Prioridades em ordem
(( Wilson Cid, hoje, no "Jornal do Brasil" ))
No balanço semanal dos passos do governo não faltaram divergências, quando a questão posta em tela é a definição das prioridades do presidente neste segundo semestre, há pouco começado, mas já carregado de dúvidas sobre o que é preciso fazer de imediato, de modo a colocar nos devidos lugares os instrumentos que vão entrar com ele no ano eleitoral; ano que será seu primeiro teste popular nas urnas depois da posse. Não é para brincar, porque, se terá obras a mostrar, a oposição não menos municiada pelos desgastes do poder, que são muitos.
Uma questão para o presidente encaminhar, de viva voz, solenemente, sem deixar margens à insegurança, nasce nas insinuações socializantes, que têm assustado elites e os setores produtivos bem sucedidos, ali onde as falas presidenciais localizam alguns sentimentos nazistas. Para que se evitem expectativas perturbadoras, cabe a ele, não a ministros ou meros porta-vozes, definir os parâmetros da política social que pretende; até onde ela vai e qual a capacidade de ferir interesses em nome da prometida melhor distribuição das riquezas nacionais. Os adversários insistem em ver o Brasil caminhando célere para um meio socialismo, com as tonalidades e matizes bolivarianos que o presidente aprecia e elogia. Mas seria isso mesmo? Lula tem de esclarecer, sobretudo em vésperas de uma reforma tributária que não esconde a promessa de uma carga de cobranças inédita no país. Não são apenas os muito ricos e herdeiros de fortunas que se assustam, mas os produtores médios também.
Paralelamente, outra questão que pede espaço na agenda do governo é a definição de melhores critérios de convivência entre os ministros, vários deles, muitas vezes, assumindo atitudes que desafiam os colegas, passam por acima e avançam nas searas alheias. No mínimo, deselegância incompatível. Em certos casos, decide-se o que o ministro fica sabendo depois, à sua revelia, como se deu no episódio da escolha de Márcio Pochmann para a presidência do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. A ministra do Planejamento, que não o queria e nem avisada de que seria contrariada, ainda teve de engolir seco e fazer de conta que sabia…
Carece o governo de um critério para reger a atuação dos titulares do primeiro escalão, porque sem isso torna-se difícil remover o clima de confusão e desassossego, um quadro frágil para o ministério sobreviver ao tsunami postulante do Centrão.
De outro lado, ainda nas pendências do governo Lula, figura a urgência de outra questão em cuja essência a polêmica ajuda a perturbar, notadamente nos grandes centros. Trata-se de ações concretas para desarmar o crime organizado, não atingido pelo esforço do ministério da Justiça de tirar os revólveres da população. Causa urgente a ser tratada, porque os civis ficam desguarnecidos, em situação de absoluta desigualdade de defesa. Porque as grandes forças armadas marginais defendem-se, muitas vezes desafiadoras.
Não há quem, de bom senso, possa torcer pelo retumbante fracasso do governo Lula, porque, andando mal, seriam de todos as consequências. O castigo não seleciona vítimas. Todos seríamos caminhantes sob maus tempos. Mas cabe ao governo e a seus agentes darem os primeiros passos para a harmonia interna. A propósito, está confirmado para outubro o afastamento do presidente, por alguns dias, tempo para submeter-se a uma intervenção cirúrgica no fêmur. Não pode esperar mais, sob pena de as dores se tornarem insuportáveis. Toda vez que a saúde manda um presidente para o hospital, o afastamento se torna propício a reflexões mais demoradas, blindado pelo respeito devido aos enfermos, doído apenas pelas agulhadas, que ele talvez debite a enfermeiros bolsonaristas... Que aproveite a chance.
Palavreado
Há um conhecido ditado, algumas vezes atribuído aos irlandeses, enquanto outros o inscrevem na conta da milenar sabedoria chinesa. Mas, parta de onde tenha partido, não há negar que nada é tão ruim que não possa piorar. Vem a calhar, quando se pensava que os xingamentos permutados entre o ex-presidente Bolsonaro e seu sucessor já haviam chegado ao porão das normas mínimas que devem ser cobradas em divergências entre contrários. O achincalhe, ganhando mais espaço no tiroteio que ambos vêm travando antes, durante e após as eleições, acaba de ganhar foros de estrebaria. Adotaram linguagem jumental, para o espanto geral e vergonha dos brasileiros que vivem no Exterior, certamente cobrados e humilhados, mesmo que não tenham culpa pelas indecências que acontecem. E lembrar que - dias antes! - queixava-se neste espaço dos descuidos do presidente Lula com certas expressões equivocadas ou deselegantes. Pois o que era ruim acabou piorando, repetindo o velho brocardo.
Estranho, para se dizer pouco, é a ausência de pessoas das relações ou assessores, indispostos a levar advertência a esses dois senhores sobre essa indesejável conduta verbal que adotam, capazes de infelicitá-la cada vez que abrem a boca. O fato de terem se transformado em inimigos, mais que adversários, o que não foi e nem tem sido bom para a política, não quer dizer que devam ser eruditos, nem mesmo brilhantes, mas respeitosos; se não nas relações pessoais, pelo menos para o devido respeito à população.
Se Bolsonaro e Lula prosseguirem nessa toada, em certeira caminhada para o baixo calão, em breve, quando seus pronunciamentos pela TV evoluírem na imoralidade explicita, vai ser preciso tirar as crianças da sala. Palavreado inadequado para menores.
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