Crises em escala
((
Wilson Cid hoje no “Jornal do Brasil” ))
É
de se imaginar como anda a cabeça dos analistas políticos,
convocados, desde o fim de semana, ao exercício da imprevisibilidade
quanto ao epílogo do embate entre o presidente Bolsonaro e seu
ex-ministro Sérgio Moro. Não se sabe em que barrancos haverá de
esbarrar o conflito, a não ser a certeza de que ambos podem sair
arranhados; até porque, não bastassem as tensões de véspera,
entraram num bate-boca virtual, com abordagens nem sempre adequadas
ao interesse do país. E acresce certa dúvida quanto às cartas
comprometedoras que os combatentes teriam nas mangas, se o conflito
verbal prosperar, com final imprevisível.
Tudo
concorrendo para gerar insegurança nas análises sobre o que está
por vir nas próximas semanas, sem que faltem pessimistas surfando
ondas apocalíticas. Inseguros na formulação de previsões
consistentes, alguns comentaristas admitem que o quadro tende a
esperar desdobramentos, no Supremo Tribunal, onde o ministro Celso de
Mello está debruçado sobre as denúncias de Moro contra o
ex-chefe. São conhecias suas reservas quanto a certos comportamentos
do Executivo, mas ninguém garante que o decano da mais alta corte de
Justiça estaria disposto a pesar a mão e agravar os incêndios em
curso. Não vai estimular em demasia o desencanto mútuo entre dois
homens que assumiram graves responsabilidades ante a sociedade
brasileira, e agora digladiam.
As
tensões entraram nesta semana, sugerindo que é preciso cuidar logo
da governabilidade, preocupação a prosperar, sem prejuízo das
denúncias e das suspeitas que requerem apuração. Talvez tenham
pensado nisso os presidentes do Senado e da Câmara, que optaram pelo
silêncio ante o episódio, preferindo não entrar em cena, porque
nos momentos agudos calar costuma ser mais prudente que qualquer
eloquência. Por exemplo, e sem intenção de acolher ou recusar as
culpas do presidente, propor o impeachment num momento como este, já
com as febres e convulsões do coronavírus, é querer exigir demais
da resistência do país a novos abalos, fragilizado por agressões
anteriores. Nada mais imprudente que promover tempestade quando o mar
já se mostra revolto. Os militares, quando debruçados sobre lições
de tática e estratégia, sabem da inconveniência de deflagrar
muitas batalhas a um só tempo. Uma de cada vez. O capitão não pode
esquecer isso.
Permanece em aberto a crise
política, que é a terceira, antecedida pelo vírus e pelas
incertezas no campo da economia, estas parcialmente removidas ontem,
com a confirmação e o robustecimento do ministro Paulo Guedes no
cargo. Persiste o impasse, cujo epicentro está no presidente da
República, desde a acusação de tentar conhecer investigações da
Polícia Federal, talvez mais preocupado com a sorte de parentes e
amigos, coisa que não dissimulou em seu recente pronunciamento à
nação, quando até assumiu as dores da sogra e de um filho, este
talvez injustamente acusado de um romance que não houve. Queixou-se
de má vontade dos que têm o dever de protegê-lo. Seja como for,
aos presidentes a História sempre recomenda manter a família
distante dos negócios do poder. Maiores intimidades domésticas já
haviam levado Vargas à tragédia.
Em
relação a esse interesse que Bolsonaro manifestaria sobre os
arquivos da PF é indispensável que estejam apuradas, pelo STF, as
acusações formuladas pelo ex-ministro; e se o desejado
acompanhamento das investigações teria mesmo o propósito de
proteger antigos ou futuros aliados comprometidos. Com a ressalva de
que não se pode negar a ele o direito de estranhar a conclusão a
que chegaram polícia e justiça sobre o atentado que sofreu em
setembro de 2018, atribuído apenas a um maluco, apesar das
evidências da participação de outros implicados. Contudo, são
coisas distintas: o projeto de interferir na polícia e o desejo de
saber quem realmente desejou matá-lo no atentado em Juiz de Fora.
De
volta ao papel do presidente na evolução dos problemas e suas
responsabilidades, principalmente no momento presente seu dever
primeiro é pacificar os ânimos, desviar-se da tentação de abrir
novas frentes de luta e discórdia, e desestimular suspeitas que
possam gerar intranquilidade para a vida nacional, como as que até
ontem de manhã elegiam Paulo Guedes como a ”bola da vez”, numa
escala de outras perigosas mexidas no primeiro escalão. É da sua
competência esvaziar a pauta de apreensões. Bastam as inquietações
e os velórios do coronavírus; essa dolorosa tragédia que nem
sabemos quando será possível conter. Uma batalha de cada vez,
presidente.
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