Impasse com os índios
(( Wilson Cid, hoje, no "Jornal do Brasil" ))
Uma consequência das radicalizações que se apossaram da vida nacional, e vêm contaminando todos os setores da sociedade, está na interminável discussão que se aquece em relação à demarcação das terras indígenas. Os radicais, sempre de plantão nessas horas, não toleram meios termos para o impasse que perdura. De fato, quanto aos povos originários, é assim: há os que querem tirá-los das florestas, e os que, em oposição, acham que já está de bom tamanho destinar a uma parcela de 0,2% da população os 14% que ocupa no território nacional, área bem maior que vários países europeus e americanos. Nem cessam as divergências – pelo contrário, ampliam-se - quando se sugere, como base para negociações, a fixação das tribos onde se encontravam no dia em que se deu a promulgação da Constituição de 88. Uma ideia, ainda que razoável, para se juntar a muitas outras fracassadas.
Fato é que o assunto escorrega e incomoda os caminhos dos três poderes, agora confiado ao plenário do Supremo Tribunal, onde o impasse já havia transitado, sem solução. À corte está de volta, com promessa de mais uma longa passagem, depois que o ministro Mendonça tomou o processo para vistas, ainda sem saber exatamente como votar. Incômodo também tem sido para o Congresso, onde ecoam apelos e distintos argumentos dos grandes produtores, querendo mais espaços para cultivar; e, no contraste, os ambientalistas, que proclamam as populações originárias como únicas capazes de preservar recursos naturais cada vez mais degradados. Nem são menores as dificuldades para o governo, amplamente conhecidas suas simpatias em relação às tribos, o que se patenteou com a criação de um ministério para defender as suas causas.
Nessa questão tudo se associa para dificultar, sobretudo por obra e graça de alguns apaixonados e delirantes. Parece que só se sentiriam satisfeitos se pudessem devolver ao mar os brancos de Cabral, usurpadores do que a natureza havia confiado aos naturais. Relegadas as paixões e os interesses camuflados, como situar-se frente a espaços de há muito ocupados pelos originários? Optar-se pela tese da posse imemorial, condenadas todas as raças que chegaram depois?
Por onde quer que se caminhe, qual seja a solução, com certeza sobrevirão os descontamentos. A menos que possamos chegar à paz, compreendendo que o Brasil é dos índios, mas é nosso também.
Novos planos sem Maduro
Os planos de uma América Latina unida e fortalecida, como todos a desejam, têm de voltar à estaca zero de onde pretendeu começar o presidente Lula. Não vingou a ideia de principiar pelo tapete vermelho estendido ao ditado da Venezuela, porque ficou evidente que, no recente encontro continental de estadistas em Brasília, muitos narizes se torceram diante da intenção do presidente brasileiro de reinserir Nicolas Maduro no concerto da comunidade latino-americana. A fórceps. Em particular, Chile e Uruguai, desconsiderados no protocolo, não dissimularam repúdio à especial reverência oficial a quem não é possível creditar um mínimo de respeito à democracia. Foi o suficiente para esvaziar os propósitos do salutar objetivo de estreitar relações continentais.
Mas o tropeço não mata a ideia, porque um projeto capaz de lançar luzes sobre a unidade latina tem tudo a ver; muito menos pelas proximidades de fronteiras, muito mais pelas identidades culturais, línguas quase irmãs, troca de riquezas, convergências históricas de lutas e conquistas, separadas apenas quando aqui foram diferentes as ambições portuguesas e espanholas.
Com o tempo, certamente cairá no esquecimento o infeliz enredo bolivariano que se encenou recentemente. E bom seria que, no pressuposto de que temos diplomatas altamente qualificados, muitos com experiência, creditados nas capitais próximas, a eles o presidente e o chanceler confiem a retomada da missão continental, por todos os títulos sempre oportuna.
O que fracassou, sem festa e banquete esvaziado, foi apenas o modelo inconvenientemente adotado. Em inciativa futura nem caberia excluir a Venezuela, que ainda guarda valores capazes resistir a um governo indiferente a princípios elementares da democracia. Os povos livres do continente, a começar pelo Brasil, podem e devem contribuir para que os direitos humanos amadureçam em Caracas; no bom sentido do verbo, que certamente não se conjuga no tempo do ditador da ocasião.
Sindicatos fora de hora
O tempo, como se tem dito, anda apenas morno nas relações do governo com setores empresariais que ainda resistem, desconfiados, frente à política econômica que se está propondo; e, por isso, de todo inoportuno levantar, agora, a proposta revisora da política sindical, assunto que, vindo à tona, pode ser mais um balde de água fervente. Contudo, é o que está sendo prometido para julho.
Vejamos que temas polêmicos que envolvem os poderes, como retocar as bases da convivência com os sindicatos, devem ser tratados com os cuidados de um critério escalonado, para que setores diretamente interessados tenham tempo e fôlego para debater e decidir, sem os excessos do calor.
Lidar com centrais sindicais, num momento como o que temos vivido, tem escassa chance de prosperar sem grande tumulto, principalmente se vingar a intenção de exumar velhas questões no campo das relações de trabalho. Há sugestões indicadas para compor iniciativa governamental, com todas as garantias de provocar divergências, como, por exemplo, a criação de certa agência com a responsabilidade de autorregular relações entre empregados e empregadores; e, ainda, limitar a duração de mandatos sindicais, como também a retomada de estudos sobre a extensão das bases territoriais na ação dos representantes. Temas longe de serem depreciados, mas, de forma alguma, podem passar sem o choque de divergências. E, convenhamos, em matéria de choques e divergências o Brasil já anda bem suprido.
( Cabe lembrar. Conhecida a nova Constituição, um ilustre membro do Tribunal Superior do Trabalho, Marcelo Pimentel, já insurgia contra essas chamadas bases territoriais.”Todos podem constituir livremente as associações que quiserem, mas os trabalhadores não; só podem ter um sindicato em cada espaço territorial. É semelhante a um feudo, forma astuta de governar autoritariamente”. )
Com a garantia de esquentar de vez, há quem recomende ao governo retirar da cova rasa e reanimar o imposto sindical compulsório, infâmia que com muito custo foi derrotado e sepultado, para a contrariedade de organizações que com ele viviam nababescamente. É o que faltaria para nossa coleção de esquisitices.
Não são poucos os que se preocupam, dentro e fora do governo, com a impetuosidade que marca o trato de questões sensíveis lançadas aos borbotões. Na política, como nas cirurgias mais delicadas, o que se recomenda é uma incisão de cada vez. Mas, no contraponto, há os que agem intencionalmente para acumular problemas a um só tempo. Acham que o presidente pode ganhar com isso, porque vai se desvencilhando das crises acumuladas. É um remédio sem garantia de sarar as doenças.
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