TOLERÂNCIA
O Dia da Intolerância é como se poderia
chamar o 29 de outubro de 1917 – há exatos 100 anos – quando ocorreu o mais
grave entre os conflitos político-religiosos da cidade. Foi a manhã em que
católicos e protestantes reeditaram aqui os conflitos então comuns na Europa.
Os bispos Tarboux e Soper acabavam de publicar artigos na imprensa local
ridicularizando os católicos por causa da confissão auricular, ao mesmo tempo em
que definiam as missas como “coisa de heresia”. Os padres reagiram, pregando
que “precisamos salvar a Igreja dos lobos protestantes”. O conflito saiu dos púlpitos e chegou às ruas,
com agressões. Anos antes, 1891, bispos
protestantes foram apedrejados, tiveram
de fugir para a Praça da Estação , protegidos por policiais, que também foram
apedrejados. Em 1894, para explicar o clima de permanente tensão, um pastor
teve sua casa invadida na Rua de Santo Antônio.
Em plena Primeira Guerra, que se alastrou
de 1914 a 1918, a Academia de Comércio foi apedrejada por nacionalistas
fanáticos, por saberem que naquele colégio a maioria dos padres era de origem
germânica. A Academia teve de suspender a circulação do “A Bússola”, jornal da
Congregação do Verbo Divino. O padre Leopoldo Pfad, superior-geral da
Congregação, foi obrigado a deixar o
vicariato, o que se explicou como “conveniência internacional”. Na Rua Halfeld,
a Confeitaria Viena, famosa pelas instalações e pelos serviços que oferecia,
foi forçada a mudar de nome e passou a ser Confeitaria Fluminense.
Quando veio a Segunda Guerra, em 1939, a
patriotice ainda não havia sido condenada a se tornar coisa do passado.
Novamente a Academia de Comércio foi alvo de violência, graças a um bando de
exaltados que haviam saído de um comício revanchista no Parque Halfeld. Os
alemães aqui residentes, que nada tinham a ver com a tragédia nazista, foram
muito hostilizados. Não faltaram
excessos: a Rua Itália foi rebatizada como Rua Oswaldo Aranha, a Berlim
virou Avenida Governador Valadares. A Casa D' Itália foi momentaneamente
confiscada pelas autoridades brasileiras. Na Rua Sampaio pedras eram atiradas
na casa do prefeito Raphael Cirigliano, e as hostilidades chegaram a tal ponto
que o Estado decidiu transferi-lo para São Lourenço.
Conta Roberto Dilly, do Instituto
Teuto-Brasileiro, historiador da colônia germânica, que o avô Felipe Dilly,
chegou a ser detido num bonde do bairro Fábrica, porque conversava com
alguém em alemão... Aos moradores da
Colônia São Pedro atribuía-se a fantasiosa suspeita de que ali se motava um
arsenal bélico “para a invasão da cidade no momento oportuno”, como publicou o
Diário Mercantil. As cervejas, que chegaram a 12 naquele bairro, tiveram de
mudar de rótulo. Nada em alemão. A Casa Surerus, que fabricava carroças, também
foi alto de agressões.
Mas as restrições às nossas cervejas vinham
de longe. Em 1891, quando se discutia a saída da capital de Ouro Preto, sendo
Juiz de Fora citada como possível substituta, vivíamos às turras com aquela
cidade, onde o padre Camilo Veloso convocava os jovens a “derramar seu sangue
no ódio a Juiz de Fora e não consumir
cervejas daquela gente”, mas aqui
os agressores não deixaram por menos: diziam que a velha Vila Rica era “um
dente com cárie imprestável”.
Na crônica das intolerâncias, num passado
ainda mais remoto, vamos ver publicada a Resolução 936, de junho de 1881,
determinando que qualquer pessoa da raça cigana não poderia permanecer mais que
24 horas na cidade, e quem comprasse de ciganos ou a quem a eles vendesse
pagava multa de 60 mil réis...
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