente fracassado, estava reservado para 1959, no governo Juscelino. Pretendiam tradicionais conspiradores, com apoio ou com o silêncio de grupos ligados ao presidente, que uma crescente subversão ameaçava de tal forma a tranquilidade, que o estado de sítio fazia-se recomendável.

Hoje, como no passado, temores de agressão à Constituição só se desfazem quando se escancaram os autores, são arrancados de suas tocas e a tempo desmascarados. É o que se fez no passado, é o que precisamos fazer agora.



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