segunda-feira, 30 de dezembro de 2019

À espera do novo ano


(( Wilson Cid, hoje no "Jornal do Brasil"))


O último dia do ano, entrando e saindo do calendário com as mesmas cores dos que o antecederam, acaba carregando certa magia, a renovada esperança de que é possível que agora aconteçam coisas que, embora tão desejadas e possíveis, passaram à margem do tempo neste quase finado 2019. A despeito de qualquer ceticismo, a expectativa otimista invade as horas finais, que vão sobreviver desde as flores que chegam ao mar por iemanjá até os ritos das celebrações cristãs.

Boa parte dessa renovação de esperança insiste em ocupar lugar na política. O que faz sentido, porque é com ela e através dela que as sociedades organizadas podem criar instrumentos capazes de tornar a vida melhor e mais digna ou, se já existindo, que sejam aperfeiçoados no que couber. No caso brasileiro, vai se esgotando o primeiro ano do novo presidente da República e das casas legislativas; curtíssimo período em que seria impróprio cobrar dos Poderes constituídos encaminhamento ou soluções de todos os problemas há muito cristalizados. Mas, ressalve-se, tão breve experiência foi suficiente para mostrar aos agentes da política nacional que necessárias mudanças são possíveis, por maiores que sejam os obstáculos a enfrentar. É possível romper sem corromper, construir sem destruir, divergir ou adotar sem sacrificar princípios consagrados.

O 2020 que vem chegando é prenhe de desafios, no que, aliás, está ombreado com outros anos. Há sempre algo a mais a enfrentar, além de campanhas que merecem prioridade e persistência, como a extirpação, tanto quanto possível, dos crimes financeiros que servem para enriquecer as reduzidas castas privilegiadas, à custa do empobrecimento dos cada vez mais miseráveis. A cruel concentração de renda já atingiu o ápice da tolerância; e assim se tornou é porque se adotou que a distribuição mais justa seria transformar os ricos em pobres, o que é grave equívoco. As modernas sociedades que eliminaram ou estão eliminando desigualdades gritantes não criaram novas massas de pobres para se juntarem àquelas já existentes. Portanto, as lideranças políticas, muitas vezes temerosas por estarem demolindo as conquistas dos ricos, precisam entender que eles tranquilizam suas posses quando aos pobres for possível comprar mais, enriquecendo os que produzem.

Há nos parlamentos, sem que o Brasil possa se insinuar como exceção, poderosas bancadas representantes de grupos conservadores que reagem a certas iniciativas sociais; que, mesmos sem ofendê-las e comprometer interesses, adotam uma cultura hostil a reformas, temerosos de que a ascensão dos menores seria, inevitavelmente, um risco a escancarar diante dos maiores. A um passado não tão distante, tal raciocínio seria rapidamente fulminado sob a suspeita de se tratar de “coisa de comunista”. Hoje não se concede espaço para tamanho ridículo. Mas a quota de deputados e senadores que em fevereiro chegou a Brasília graças a generosidades de grupos prestaria bom serviço neste ano novo se conscientizasse seus patronos de que a melhor forma de a aristocracia sobreviver e se preservar é ceder um pouco nos temores que envolvem poderes.

O novo ano haveria de se realizar plenamente, no campo das iniciativas políticas, ajudando o Brasil a reduzir as graves diferenças que separam os segmentos sociais; se não extingui-las, pelo menos minimizá-las, de forma a não se perpetuarem tão injustas. Fica o desejo de que assim também pensem e esperem os que acolhem as reflexões que ocupam este espaço nas terças-feiras.

segunda-feira, 23 de dezembro de 2019

Esse dinheiro que elege


(Wilson Cid hoje, no "Jornal do  Brasil" )



Quando o Congresso Nacional aprovou, na terça-feira passada, a proposta de orçamento da União para o próximo exercício, ficou decidido que o país terá de despender pouco mais de R$ 2 bilhões para dar suporte às campanhas dos candidatos a prefeito e vereador, que estarão enfrentando as urnas no outubro seguinte. O apetite de candidatos, partidos e grupos interessados esperava presente mais generoso, mas acabou acordado em um valor que apenas repete o orçamento de 2018, quando convivemos com eleições bem caras, quase gerais. Percebeu-se, com clareza, que a eliminação de maiores avanços na oferta resultou da reação negativa da população; reação que se exteriorizou nos insistentes protestos que povoaram as redes sociais, além de os congressistas temerem o veto vertical que o presidente Bolsonaro havia prometido. Portanto, nada além dos dois bilhões.

Qualquer que seja o volume dessa generosidade com as campanhas eleitorais é inegável o disparate que representa o deslocamento de recursos do orçamento público, quando podiam estar endereçados às políticas sociais. Não há como justificar, em sã consciência, diante dos desafios por que passa a sociedade brasileira, tal expediente para abastecer um fundo de financiamento eleitoral. Bastaria considerar o momento de crise aguda de recursos para obras e serviços essenciais para gerar perplexidade.

Nesse recente episódio assistiu-se a dois discursos discrepantes: de um lado, porta-vozes do governo reclamando a necessidade de equilíbrio fiscal a qualquer custo; do outro, os políticos querendo desafogar os bolsos nas campanhas junto ao eleitorado. Seja como for, ninguém se deixa convencer de que o fundo público impede que apenas candidatos ricos ganhem viabilidade nas urnas. O argumento é frágil.

Mas a verdade é que as mesmas posições antagônicas haverão de servir para estimular o aprofundamento da discussão, a começar pelo fato de que as próximas eleições municipais vão servir de laboratório para uma possível reforma a orientar as que virão em 2022; estas seguramente mais amplas e mais importantes, quando entrará em cena a escolha do novo presidente e dos governadores. Neste passo, já parece razoável admitir a volta do financiamento empresarial, o que se efetivaria com base na tese de que dinheiro público (que certamente continuará escasso) não pode ser usado para patrocínios eleitorais. É o que certamente dirão os parlamentares, embora neste ano não tenham se curvado a essa realidade. Para ilustrar a tese, largamente contemplados, dariam seu aval ao retorno à prática anterior. Bastaria afirmar, ainda que com duvidosa sinceridade, que um fundo eleitoral, com dinheiro público, violenta os interesses da sociedade.


Fato inegável é que, em se tratando de caça aos votos, os dinheiros interessados sempre tiverem papel preponderante, e continuarão com sua robustez, estando sob o amparo da lei ou à revelia dela. Ninguém poderia afirmar, por exemplo, que nas eleições de 2018, apesar do financiamento público, não tenha ocorrido o tradicional caixa dois, alimentado por grandes grupos que se empenharam. Esse apoio financeiro, oficialmente omitido por ser ilegal, se não chegou a ter a desenvoltura que se viu nos anos anteriores, nem deixou dúvida da presença e da influência de setores que aguardam vantagens no processo. O dinheiro não contabilizado abasteceu e abastece muitas campanhas de deputados, governadores e senadores. Sempre foi assim.

terça-feira, 17 de dezembro de 2019

Saneando temores

( Wilson Cid, hoje, no "Jornal do Brasil")  


O chamado marco legal do saneamento, alterado durante passagem pela Câmara, e, portanto, de volta à original apreciação do Senado, vem tramitando sob a suspeita de que, aprovado e posto em prática, tornará o pobre brasileiro refém da iniciativa privada, quando esta for chamada a disputar, em licitação, a implantação de serviços absolutamente essenciais. Certamente esse temor faria sentido e cobraria atenção especial a partir do momento em que a administração pública não se precavesse em defesa da população, e se armasse de instrumentos que contivessem a voracidade de eventuais ganâncias. Tal como já se procede na remuneração aos distribuidores de energia elétrica, pode muito bem o governo estabelecer o controle de qualquer tarifa. Talvez já a partir de agora, com a matéria ainda distante da sanção presidencial, o Congresso, tão temeroso, deva se antecipar, estabelecendo regras para frear futuros abusos contra a economia popular.

Teme-se o excesso, sobretudo entre congressistas das bancadas de oposição, na aplicação de tarifas relativas à distribuição de água, quando o serviço estiver confiado às empresas, ao serem chamadas a realizar algumas das importantes tarefas que não conseguem encontrar disponibilidades no erário. Pois é exatamente no âmbito das iniciativas em tela, que maior parece ser o leque de garantias contra exorbitâncias, considerando-se que os contratados serão responsabilizados apenas pelo tratamento e distribuição, tal como já se admite nas empresas públicas que operam no setor. Ora, nem mesmo a estas a água pertence; ela é bem comum, sem proprietários, nasce para todos e não está à venda. Tal observação, que parece tão líquida como cristalina, é suficiente para dar aos estados e municípios recursos capazes de obstar a sede de grupos que pretendam aproveitar-se desse novo manancial, que em breve estará aberto. Querendo, o poder público terá suficientes forças para impedir que o povo seja explorado na prestação de serviços dos quais não pode prescindir.


O Brasil contabiliza doloroso deficit nos programas de saneamento básico, figurando aí entre os países mais modestos do mundo civilizado. Vê-se que entre nós a pobreza dos escassos dutos sanitários disputa primazia com a raridade dos canos de água potável; tudo em conluio com as grandes paisagens de misérias. Quando se sabe que esgotos correm a céu aberto, até mesmo em regiões periféricas das capitais (nem mesmo Brasília consegue escapar como exceção), é de se imaginar o cenário constrangedor que se abre pelo interior.

A implantação de serviços dessa natureza raramente anima governadores e prefeitos, porque os usuários logo esquecem de obras enterradas. Alguns, sem pudor, não se vexam ao explicar que dutos escondidos não dão voto, e por isso devem ser relegados. Ainda que saibam, ou deviam saber, que o dinheiro ali aplicado é o que oferece melhor retorno. Já ficou suficientemente demonstrado: um único real investido em projetos de saneamento básico resulta em cinco, que vão ser economizados na assistência à saúde das populações mais carentes.

Se o poder público não tem como assumir os grandes investimentos que se fazem necessários, recorra-se à iniciativa privada, garantindo-lhe justa remuneração, definida pela via licitatória, sem que se descuide de policiar e fazer prevalecer o interesse publico. Não haver de ser, sob a inspiração de temores gerados pela possibilidade de desvios, que o país continuará convivendo com atrasos que envergonham e infelicitam a sociedade brasileira.

quinta-feira, 12 de dezembro de 2019

Progressistas 


No campo da reorganização dos grupos de representação política em Juiz de Fora coube ao Progressistas fechar o ano, mesmo sabendo todos que muitas articulações ficam para o próximo ano, a começar em fevereiro. Aconteceu em reunião realizada na noite desta quarta-feira, no salão de convenções do Hotel Ritz, com uma particularidade que vale como destaque: quem organizou o encontro, reunindo cerca de 120 pessoas, foi o vereador Marlon Siqueira, que é do MDB; mas a destacada presença ficou com figuras da administração municipal. Presente também, especialmente saudado, o prefeito Antônio Almas, do PSDB. Os medebistas e tucanos já estavam juntos na eleição de 2016.

Em Juiz de Fora a comissão provisória é presidida por Altimar Grunewald, do quadro de servidores do Museu Mariano Procópio. Ele prometeu para o caminhar do novo partido um trabalho “forte e coeso”.

O cerimonial da noite de lançamento contou com pessoas ligadas à Administração.

O partido, que procura atuar numa linha centrista de direita, inspira-se nos objetivos pregados pela Fundação Milton Campos, e conta atualmente com 40 deputados federais (é a terceira força na Câmara) e tem 1.339.000 filiados em todo o Brasil.

terça-feira, 10 de dezembro de 2019

Pacto e burocracia


A correlação das forças partidárias no Congresso Nacional, no ano que já vai chegar, é questão ainda a depender de conjunções, como também de acertos com vista à eleição dos novos prefeitos; e, ainda, estará ao sabor de circunstâncias ditadas pela conduta política do governo; conduta que até agora tem sido fiel à imprevisibilidade. Para prever o campo daquelas forças, justificando dúvidas, faltaria igualmente a premência de tempo para a constituição do novo partido do presidente Bolsonaro, mesmo sem possibilidade de que se lhe negue a adesão por assinatura eletrônica (seria custoso admitir a recusa pela Justiça de tal avanço, porque, muito mais que a simples filiação, a biometria já identifica e serve ao eleitor).

Mesmo acusados de estarem relegados a mera ficção, quando sob a ótica da realidade programática e ideológica, ou muitas vezes apenas são foros de interesses ocasionais, os antigos e novos partidos não deixam de ter poder e expressão nas casas legislativas, porque em plenário e nas comissões temáticas representam, aritmeticamente, o decisivo poder de voto e veto; ali eles valem quanto pesam, como se ouvia na propaganda de velho sabonete… Isto posto, ainda ante inevitáveis limitações do ano eleitoral, e mesmo que não se saiba exatamente com que perfis se comporão as bancadas, é preciso que delas se cobre ânimo para cuidar das questões essenciais; essas que já tardam na vasta pauta de reformas estruturais que o país reclama. Não necessariamente na dependência de acordos com o governo. Com ele ou sem ele, eis a questão. Porque o Congresso tem várias responsabilidades que independem do aguardo de iniciativas oriundas do Executivo; ainda que, por fim e por último, a ele caiba o poder da sanção.

Se várias são as questões que poderiam ser citadas no campo fértil de desejadas iniciativas, duas certamente haverão de figurar entre as essenciais. A primeira, valorada pelo fato de pesar sobre deputados e senadores a representação de todas as unidades que compõem o país, trata de proposta consistente e objetiva para o reclamado pacto federativo; esse mesmo que, quando citado, tem sido adjetivado como algo novo. Não pode ser novo, porque nenhum outro o antecedeu verdadeiramente. Aquele que em boa hora vier será primeiro. O Brasil precisa deixar de ser aquele mapa que o presidente Tancredo gostava de traçar para definir sua Minas Gerais; isto é, o estado que fica no caminho entre a riqueza do sul e a miséria do norte. Somos diferentes demais entre nossas regiões. É como se fôssemos um país dentro de um outro com sorte e destino desiguais. Ou há senador e deputado que desconheçam isso? No próximo ano da legislatura caberia, portanto, o primeiro passo nesse sentido.

Sendo impossível precisar escala de prioridade entre os temas a merecer tratamento, convém lembrar que também continuamos na dependência de avançar, com mais coragem, na modernização dos equipamentos da burocracia, a começar pela remoção de entulhos e velharias que continuam transformando a máquina estatal em algo desnecessariamente complicado, o que, além de atrasar a vida da sociedade, constitui porta larga e generosa para a corrupção. Os excessos burocráticos são a mesa em que se banqueteiam negócios escusos. Vendem-se e compram-se favores e facilidades. Em apoio a essa preocupante constatação valeria lembrar que a grande caça que hoje se move contra corruptos ainda não cuidou de desmontar a estrutura criminosa com as quais operam. Ela continua de pé, e assim permanecerá, cimentada por concessões camufladas em gavetas que guardam os jeitinhos e as manobras acertadas às escondidas.

               ( Wilson Cid hoje no "Jornal do Brasil")

quarta-feira, 4 de dezembro de 2019

Continente em conflitos

Não seria novidade afirmar que a primeira responsabilidade do Brasil perante a política de relações na América Latina é desempenhar um papel mais saliente na Organização dos Estados Americanos. Tal sua importância, paralelamente à complexidade de muitos desafios que aportam, já havia assustado o presidente Itamar Franco, que ali representou o país durante alguns meses. Muitos endossam tal observação, para completar afirmando que a velha OEA talvez não tenha prosperado muito graças, em parte, à presença discreta dos últimos governos brasileiros. Provavelmente seria superestimar nossa capacidade de liderança continental, o que não invalida os que reclamam maior empenho na entidade, só ocasionalmente lembrada que tem sede em Washington.

A preocupação faz sentido, ainda que longe de ser inédita, porque nos onze meses desde que foi instalado, o atual governo não revelou disposição de focar maiores interesses diplomáticos junto a Organização, onde certamente há muito o que fazer. Avulta intensa e robusta pauta, no momento que está a merecer maiores atenções, porque, além dos conflitos intestinos que sacudem vários países, cabe aprofundar avaliações sobre detalhe de singular gravidade: os tumultos que nestas semanas têm sido registrados na América do Sul revelam certa sincronia orquestrada, como se as manifestações de rua fizessem parte de um único modelo internacional a ser desenvolvido independentemente das causas e dos objetivos que os inspiraram. Direita ou esquerda? Não importa, porque há primordial intenção de destruir, numa onda avassaladora, que nem poupa e preserva o sentimento religioso da nação, como se vê na depredação de igrejas no Chile.

Os acontecimentos geradores da violência que há meses se desenrola naquele país, como também na Bolívia, Venezuela e Argentina, recomendam, pelo menos sugerem, no âmbito das responsabilidades da Organização dos Estados Americanos, que sejam examinados como um produto de mesma origem, coordenados, nem sempre sob pretextos muito claros; ou – quem sabe? - tenham a motivá-los uma geração única acionada a distância; ou à distância de 6.400 quilômetros…

Pode ser que tal suspeita soe fantasiosa ou dependa de dados concretos capazes de justificar maiores preocupações. Mas cabe considerar que o cenário a que no momento se assiste nas vizinhanças acaba sendo um perfeito instrumento a povoar as tentações de regimes sempre prontos a se valerem de medidas excepcionais, em nome da ordem pública e da normalidade administrativa. Cabe identificar e separar as intenções, garantindo-se plenamente o direito de manifestação, que nas liberdades individuais e coletivas é o trigo saudável; o joio está na arquitetura dos tumultos que não pretendem soluções, mas apenas balançar as instituições.

O Brasil, a considerar o que externam as autoridades, não leva em conta que os problemas podem acabar precipitados para os nossos lados. Ou talvez, sem ignorá-los, o governo Bolsonaro prefira esvaziar as ameaças, fazendo de conta que elas não existem, embora vozes há que desejam ver o país na geografia tumultuária. Talvez. Mas essa tranquilidade, se de fato existe, não justifica fazer ouvidos moucos, porque os incêndios vizinhos sabem exportar labaredas, afora o inarredável compromisso brasileiro com a paz continental. Não há palco mais apropriado que a Organização dos Estados Americanos para expor tais preocupações, que vêm se revelando cada dia mais procedentes. 

(Wilson Cid hoje, terça-feira, no "Jornal do Brasil')  

terça-feira, 26 de novembro de 2019

Partido e reeleição 


Longe está de ser reduzido o número de observadores que consideram o novo partido do presidente da República como um primeiro passo no elenco do projeto que o levaria à reeleição em 2022. O segundo foi fato foi um papai-noel antecipado, com o trenó em que Lula deixou a prisão para robustecer o fenômeno da polarização, tão ao gosto de políticos do perfil bolsonarista. O presidente precisava muito disso, como no passado precisou Carlos Lacerda (estarão lembrado os cariocas veteranos), quando amor e ódio tornavam-se grandes eleitores. Bolsonaro necessita de Lula, para ter um nítido contrário na outra ponta da corda que estica o eleitorado em movimento único, sem intermediações. Ai de quem estiver no meio do caminho, porque a lei dos extremos é tiro ou queda. 

Outra análise a ocupar as pautas aludi ao partido em formatação, que nada releva de conteúdo ideológico ou doutrinário; fala vagamente na pátria sem a preocupação de propor ideias e remédios por ela reclamados. Esse projeto começa por substituir o indispensável “partido” por “aliança”, o que permite aprofunda a suspeita de algo improvisado, meramente circunstancial, como foi a Renovadora Nacional nos tempos da ditadura; será uma organização capaz de arregimentar simpatizantes, ao mesmo tempo que permite ao presidente desvencilhar-se do incômodo e de antigas cobranças do PSL. Eis a repetição do enredo: não são os partidos que se prestam ao poder dos homens, mas os homens que servem ao poder dos partidos.

Já se acentuava, com o fim da Velha República, certa vocação laboratorial em relação a organizações políticas. Quando estão a reclamar situações momentâneas, os dirigentes cuidam de juntar experiências frustradas, um projeto de poder e temperar o novo suco com acomodações. Como ainda em nossos dias, mistura-se tudo em almofarizes e tubos de ensaio; e das buretas nasce um partido, como agora oferecem os alquimistas do Planalto. Algo feito para gestação suficiente. No começo do século passado Joaquim Nabuco já havia percebido: “as massas vão do partido A ao partido B, que morrem e recomeçam sempre na mesma oscilação, num flutuar de esperanças sempre decepcionadas”.

O Brasil caminha para o 38º partido oficialmente constituído, sem que deles se possa cobrar consistência e alguma coincidência entre o que dizem em suas siglas e o que realmente produzem para a sociedade. Em sua grande maioria inspirados em contingências, como a novidade dessa aliança, cujo primeiro teste, na eleição de prefeitos no próximo ano, será a preliminar para a campanha de novo mandato presidencial.

Melhor fariam as lideranças, Bolsonaro à frente, se abrissem discussão sobre a experiência vivida pelo Brasil sob o instituto da reeleição, nunca acolhido pela unanimidade dos estudiosos da ciência política, além de autorizar a suspeita de que o segundo mandato presidencial – mera coincidência? - sempre é inferior ao primeiro. Não há negá-lo, a partir de evidências colhidas na segunda gestão de Fernando Henrique, depois com Lula e Dilma. O ditador Vargas, que retornou ao poder com o voto popular, teve desempenho tão acidentado na volta, que acabou por levá-lo ao suicídio. A continuidade, por mais tentadora que seja, é espinhosa e escorregadia. O principal argumento de que se valem defensores da reeleição, estribando-se no modelo dos Estados Unidos, é a administração não interrompida; diferentemente do primeiro mandato, este de quatro anos, dos quais apenas dois com real utilidade, pois no primeiro arruma-se a casa e no último, enfraquecido, espera-se a chegada do substituto. Pois nesse particular, o lastro da experiência, o Brasil não tem muito a oferecer. 

Ter partidos como peças degradáveis, fruto de maquinações do momento, e os mandatos elásticos são o bastante? Certamente que não. (Wilson Cid hoje no "Jornal do Brasil!") 

terça-feira, 19 de novembro de 2019

Constituinte fora de hora


Wilson Cid hoje no "Jornal do Brasil" 

Inebriado pelos louros que lhe subiram após a vitória da emenda que criou nova estrutura para o sistema previdenciário brasileiro, o presidente do Senado achou conveniente uma mexida geral no texto constitucional, não só para prender criminosos abatidos pela condenação em segunda instância, como também para rever aspectos da Carta que considera defasados. Não há como atribuir ao entusiasmo uma proposta com escassa capacidade de ajudar a sociedade a solucionar problemas que, como sabe o jovem senador, já estariam removidos com o que se herdou da Constituinte de 88; ou, mais simplesmente, no que coubesse, pela via larga da legislação ordinária. Nada que se possa creditar além do ímpeto comemorativo, mas longe de constituir novidade, porque as reformas constitucionais sempre foram tentação para muitos políticos e raros juristas, estes por saberem que retoques ocasionais sempre se revelaram insuficientes, quando não para ferir direitos coletivos. Advertiu Pierre Marie Duguit sobre “essa eterna quimera de procurar inserir na Constituição a perfeição que não temos”.

A prisão em segunda instância, sem que se espere pela última, é tema que excita, ao calor da revoada dos condenados que proliferavam na cadeia, carpindo os excessos navegantes no generoso mar da corrupção com que se contempla o Brasil. Precipitar o castigo, antes que morram as últimas esperanças, parece ganhar a simpatia popular, porque faria bem o Congresso dar fim aos avanços e retrocessos tão ao gosto do Supremo Tribunal Federal; cabível, portanto, um suficiente reparo por uma emenda ao Texto Maior; mas sem que se possa aproveitar a carruagem para a incursão geral sugerida. É possível que, vencido o natural entusiasmo da hora, o presidente Davi Alcolumbre conclua pela desnecessidade da cirurgia profunda de uma nova Constituinte, seja formada por representantes para ela especificamente eleitos ou – muito pior – se para tanto se credenciem deputados e senadores, que não foram eleitos para tamanha responsabilidade.

Sempre houve congressistas que cederam à tentação de admitir que a Lei Maior é uma espécie de panaceia, mesmo que a experiência insista em demonstrar o equívoco creditado às sete anteriores, homologadas ou promulgadas. Nem por isso se deram ao trabalho de aprender que o texto pode ser sintético ou analítico; o primeiro modelo certamente mais eficaz. Já havia anotado o jurista e ex-ministro Saulo Ramos que temos sucumbido ao erro de organizar um texto constitucional como se elaboram os estatutos de clube recreativo, cheios de miudezas, penduricalhos e extravagâncias. Contudo, todos aplaudem a enxutíssima constituição americana, mais ainda a inglesa, consuetudinária, na qual apenas 25% são escritos e o mais confiado à tradição.

Quanto menos retocada a Carta mais respeitada, sem aventuras políticas e jurisdicistas, e sem essa perigosa tentação de substituí-la totalmente à frente do primeiro impasse. Valeria não descuidar da advertência de quem promulgou a de 88, "alforria dos cidadãos", definindo-a como um caminho a ser percorrido com persistência, mas sem do arcabouço descuidar. Muito antes dele, sempre o respeitável Rui já havia traçado o perfil da Constituição ideal: “sensata, sólida, política nos seus próprios defeitos e compreensível nas suas contradições inevitáveis.” Sucessor de Ulysses Guimarães na presidência do Congresso Nacional, o senador Alcolumbre facilmente chegará à conclusão de que uma reforma geral e imediata é tudo de que precisamos para conturbar e ampliar inseguranças na convivência mínima do momento político, que já não são poucas.  

segunda-feira, 18 de novembro de 2019

PSB e PT juntos ?

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva discursou no Nordeste, domingo último. O primeiro discurso naquela região, depois que foi solto, após decisão do Supremo Tribunal Federal. Valendo-se de um festival de música no Recife, o presidente de honra do PT atacou novamente a Operação Lava Jato e o presidente Jair Bolsonaro. Aproveitou a oportunidade para se encontrar com o prefeito da cidade, Geraldo Júlio, e o deputado federal João Campos (filho do falecido Eduardo Campos), ambos pertencente ao PSB.

A eleição municipal de 2020 já entra nas conversas dos políticos, e Lula demonstra que tem pressa. E pretende manter o PSB como aliado dos petistas. Especula-se que ele vai morar no Nordeste, e pode ser em Pernambuco, seu estado natal, e governado pelo PSB. O Sudeste está muito influenciado pelo bolsonarismo, e São Paulo governado por João Dória; não é um bom lugar para Lula fazer moradia. Mais uma vez, a deputada federal Marília Arraes (PT) será convencida a deixar de ser candidata à prefeitura de Recife, pois Lula prefere que o PT apoie primo dela, o deputado João Campos. Com isso o PSB deverá recompensar em outro município importante, apoiando candidatura a prefeito do PT, e retirando uma candidatura própria. Pode ser que o deputado federal Júlio Delgado (PSB-MG) aliado dos socialistas pernambucanos, seja solicitado a fazer algum sacrifício em sua candidatura em Minas, uma vez que ele tem o controle do partido no estado. Talvez ele mesmo venha a declinar de sua pré-candidatura a prefeito de Belo Horizonte.

Em Juiz de Fora os dois partidos devem ter candidaturas próprias. O PSB tem candidatura praticamente consolidada, a do empresário da construção civil Wilson da Rezato, que há três anos está em campanha diária, desde sua primeira experiência em 2016, quando ficou em quarto lugar, e bem votado ('empate técnico' com o terceiro colocado) .O PT tem na deputada Margarida Salomão a possibilidade de, pela quarta vez, candidatar-se à prefeitura, mas caso o partido procure outra opção terá no deputado estadual Betão um combativo substituto. Diante disto é difícil imaginar a retirada da candidatura de Wilson da Rezato pelo PSB para apoiar candidato do P; e da mesma forma o contrário é verdadeiro. Talvez em eventual segundo turno os dois partidos caminhem juntos. Talvez, porque em se tratando de política tudo é possível.

sábado, 16 de novembro de 2019

Esta velha República

Neste 15 de novembro são comemorados os 130 anos da república brasileira, sem que faltem novos livros lançados para se reestudar nosso período republicano. Por definição a república significa o cuidado com o bem comum. Res publica, ensinaram as lições latinas do nosso ginásio; algo bem distante dos fatos atuais, quando alguns empresários e políticos brasileiros (ocupantes de cargos de relevo) são processados, condenados e presos, devido a condutas nada republicanas. Os corruptos e corruptores deixam-se guiar apenas pelos interesses egoístas.

A necessária reflexão sobre a data sugere a dissonância da realidade política nacional com os ideários proclamados pelos fundadores de república em 1889. Alguns historiadores, ao se debruçarem na leitura dos registros históricos desde o início do período republicano, certamente estarão acometidos de sentimento de desencanto.

Relembrando alguns fatos históricos marcantes no período que começou com o velho marechal Deodoro, que febril e confuso fez a Proclamação, é possível pontuar os seguintes:
  • O período Vargas na década de 1937, com a implantação do regime do Estado Novo;
  • A época do regime militar, quando se destacam a repressão política e o 'milagre econômico', na década de 1970;
  • A efervescente década de 1980, com a volta das eleições diretas para presidente e o processo constituinte;
  • A implantação do Plano Real, que proporcionou uma inflexão na condução da economia brasileira na década de 1990;
  • A vitória política da esquerda brasileira na eleição para Presidência da República na década de 2002.
Hoje vivenciamos a incerteza no momento político brasileiro, depois da eleição e posse de um político, que, por seus atos, demonstra vontade de marcar a república com iniciativas inusitadas. Pode representar uma nova fase da vida nacional, onde preponderariam os valores conservadores nos costumes e o liberalismo na economia.

quarta-feira, 13 de novembro de 2019


Proposta inoportuna 


O presidente do Senado, Davi Alcolumbre, considerou, na última terça-feira, a necessidade da instalação de uma nova Assembleia Nacional Constituinte para estabelecer, através do poder legislativo, as prisões daqueles condenados em segunda instância judicial. O presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, ao analisar a proposição, disse que iniciativas como esta geram insegurança no país.

A Constituição Federal em vigor desde outubro de 1988, portanto há mais de 30 anos, com emendas superiores a 100, tem sido objeto de controvérsias. O STF sempre é solicitado a se posicionar diante de temas controversos do cotidiano brasileiro. O mais recente foi a análise da jurisprudência existente desde 2016, que permitia a prisão de condenados em segunda instância. No penúltimo entendimento a corte, pelo placar de 6 x 5, havia considera devida a prisão de um condenado após a segunda instância do poder Judiciário confirmar a condenação. Agora, no último entendimento, pelo mesmo placar o STF, porém inverso, não autoriza a prisão, mas apenas após o trânsito em julgado.

Uma nova Assembleia Constituinte com o objetivo de se repensar o país poderá acontecer no futuro. Agora não se justifica o tema, embora mobilize a opinião pública. Há várias possibilidades no Legislativo de forma a agilizar o processo no poder Judiciário, para que se impeça o uso abusivo, pelos advogados, de expedientes protelatórios que evitam a condenação de seus clientes. Isso acarreta impunidade e enfurece a população ávida por justiça.

Precisa ser analisada a fundo a propositura de uma Constituinte pelo jovem presidente do Senado, oriundo do estado do Amapá. Seria apenas um arroubo de poder do senador Davi, após a promulgação da nova Previdência Social? Às vezes os políticos, inebriados por vitórias retumbantes, encorajam-se a propor novos desafios. Mas seu colega do partido Democratas, o deputado Rodrigo Maia, presidente da Câmara Federal, mais experiente, foi logo emitindo opinião contrária, evitando mais turbulências no ambiente político nacional. Ou seria o sr. Alcolumbre um porta-voz de políticos interessados em uma constituição mais restritiva de direitos?

terça-feira, 12 de novembro de 2019


A cara do inimigo 



A libertação do ex-presidente Lula foi o alvoroço da semana passada, como também o pioneiro instrumento para definir com clareza os papéis de oposicionistas e governistas nas duas eleições que se seguirão. A oposição devolve às ruas a bandeira lulista, depois de permanecer indefinida enquanto seu líder purgava condenação trancafiado em Curitiba. Parece ter ficado claro na veemência com que ele deixou a cela e investindo contra os adversários. É naturalmente o escalado para bater, sem resquício de tolerância, no governo Bolsonaro. 

Mas o episódio sugere revelar que o presidente também saiu contemplado. Se até agora os ensaios de contestação e descontentamento vinham das próprias entranhas do poder, em clima de convulsão intestina, aqueles 6x1 do Supremo Tribunal fizeram o favor de dar a Bolsonaro um adversário visível e autêntico, o que lhe permitirá proveito da polarização, fenômeno talvez já formatado para o cenário eleitoral de 2020. Foram duas as portas que se abriam para os dois.

De novo assistiremos àquela radicalização do ano passado, quando o antilulismo converteu-se em gigantesco cabo eleitoral da direita. Nesse novo tabuleiro do xadrez os eleitores estarão em xeque-mate para optar entre ser contra ou a favor, um espectro que rouba parte da identidade do cidadão e de seu voto.

Tal ocorrendo, os municípios serão chamados a oferecer sua cota de sacrifício. Envolvidos pela polarização das lideranças nacionais, os problemas do cotidiano das populações do interior cairão para segundo plano. Um prefeito se elegerá mais pelas simpatias ou antipatias em relação a Bolsonaro e a Lula, o que bastará para relegar a plano inferior propostas locais sobre saúde, educação e transporte. Nas urnas de 2020, ardendo paixões cristalizadas entre o presidente e seu desafeto, uma política de arcos e flechas, ódios derramados e o país sob a égide da intolerância, ao munícipe pouco espaço restará para cuidar dos temas que interessam à terra em que vive.
Seja qual for o destino mediato ou imediato do ex-presidente, que já partiu para o ataque, um fato consequente irrecusável é que Bolsonaro conheceu a cara do adversário, depois de passar parte de sua gestão convivendo com esse ineditismo: a oposição, diferentemente do que vivenciara em outros tempos, não se encarregara de uma contestação natural de grupos contrários. Estranho que pareça, até essa providencial libertação de Lula, estão nas próprias trincheiras os criadores de problemas para o Planalto; involuntários empenhados no esforço de corroer as entranhas do poder, a começar pelo papel desgastante desempenhado por parentes ou amigos de consoada; não os que deviam trazer pedras na mão, mas os que aplicam tapinhas nas costas. Peculiar, quase bizarra, a realidade a que se assiste através dos meios de comunicação: ataques, denúncias e suspeitas quase sempre nascendo e prosperando entre antigos correligionários de partido e ex-colaboradores, para não se falar das incursões da prole.

Note-se, então, que foram duas as portas libertadoras, por onde os dois acabam de passar. O ressurgimento de Lula é, nesse sentido, quase uma bênção para o adversário que pretende destruir.

Bom que os litigantes, conhecidos por cultivarem incontinência verbal, não deem asas ao catastrofismo nem estimulem correligionários a manifestações predatórias; mas cuidem de discutir, criticar, denunciar, sem que facilitem desordens, impasses e destruições. Diferentemente do que se tem visto em países asiáticos, na França, no Chile, no Iraque, como também na metrópole Hong Kong. Não custa considerar as lições que vêm de longe. (Wilson Cid hoje no “Jornal do Brasil”)

domingo, 10 de novembro de 2019


Bolsonaro x Lula



Não seria conveniente tirar conclusões apressadas das primeiras consequências da libertação do ex-presidente Lula, depois de 20 meses encarcerado em Curitiba; até porque ele ainda terá de enfrentar sete processos por crimes diversos. O que não impede de dizer que, estando solto, ele veio contribuir, polarizando a disputa pelo poder central, tudo para gerar radicalizações em série a partir de agora. Estão concordes os analistas políticos quanto a essa tomada de rumo e essa nova cor da política nos próximos meses: Lula em um extremo, Bolsonaro na outra ponta, medindo forças e ambos cuspindo fogos e marimbondos. O fato de estarem de acordos nos imediatos disparos contra a Rede Globo, apoiados por manifestações públicas, nada mais representa que uma breve coincidência. Aliás, essas manifestações têm primado, entre seus exageros, pela humilhação a que são submetidos nas ruas os repórteres e cinegrafistas, injustamente humilhados.

Mas, voltando ao cenário criado com a votação do 6x1 do Supremo, quando a corte decidiu acabar com a prisão de criminosos em segunda instância: essa apertada votação enfraqueceu o tribunal, deixando claro que o tema guarda enormes divergências. Decisão sem robustez e sem convencimento, reconhecem alguns juristas.

Outro aspecto, este de nosso interesse imediato, é que a polarização na política nacional tem tudo para comprometer a temática municipalista na eleição do novo prefeito já no ano seguinte. Valerá pouco saber se o candidato tem o melhor programa para os problemas da cidade, porque sua sorte dependerá de ser simpático a Bolsonaro ou a Lula. Estando os ânimos acirrados, as ruas tomadas por lulistas e bolsonaristas, as questões da população terão tudo para naufragar em segundo plano. Péssimo para nós.

A política em razões que ela própria desconhece. Veja-se o que aconteceu agora: Bolsonaro precisando urgentemente de um fato para beneficiar-se da polarização; algo ou alguém capaz de reeditar o 2018, quando o que mais pesou foi o voto contra, pois é exatamente nesta hora que surge par salvá-lo, um Lula espumante e esbravejador.


quarta-feira, 6 de novembro de 2019

Tempo de águas

Cidades que o descaso do serviço público vem transformando em mais líquidas que certas, mergulhadas em temporais com alto poder destrutivo, Rio e S.Paulo tornaram-se referência para se avaliar o que elas e outros grandes centros urbanos do país passam a sofrer nessas épocas do ano, que geralmente se situam entre novembro e abril. Importantes concentrações urbanas, nelas, quase sem exceções, não se realizam obras e serviços indispensáveis para impedir que as chuvas causem grandes estragos; a começar pelo maior deles, a tragédia das vidas humanas que se perdem. Observe-se o noticiário: em todas as regiões brasileiras grandes prejuízos por causa das águas que não escoam.

No Rio, para não ser preciso sair de casa, cita-se que são antigos os planos de contenção de encostas, todos referentes a lugares de maior risco, cuja execução independe de investimentos monstruosos. E, mesmo que assim fosse, poderiam ser realizados paulatinamente. Ora, desde os tempos de Pedro Ernesto a prefeitura sabe onde se situam as áreas perigosas e vulneráveis no tempo das águas.

Mas, ainda que fosse possível justificar a negligência ante o custo das obras, há que se considerar que boa parte dos estragos que o Rio enfrenta nos últimos meses é consequência da ausência de serviços comuns, como limpeza de córregos e bocas de lobo. Acumuladas toneladas de detritos, a água não tem como ser canalizada. Os resultados já conhecemos, e com eles muito sofremos, também em Juiz de Fora. Ora, serviço de limpeza não pode ser razão para as desculpas de prefeitos, que continuam emprestando ares de perplexidade aos desastres que as populações tem enfrentado.

Com as chuvas ou sem elas, temos sido condenados a coisas exóticas no Rio de Janeiro: na administração, um “bispo licenciado”, o que constitui singularidade em qualquer organização religiosa. E um prefeito fatalista, sem reconhecer, com humildade, ser ele próprio uma fatalidade. (Wilson Cid, hoje, no “Jornal do Brasil” )



Possível aliança

Segundo a imprensa paulistana, lideranças do PV, PDT, PSB e Rede avançam para costurar alianças em cerca de 120 cidades na eleição do ano que vem, com vista à escolha dos prefeitos. Certo que Juiz de Fora está na lista para tais negociações. Naturalmente a cabeça de chapa ficaria com o nome que nessa aliança se mostrasse mais competitivo. Segundo a mesma fonte, novas reuniões devem ocorrer ainda neste mês.
Em Juiz de Fora, a se viabilizar o entendimento, parece que o cabeça de chapa seria Wilson da Rezato (PSB). Possível vice, o vereador Zé Márcio (Partido Verde).

Emendas 

Raramente na política municipal uma liderança do Partido dos Trabalhadores admitiu razão para entender-se com os tucanos. A deputada Margarida Salomão encurtou as distâncias, foi estar com o prefeito Antônio Almas. E explicou em sua página eletrônica a reunião que tiveram, “somando esforços para que as emendas sejam totalmente executadas, para que o município não perca nenhum centavo”, declarou a deputada sobre emendas parlamentares anteriores, ainda não completamente executadas, além do anúncio das indicações de novas emendas ao orçamento de 2020”.
Ela destinou para o próximo ano R$ 5,4 milhões para a prefeitura, metade destinada à conclusão de duas obras de Unidades Básicas de Saúde que estão paralisadas em São Benedito e Jóquei Clube 1.

sábado, 2 de novembro de 2019


Aos Mortos



 A gente precisa dedicar um pouco mais de atenção aos parentes e amigos mortos, que não podem ser esquecidos, seja pelas virtudes que praticaram, seja pelos erros que construíram na sua efêmera peregrinação pelo mundo. Os bons merecem ser lembrados pelas obras e bens que semearam; os outros também, porque, afinal, mostraram maus exemplos a serem evitados. Há séculos também as Escrituras sustentam que os caídos não devem ser relegados, até porque eles apenas nos antecederam. O fim deles também será o fim de todos. Não é outra a verdade que alguém mandou gravar no frontispício de um campo santo do Maranhão: “nós, os ossos que aqui estamos pelos vossos esperamos”.

E digam que não. Há quem consiga escapar da última batalha, aquela que se travará contra a morte?. Lembrando isso, quase todas as religiões recomendam que sejamos modestos nas vaidades e prudentes na busca dos poderes terrenos, pois nada se leva daqui, como lembra o portal de um outro cemitério, este em Genebra, com grandes letras para ninguém esquecer: “Ici, l’légalité. Aqui, a igualdade. Todos no mesmo nível da miséria final.

Esquecer os mortos jamais, também porque com seus ossos se sepulta um pouco de cada sobrevivente retardatário, como definiria Felipe Casteline Roque: “Aqueles que passam por nós não partiram sós; deixaram um pouco deles; levaram um pouco de nós”. A propósito, certo dia, curioso, o deputado Ulysses Guimarães perguntou a um cacique tapuia o hábito de sua gente amarrar nas costas ossos dos antepassados, e ficou sabendo logo: “é porque os mortos nos governam”.

Padre Vieira disse, parece que numa pregação em Lisboa, que a virtude da morte é que ela amansa tudo, e perante ela todos são horizontalmente iguais. Melhor ainda o sermonista definiria depois. A nossa pobre vida humana vai do pó ao pó. Sobe o vento é o pó de pé, é a vida; cessa o vento, o pó deitado, é a morte. Um de seus grandes leitores, o ex-ministro Darcy Ribeiro também filosofou sobre os finados: se a carne volta à natureza cósmica, a grande coisa que está na vida é o nascimento da morte. Não há negá-lo.

Este Dia de Finados enseja pensar no inevitável crepúsculo das vitórias fugazes e o erro dos excessos que em nome delas se praticam. Em nada adianta acumular riquezas à custa de imensos sacrifícios. Tão bem disse um jornalista contemporâneo: a vida, na sua instantaneidade, é apenas uma centelha na noite densa do nada. A morte nos espreita em algum desvão do tempo. Caminhamos irremediavelmente ao encontro dela. Mesmo os que, pretextando falsa naturalidade no fatídico rompimento da existência, busquem coragem em Fernando Pessoa para dizer que a morte nada mais é que apenas a curva na estrada. “É só não ser visto mais” .

Seja como for, reverenciada a memória de tantas ausências queridas nesta quinta-feira, afastando maiores pessimismos sobre a duração da vida, fique a palavra final com o grande Guimarães Rosa: vale a pena morrer para a gente provar que viveu.

quarta-feira, 30 de outubro de 2019

Dois insepultos

Pelo que se lê e se ouve há dois cadáveres insepultos que assombram presidentes. Na semana passada veio a notícia de que o presidiário Marcos Valério, em delação premiada, acusou formalmente o ex-presidente Lula de ser o mandante do assassinato do ex-prefeito petista Celso Daniel.

Já nesta semana chega a informação de que um dos assassinos da vereadora carioca Mariele Franco (PSOL), no dia da morte dela e do motorista Anderson visitou o condomínio onde morava o presidente Jair Bolsonaro, no Rio; e teria dito ao porteiro que ia à casa do “Sr. Jair”. O porteiro, autorizado pelo interfone, franqueou a entrada. Mas o visitante acabou indo para outra casa vizinha encontrar-se com seu cúmplice no assassinato. Agora o Presidente Bolsonaro surge citado no caso.

Ou seja, os defuntos assassinados continuam assombrando dois líderes políticos populares nas vésperas do Dia de Finados.

terça-feira, 29 de outubro de 2019

Partido incomoda? 

Talvez esteja equivocado o presidente Jair Bolsonaro quando, em retaliação aos agravos que tem recebido, proclama-se suficientemente forte para independer de partidos, a começar pelo PSL, sob cujo manto abrigou-se para disputar o cargo em que hoje se encontra. Primeiro, tomando-se a constatação lógica, as ações do Executivo, quando dependentes do apoio parlamentar, teriam de ser negociadas com blocos ou mesmo na individualidade dos deputados e senadores, árdua tarefa por causa do tempo que isso demandaria, sem tempo para mais nada. O governo não teria como avançar se dependesse da caça aos votos pelo varejo. Depois, não menos real, os agentes, tratados isoladamente, tornam-se mais poderosos e exigentes, prontos para sugar todos os sangues que correm nas veias do poder. 

Não houve presidente, desses que posam em paredes e galerias oficiais, que tenha desdenhado dessas corporações, embora muitas vezes tenham estado prestes a fazê-lo, quando se esgotou a paciência e exauriam as fontes de atendimento às preensões impostas. Jânio Quadros impacientou-se logo, diante de um Congresso onde via gente despreparada e ociosa. Mas ele se foi e os partidos sobreviveram, para mostrar que sem eles um presidente não consegue viver.

O jeito, talvez alguém possa dizer a Bolsonaro, é tornar a convivência mais agradável ou menos acidentada, adotando a forma sempre eficaz de diluir o fôlego de um partido incômodo prestigiando, em doses cuidadosas, um concorrente com igual apetite de poder. Vê-se a solução administrada por Vargas, abraçando o trabalhista para respirar nos centros urbanos, e, ao mesmo tempo, alimentando o velho PSD, que ouvia e atendia as massas rurais, àquele tempo muito mais poderosas. Dividir o poder político dos partidos, facilitar as divergências entre os litigantes, enfraquecer postulações; mas sem dispensar partidos, ainda que com sacrifício gástrico na hora de engolir sapos e lagartos. Se a História aprecia repetir experiências, quem sabe o breviário da velha alquimia varguista faria bem a Bolsonaro neste momento ?

Ruim com eles, pior sem eles, pode-se dizer a respeito dos partidos, porque a violência de sua dissolução ou sua redução ao papel de meros assistentes sempre foi a antevéspera das ditaduras. O presidente pode estar incorrendo em desserviço à politica nacional quando anuncia disposição de tornar-se independente de qualquer. Porque reduz sua capacidade conviver republicanamente com o Congresso, e fulanizar o modelo de dialogar com poder Legislativo.

Quem analisa os ciclos temperamentais do presidente nos seus primeiros dez meses haverá de perceber o esgotamento de sua capacidade de desvencilhar-se, com paciência, de perguntas e situações incômodas. Com a peculiaridade de, não obstante, deixar-se atrair pelas ciladas. Não foi diferente o que se deu no recente e generalizado desprezo devotado aos partidos, além de confessar que em quase trinta anos de militância nunca precisou deles. Há certas coisas que o homem público tem todo direito de pensá-las, mas não dizê-las, sob pena de estar abrindo fossos perigosos na convivência democrática.

Revela-se cada dia de forma cristalina que o presidente se irrita facilmente com impasses de natureza política, e com facilidade espalha brasas ao vento. Assunto longe de lhe parecer agradável, ideal seria atribuir a outrem a missão de dar trato ao tema; um intérprete menos explosivo e com visão mais acuidosa sobre os desdobramentos da palavra; porque esta, depois de proferida, tanto constrói como destrói o que tem pela frente.

Raul Seixas 

Parte das publicações que estão marcando os 30 anos da morte de Raul Seixas, um dos mais influentes nomes da música popular brasileira, deve-se ao jornalista Jotabê Medeiros. Na sexta-feira ele estará lançando biografia do cantor e compositor: “Não Diga que a Canção Está Perdida”. 

Muito já se escreveu sobre Raul, mas certamente nem todos sabem que “no auge da Sociedade Alternativa ele ganhou um terreno em Juiz de Fora para fundar uma “anticidade”, como ele próprio dizia. A história é real, mas o compositor nunca levou a ideia a sério”, como informa o jornalista Bruno Mateus, de “O Tempo”.

Hospital 

Está em curso, entre deputados, uma campanha de mobilização, que pretende levar o governo do Estado a concluir as obras do Hospital Regional, iniciadas há 10 anos sempre com verbas negadas ou adiadas. Trata-se das obras físicas. Nem se fala sobre o que o governo gastaria para equipá-lo, o que autoriza acrescentar mais uma década de fracassos e expectativas.

Sobre esse projeto já se disse que se gastaria muito menos, com bons resultados, se o dinheiro do prédio e dos equipamentos do futuro fosse empregado na compra de leitos dos hospitais privados já em funcionamento em Juiz de Fora e na região. 


Fiscalização 

Interessante o clima das boas relações entre a fiscalização da prefeitura e os ambulantes. O serviço se restringir ao calçadão da Rua Halfeld, onde a fiscalização desliza com vagar, dando tempo para que os infratores recolham seus objetos. Sumindo os fiscais, o comércio volta ao normal… 

Numa fase em que é restrito o mercado de trabalho, e os ambulantes precisam sobreviver, admite-se certa tolerância. Mas deviam ser orientados para ocupar os espaços de forma a que os pedestres também tenham seus direitos respeitados.
Certos lugares, como a calçada da esquina de Rio Branco com Santa Rita, ao pedestre é destinado apenas um estreio corredor entre frutas, sombrinhas, barracas, óculos, isqueiros e talheres.