terça-feira, 3 de outubro de 2023

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A escalada dos conflitos


(Wilson Cid hoje no Jornal do Brasil)

Pode ser que as coisas acabem evoluindo para onde não se deseja que cheguem. Porque o campo infestado de divergências entre poderes ainda é tolerável quando se limita a dois; mas não quando atinge os três. O risco está em que os conflitos de competência entre Legislativo e Supremo Tribunal Federal respinguem no Executivo; este, por mais que tente evitar, de forma alguma estará a salvo na guerra que se trava entre togas e mandatos parlamentares. Para autorizar tais temores, observa-se, em paralelo, a dificuldade residual gerada por um Parlamento conservador em sua maioria, ao lado de um Judiciário que, rompendo com as tradições da mais alta corte, agora revela-se mais sensível aos pleitos de setores chamados progressistas.

Por mais que alguém não goste do convalescente presidente da República, seria cruel demais torcer para vê-lo tragado nesse redemoinho. Ele e seu governo têm a perder muito, a começar na ampliação de dificuldades para a tramitação das mensagens submetidas ao Congresso. O sinal evidenciou-se logo, quando deputados e senadores se desvestiram de representação partidária, e agora se organizam em bancada de resistência e obstrução; nisso empenhados evangélicos, os votos simpáticos à legislação da bala e os porta-vozes do agro. O Executivo sujeito ao fogo cruzado que se acende nos palácios vizinhos. Por que não preocupar?.

Tornando mais aguda a ameaça de crise ampliada, surgem certas ideias, que, não sendo de todo ruins, são lembradas no momento inadequado, pois convocam pessoas, entidades e instituições a acentuar diferenças éticas, morais e religiosas. É o caso da proposta de realização de plebiscito sobre a prática do aborto, tema que pesquisas anteriores já revelaram a contrariedade da maioria dos brasileiros. Não custa lembrar que pedir a manifestação popular sobre questões sensíveis costuma ser a fuga proposital dos congressistas, quando não se sentem à vontade para decidir e temem desagradar a fiéis ou ateus. Outras vezes, e aqui está outro risco, a consulta cumpre o indesejável papel de permitir pressões sobre setores não suficientemente informados, mas facilmente manipulados por organizações comunitárias ou pela fartura das ONGs que temos no Brasil.

(No Dicionário Político da Editora UNB, página 927, Gladio Gemma lembra que isso pode ser instrumentalmente utilizado “por correntes autoritárias ou totalitárias para legitimar o seu poder autocrático”. Verdade que, na crista de uma onda do sentimento popular, o plebiscito pode opacar o verdadeiro sentimento que procura descobrir, sem embargo de ser poderoso veículo da prática direta a da democracia).

Membros do Supremo Tribunal não dizem formalmente, mas deixam claro. O que tem movido suas frequentes incursões no campo das tarefas do Congresso Nacional é que se veem instados a fazer o que os parlamentares não fazem ou demoram fazer. Em casos mais recentes, a medição de forças entre os dois poderes se acentuou com a marcação de espaços para as populações indígenas, legislação sobre porte e uso de drogas, aborto consentido para gestações de até doze semanas, além do desenterramento do velho imposto sindical, em nova embalagem. Nenhuma outra pauta teria sido tão eficiente para colocar juízes e deputados frente a temas selecionados entre os mais polêmicos.

Há dois aspectos a considerar, ambos em socorro do Congresso. Primeiro é que está nas casas legislativas a legítima representação política do povo brasileiro; e, por sua delegação, cabe a elas elaborar as leis. Em segundo lugar, leve-se em conta que na Câmara Federal são 513 e 81 no Senado que assumem tal responsabilidade, o que bem difere dos poucos 11 votos dos ministros, não raras vezes decidindo monocraticamente. E, no Congresso, sempre mais moroso, os projetos submetem-se a pareceres e longa apreciação nas comissões técnicas antes de se transformarem em leis, um rito que inexiste no STF. Portanto, na Praça dos Três Poderes os relógios realmente batem em tempos diferentes.

Para permanecer ou aprofundar esse perigoso roteiro de desencontros basta que os litigantes desconsiderem os prejuízos que ameaçam a nação. Mas trabalhar para arrefecer os ânimos, o que inclui adiar novos desafios, como a PEC de autoria do deputado Domingos Sávio, que dá ao Congresso direito e competência para derrubar qualquer decisão do STF, talvez, em alguns casos, até pela via de simples decreto legislativo. Nem se discute o mérito da propositura, mas a inoportunidade é evidente sob o calor das tensões do momento.

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