terça-feira, 28 de março de 2023

 


Problemas em cascata



((Wilson Cid, hoje, no "Jornal do Brasil" )) 


O que mais produziu estranheza, no turbilhão de problemas políticos que se amontoaram na semana passado, foi a disposição do presidente Lula de cavar, com as próprias unhas, novas dificuldades para si e para o governo; questões que podiam permanecer na geladeira para tempos mais calmos. Não agora. Estranho porque, em ocasiões diversas, ele demostrou certa capacidade de intuir, saber contornar o contornável, evitando imprudências ou expressões chulas, palavreado de botequim, como aquele a que se   referiu num acerto de contas com o senador Sérgio Moro, que, no tempo de juiz no Paraná, mandou-o para a cadeia.

( Do jeito como coloca suas diferenças com o senador, Lula produziu um bumerangue, porque acabou se tornando, diante da opinião pública, o responsável pela vida de Moro. Qualquer coisa ruim que ocorreu com o senador lhe será debitado, pois cumpriu o que prometeu solenemente).

Nessa semana de tensões seguiu-se também a tentativa presidencial de desabonar a Polícia Federal e o Ministério Público, acusados de estarem a serviço de uma “armação“ do senador, quando, na verdade, trabalhavam, em conjunto, para apurar ameaças do crime organizado contra a vida de autoridades.

Por que em véspera de uma importante viagem ao Exterior, que acabou adiada, teria ele cedido ao ímpeto da metralhadora giratória de inoportunidades verbais? Pode ser que esteja apostando na aferição do poder popular da Presidência, mas fora de hora, num momento em que tudo recomenda evitar maiores riscos. Já está diante de poderosos desafios, como, por exemplo, as visíveis trombadas internas no ministério, o esfacelamento da base parlamentar e os estilhaços de divergências entre Senado e Câmara dos Deputados. E a viagem de volta de Bolsonaro, que tem tudo para intranquilizá-la. Para coroar, a ameaça de, em abril, mês do sacrifício de Tiradentes, a reforma tributária sair do cadafalso, devolvida ao Executivo esquartejada pelos pedaços de interesses setorizados. O governo precisaria de mais solavancos?

Pois se tudo isso não fosse bastante, ainda surgiu a tentativa derrotada de impedir a ida do ministro da Justiça ao Senado para explicar as relações dele e de outros escalões do governo com setores da marginalidade. O palácio precisa atentar para suspeitas de más relações. Vargas não atentou, em 1954. Quando foi ver, o crime organizado batia à porta de seu gabinete.

No breve lapso de uma semana, escancaradas diante da nação, as dificuldades permitiram, antes de tudo, perguntar por onde andam os assessores encarregados de aconselhar a Lula o que ele deve dizer; e, mais importante, recomendar quando deve silenciar. Porque a saúde do presidente, que se reflete sobre a saúde do país inteiro, recomenda não garimpar maiores problemas, além dos que são inevitáveis por natureza.

Joias que incomodam

Como se não faltassem questões maiores para tomar o tempo do governo e dos parlamentares, entrou em pauta o novelesco destino de joias e peças de arte, quando entregues ao presidente da República ou à primeira-dama. Caso mais recente, suscitou o que fazer com um colar de dona Michelle Bolsonaro, ofertado pelo governo da Arábia Saudita. Não é a primeira vez que o assunto provoca divergências; principalmente da parte de quem não concebe que os governantes levem para casa mais do que podiam levar, quando deixam o cargo. Ocorreu também com dona Dilma, de quem foi cobrada explicação sobre 144 itens de regalos no seu segundo castrado mandato. E na última despedida da presidência, por onde passou duas vezes, Lula teve suficientes cargas para encher alguns caminhões. Para que não se diga que há indisposição contra Bolsonaro, os dois ex estão sendo cobrados.

A dúvida: o que é do presidente, o que é da Presidência? Temos uma diferença não bem definida, geralmente confiada apenas à avaliação e às vaidades de cada um sobre o que, ao despedir-se, pode levar ou deixar para trás. Como as interpretações divergem, nem sendo necessário regular as doações em lei, bastaria um protocolo para definir melhor o destino das ofertas. 

Em rigor, o que se presenteia é à Presidência da República, sendo seu titular encarregado de receber e guardar. Exceção se faria para os casos em que o amigo ou visitante oferece, por exemplo, uma coleção de gravatas, de uso pessoal. A Presidência não sai por aí engravatada. Fora disso, o que chega ao palácio é para ali permanecer. Ou tomar parte num acervo público. Fernando Henrique foi zeloso nesse particular, enriquecendo a Fundação que leva seu nome com peças que chegaram às suas mãos nos dois mandatos que exerceu.

As generosidades do rei da Arábia servem para uma avaliação. Há anos, presenteou Lula com uma espada de ouro enriquecida com pedras preciosas, para o acervo da República; até porque não se concebe admitir que o presidente saia por aí dando espadadas contra os inimigos. No caso de dona Michelle, uma peça sem os símbolos da dinastia Saud, sem referência a valores nacionais e oficiais, parece que a ela devia pertencer.

Mas esse e todos os casos anteriores merecem melhores esclarecimentos. Para não resultar em ofensa e constrangimento aos povos e autoridades que presenteiam com gentilezas. Neste mês, com a discussão acalorada que se travou sobre devolução de presentes, o rei da Arábia tem toda razão de se sentir desprestigiado.

Nenhum comentário:

Postar um comentário