Fake-news fora e dentro da política
(( Wilson Cid, hoje, no "Jornal do Brasil" ))
Pouco menos de um ano para que se processem as eleições - majoritária e proporcional – os tribunais, em particular o TSE, não sabem exatamente o que fazer para impedir que a calamidade fake news comprometa a soberania do voto; o voto que, para ser efetivamente livre, tem que estar a salvo de influências deturpadoras. Debate-se muito isso, elaboram-se pareceres sobre os males que afetam a vida comum dos cidadãos, mas não se consegue abrir caminhos para adequadas conclusões; muito menos no campo político e para as eleições que estão por vir. Não é diferente o que se tem observado no Congresso. Os debates são numerosos, porém fracassam as tentativas de um ordenamento de ideias, algumas das vezes porque há dificuldade na eliminação do que é falso, frente ao direito de expressão. Eis um ponto crucial. O que se deve fazer?, quando, na verdade, a questão é o que se pode fazer, pois é tênue a linha que separa controle e censura.
Tarefa espinhosa é criar legislação que permita definir com nitidez informação correta e desinformação tendenciosa, porque, além de outros questionamentos, a diferença entre uma e outra também pode depender de quem as interprete, ao sabor da ótica de interesses. Uma notícia pode ser dada como fundada ou não, de acordo com a retórica. E isso tem complicado o pensar do legislador.
A falência da palavra ou sua distorção está evidente nestes dias que correm, com o terrorismo que tipifica a profunda a crise do diálogo na civilização, substituído pela barbárie da violência. Ora, se a palavra faliu num mundo cada dia mais descivilizado, estamos diante do primeiro passo para fake news. É assim toda vez que a paz sucumbe. Von Bismark espantava-se com o tamanho das notícias mentirosas durante as guerras; ou durante as eleições e depois das pescarias…
Se as eleições avançam no calendário, diante da impotência de as leis resguardarem o voto, naufragamos nas incertezas que o próprio Congresso reflete sobre matéria tão importante. Preocupação a mais é saber até que ponto o eleitorado poderá se blindar de mentiras e fantasias – fake news – que os partidos e candidatos vão lançar em suas plataformas. Conhecemos fake news mais danosas que as promessas de campanhas? Não conhecemos. E o que os congressistas pretendem fazer, em tempo, em nossa defesa? Não sabemos.
Ainda na eleição passada houve candidata à Presidência que, sem remorso, bem maquiada, prometeu extinguir a fome dos brasileiros dentro de um ano, substituída pela picanha suculenta. Fantástica capacidade de delirar. Mas nesse caso é preciso relevar, porque o eleitor também tem responsabilidade nas sandices e disparates que ouve, que saem dos palanques e entram pelos seus ouvidos. O presidente De Gaulle já advertia que promessa de campanha eleitoral só compromete quem acredita nela…Já se falou sobre isso aqui. É uma repetição, que parece sempre oportuna.
Faz sentido a preocupação com o discurso político, notadamente sobre o que vão dizer os futuros candidatos. Alguns deles já nos primeiros ensaios. Se não por outras razões, pelo menos pelo fato de devermos a fake news duas graves deturpações que influíram nas eleições. Falsas notícias desviando o curso dos acontecimentos, com influência direta no destino das urnas. Sabemos muito bem disso. Em 1930 rotulou-se como fato político-eleitoral na Paraíba o assassínio de João Pessoa, candidato a vice na chapa de Getúlio Vargas, quando, na verdade, ele foi morto por João Dantas, que se sentiu ultrajado na sua vida privada por um jornal de propriedade do presidente do Estado. Falso, mas suficiente para insuflar a Revolução, que iria romper com a Velha República. Outro caso de falsa notícia, em temporada eleitoral, foi quando um amigo e colaborador de Vargas, Hugo Borghi, propagou que o candidato da oposição e da UDN, brigadeiro Eduardo Gomes, havia dito que não fazia questão do voto de marmiteiros, referência ao operariado pobre. Coisa, claro, que ele jamais disse. Mas ajudou a derrotá-lo. E antes de tudo isso, em 1889, a primeira fake news entre nós – a notícia de que o Visconde de Ouro Preto havia mandado prender o marechal Deodoro - ia empurrando o país para uma grande crise.
Fenômenos siameses, vinculados por perigosa interdependência, a crise da palavra e a desinformação constituem grave acidente dos nossos tempos. As disputas por votos, que em breve estarão de novo acesas, são usinas de fake news, na medida em que as plataformas mentirem com velhos clichês de inautenticidades e promessas impossíveis de serem cumpridas. E, como se disse, não são alentadores os sinais de que podemos vencer esse vício com facilidade. O balanço das propostas correntes nas casas legislativas não sugere tranquilizar, mesmo que não faltem sinceros esforços. Portanto, os eleitores que se cuidem, porque parece que também agora o impossível não há.
Restrição ao trabalho
Não se sabe, ou, pelo menos, não foi objeto de divulgação, qualquer estudo da área econômica do governo sobre o impacto que as vendas via internet têm causado sobre o comércio tradicional. Valeria a pena, porque, ainda que milhões de brasileiros já se habituaram a efetuar suas compras eletronicamente, aquele é um segmento que emprega multidões de comerciários, paga impostos e atua direta e produtivamente no desenvolvimento das comunidades onde opera.
Tudo isso para justifica estranheza com a publicação de uma portaria do Ministério do Trabalho, que cria obstáculo para o funcionamento de lojas nos feriados e domingos, a não ser - e aí vai a insolência – que a autorização se faça com base não num painel de interesses da sociedade e de setores produtivos, mas apenas para um acerto com sindicatos. Maior estranheza ainda é quando se percebe que essas mesmas entidades estão empenhadas em restringir o campo de ocupação do trabalho, quando sua luta devia ser exatamente em sentido oposto. Essa portaria, que o ministro Luiz Marinho confessa ser objeto de uma particular atenção aos sindicatos, vai expulsar milhões de trabalhadores efetivos e temporários, se a Justiça não barrar o retrocesso. Talvez menos prejudicados sejam empresários e trabalhadores da área de alimentos; mesmo assim, os supermercados, que empregam 3 milhões, já manifestam apreensão com o presente natalino, que o ministro antecipa aos amigos.
Em qualquer parte do mundo em que se note prosperidade, o comércio em dias especiais e aos domingos é atividade permanente, atende a faixa da população impedida de comprar nos dias úteis, desde que integralmente respeitados os direitos de quem trabalha. É uma imposição das sociedades que evoluem. Queira ou não o corporativismo desses sindicatos, que preferem reagir ao tempo e aos costumes.
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