Além das intenções
((Wilson Cid, hoje no "Jornal do Brasil" ))
Quase em uníssono, como se fossem parte de um coro orquestrado, os pré-candidatos à Presidência da República elegeram três temas preferenciais para o discurso que pretendem levar aos eleitores: fome, inflação e desemprego; pois entendem que mais de 80% dos brasileiros padecem desses problemas, sendo vítimas, ou, ainda que poupados, preocupam-se com a paz social do país. São os assuntos que os absorvem, com superficiais pinceladas na educação, saúde e segurança, discussões não menos momentosas.
Uma campanha acelerada ainda tarda. Nem se sabe exatamente quantos desses pré conseguirão romper certas barreiras políticas que se insinuam inarredáveis. No entanto, o tempo mostra-se mais que suficiente para que avancem dos enunciados e se dediquem logo às explicitações e detalhamento das propostas. Como vencer a fome, conter a inflação e estimular o emprego nos breves quatro anos de mandato? Porque, não sendo assim, sem mostrar as soluções, os temas que os preocupam e que são de todos os brasileiros, acabam reduzidos a meras boas intenções; e destas, como se diz popularmente, o tinhoso já se enfadou… Quem se aventurar numa eleição como a que virá em outubro, tem obrigação de expor, com objetividade, os instrumentos que pensa dispor para solucionar graves desafios que terá pela frente. Não basta prometer o céu; é preciso mostrar como chegar lá.
Na verdade, não é bastante falar de uma nação faminta, desempregada e inflacionada, mas é preciso indicar os caminhos das pedras com que os candidatos pensam evitar o afogamento do país. O que vai interessar ao eleitor é conhecer e avaliar as soluções, porque da natureza dos problemas todos estão suficientemente informados.
O alto nível da campanha presidencial impõe, como dever dos postulantes, um discurso de objetividades. Nesse sentido, por exemplo, temos à vista, como componente desafiador para os rumos da economia, as sequelas que a pandemia vem espalhando sobre ela e em todas as camadas sociais. Uma novidade excitante a reclamar engenho e coragem de quem pretende subir a rampa.
Outro detalhe a considerar. Seria imprudência dos candidatos da oposição, quantos forem e de que partidos vierem, supor que é bastante xingar o presidente com quem pretendem disputar. Não têm direito de se limitarem a isso. Que tragam propostas inovadoras e responsáveis nas bulas dos remédios que consideram apropriados para as enfermidades do momento.
Urnas divergem
Visto está que não se restringem apenas aos políticos e partidos as expectativas pertinentes ao processo eleitoral de outubro. Porque, já há algum tempo alimentadas pelo presidente Bolsonaro, que as deseja auditáveis, também ganharam expressão as reflexões de, pelo menos, dois ministros do Supremo Tribunal. Depreende-se do discurso de Luís Barroso, que se despede da direção do TSE, e de quem chega hoje para substituí-lo, Édson Fachin. Durante a temporada em que dirigiu a corte, Barroso insistiu, com todas as garantias, que as urnas a serem utilizadas são invioláveis, mesmo que sujeitas ao bombardeio de intervenções criminosas, preservadas em trinta níveis de defesa, além dos recursos criptográficos. Não foi suficiente, contudo, para impedir que seu sucessor no cargo advertisse sobre o perigo da ação dos hackers, que, fartamente sabatinados pelos sistemas mais protegidos do mundo, mostraram que têm competência para interferir.
Então, restando pouco mais de sete meses para o pleito, que se concentra principalmente na sucessão presidencial, as dúvidas não se esvaziaram – na verdade progrediram -, o que, de certa forma, acaba estimulando Bolsonaro e os setores políticos que o prestigiam a insistir no voto auditável. Nem se leva em conta que a pretendida inovação sucumbiu ao passar pelo Congresso.
Se já sobravam indagações, na semana passada o general Fernando Azevedo destituiu-se da função de representante das Forças Armadas junto ao Tribunal Superior Eleitoral, o que ajudou a ampliar as nebulosas, porque a alegação de que se afasta para cuidar de enfermidade familiar pareceu insatisfatória. Algo mais deve ter caído no desagrado do general.
Os poderes que conflitam nessa matéria fariam bem se aparassem logo os desencontros, para a tranquilidade do país. Há tempo, porque a população ainda não desviou totalmente suas atenções para a eleição. Por hora, tem outras prioridades a preocupar.
O impeachment
O que teríamos a aprender em sete décadas de vigência da Lei 1.079, de abril de 1950, que definiu crimes de responsabilidade de quem exerce cargos ou funções maiores, a começar pelo presidente da República? Passado tanto tempo desde que Gaspar Dutra a sancionou, admite-se que há alguma coisa a ser aperfeiçoada, por força das experiências impostas pelo tempo.
Por certo foi que, pensando assim, o presidente do Senado criou comissão especial de trabalho para sugerir o que for conveniente aperfeiçoar ou alterar, sem que se destruam princípios básicos da jurisprudência. O grupo, presidido pelo ministro Ricardo Lewandowski, tem 180 dias para apresentar conclusões; e se compõe de pessoas de saber jurídico, via indicações dos tribunais, OAB e órgãos que podem contribuir. Excluiu-se a participação de agentes políticos, o que talvez permita que se tomem conclusões eminentemente técnicas no que se adotar.
Particularmente quando se trata de encaminhar pedido de impeachment do presidente da República o que a comissão deve desejar é eliminar ou minimizar a interferência de clamores e paixões, diferentemente do que se viu nos episódios Fernando Collor, que se antecipou, renunciando, e Dilma Rousseff, em cujos governos os acidentes administrativos certamente teriam sido relevados se ambos contassem com sólido apoio parlamentar. A interferência dos interesses políticos no momento grave afeta o julgamento, tal como já havíamos observado na destituição dos presidentes Café Filho e Carlos Luz, na década de 50, que nem direito de defesa tiveram. As tensões foram alegadas para que se adotasse tramitação ao toque de caixa.
Quando se trata de afastar o governante, os artigos 51, 52 e 85 da Constituição guardam suficiência para a preservação dos interesses maiores da sociedade, blindados frente a outros propósitos que não legais e justos. Os ilegais e injustos sempre correm paralelos, quando os casos são julgados pelo Congresso.
Hoje, são muitas, cerca de vinte, as propostas de impeachment do presidente Bolsonaro, mas com escassas possibilidades de avançarem, exatamente por se deixarem influenciar por intenções políticas, além dos pecados administrativos que se tenta imputar ao seu mandato.
A propósito, estando a comissão presidida pelo ministro Lewandowski, caberia lembrar que a Lei 1079 também cuida dos membros do Supremo Tribunal Federal. Estão sujeitos a julgamento pelo Senado, quando pecarem e incursionarem em atividades e interesses político-partidários. Está claro na Parte Terceira, Título 1 do texto legal: para aqueles ministros o Senado não é apenas tribunal de pronúncia, mas também de julgamento. Pode chamar os togados à fala, quando exorbitarem. Talvez seja hora
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