terça-feira, 22 de agosto de 2023

 


Ministério incompleto


((Wilson Cid, hoje, no "Jornal do Brasil" )


Ao completar o oitavo mês de governo, é possível que o presidente Lula não tenha como identificar qual o problema que, entre muitos, mais preocupa e compromete o sono; mas, confessando ou não, certo que verdadeiramente o atormenta é a visível insegurança do ministério, que padece da singular instabilidade de não estar completo, e, não obstante, submeter-se a constantes acenos de minirreforma. São mudanças que se antecipam a uma obra política por concluir. Pois incompleto, inseguro e permanentemente susceptível de novidades, o primeiro escalão teve parcela considerável no quadro das dificuldades do primeiro semestre e, sem cerimônia, estendidas para os meses seguintes, como é visível.

Começa pela particularidade de reformar algo incompleto. A explicação não comporta segredos, pois os grandes cargos do governo federal têm de estar à mostra e sob oferta de ocasião, porque sem o destino deles não há como consolidar negociações para os votos parlamentares. Sujeito a essa realidade, o presidente não tem alternativa. Talvez não durma bem, porque no dia seguinte tem de conversar com o poderoso Arthur Lira, regente da votação das matérias que estão ligadas à sorte do governo. Não se brinca com ele, porque, com a batuta para facilitar ou dificultar as coisas de sua orquestra fiel, sobrepõe-se um detalhe nem sempre percebido nesse representante alagoano: ele está sendo forçado a falar grosso e exigir muito, para mostrar a força do Legislativo, que vive o momento delicado em que Lula e o Supremo Tribunal Federal, dois poderes de tal forma aliados e bem entendidos, conseguem conter a expressão do parlamento. Lira é a voz do terceiro poder asfixiado, que precisa gritar.

( Para amenizar esse cenário tripartite defeituoso, o governo satisfaz as condições impostas pela Câmara. Paciência. E insinuar, como fez recentemente o ministro Haddad, que os problemas estão na insaciabilidade dos deputados. Ou xingar, como fazia Jânio Quadros, que via no Congresso um clube de ociosos, em permanente dissidência ideológica; e onde o próprio Lula, quando deputado, identificava ali a soleira de trezentos picaretas...)

Quando se aproximava o fim de semana as expectativas em Brasília indicavam que estaria próximo - questão de horas – o desfecho dos entendimentos com o Centrão para confiar novos cargos ao PP e ao Republicanos, o que acabou resultando impossível, por causa de uma expedição do presidente à África, o que de certa forma coincidiu interesses de Lula e Lira, ambos empenhados num jogo da perseverança e resistência. Jogo entre quem quer mais do que o outro pretende dar. Enquanto isso, a corda estica.

Os ministros da atualidade, salvo alguns completamente desajeitados, têm se esforçado para mostrar que planejam ou promovem, mas sob o espectro das composições parlamentares, sujeitos à degola. Como também há os que vivem regime de divisão de atribuições decretadas por simpatias pessoais, como o ministro das Relações Exteriores, confinado no gabinete, enquanto o presidente dá ao diplomata amigo Celso Amorim a missão de ir a Havana estreitar os laços com Cuba, e conversar com delegação de democratas americanos. Por que não atribuição ao discreto chanceler?

Em suma. O governo corre o risco de completar seu primeiro ano plantado num escalão inseguro, incompleto, permanentemente refém do painel luminoso onde aparecem os votos dos deputados. O que certamente não faz bem à saúde presidencial.

Reforma de ricos e pobres

A reforma tributária, cuja importância e urgência não há negar, terá um dia decisivo no 29 que se aproxima, quando todos os governadores serão chamados pelo Senado a se manifestarem sobre a matéria, cada qual com diferentes aspirações dos estados que representam. É sabido que, ao lado de muitas questões que os unem, há também velhas divergências, as mesmas que, hoje como sempre, separam as unidades ricas e as pobres. Se os entendimentos são diversos e detalhes que muito conflitam os estados com a União, caberá ao Congresso, a partir de então, trabalhar por um consenso, o que significa conseguir que cada lado faça alguma concessão: o governo federal contenha um pouco seu projeto de arrecadar muito e distribua melhor; e os governadores chamados a entender que o bolo tributário não pode desconhecer que alguns são mais pobres e outros mais ricos. Não é fácil, mas não se divisa outra solução, em nome de um mínimo de convivência – já não se diz de harmonia – no corpo federativo.

O presidente do Senado, autor da proposta dessa reunião de fim de mês, joga seu prestígio na argumentação, mas deve saber que nisso também vai testar a capacidade de sensibilizar o governo que lhe é simpático, e tentar conter um pouco as ânsias do Erário.

Interessante observar que não apenas nessa reforma, os desafios vão se acumulando para pôr à prova a Federação, que geralmente tem se comprazido em dar nome oficial à República, às estampas e aos brasões. E pouco mais que isso. Mas toda vez que se fala em medidas estruturais, qualquer reforma, as bases da vida nacional haverão de reclamar o sentimento federativo. Já se falou muito nisso, assunto calejado, mas nunca o suficiente para preocupar os poderes. Não diferentemente agora, quando entra em pauta a revisão das bases de cobrança e distribuição das rendas.

Mexeu no bolso, fica difícil falar em patriotismo.

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