Tempo de terrorismo
((Wilson Cid, hoje, no "Jornal do Brasil" ))
Seria demais, até incompreensível, pretender, diante da ligeira passagem do Brasil pela presidência do Conselho de Segurança das Nações Unidas, que, por iniciativa nossa, fosse possível gerar o desarmamento de Israel e Hamas, que estão em guerra. Sobrepõem-se duas razões para que não nos seja cobrada tal façanha, reconhecida a limitação de nosso prestígio no cenário dos maiorais. A primeira é que naquele centro de decisões as primeiras e últimas palavras quem dá são as cinco nações mais poderosas – Estados Unidos, Rússia, China, França e Inglaterra. E, se nunca desistimos de sonhar com uma cadeira permanente no Conselho, devemos saber que, antes de nós, o espaço caberá à Índia. Somos ali, portanto, presença respeitada, mas pouco mais que simbólica e passageira; tanto que em duas semanas de esforços e boa vontade, não logramos elaborar um documento incisivo para que cessem as hostilidades no Oriente, nem que fosse apenas em nome de um corredor humanitário seguro, por onde escapassem estrangeiros e civis locais.
A segunda razão, que também pesa, é que carecemos de expressão para influir em negociações pacificadoras no conflito, porque o governo brasileiro tem manifesta simpatia pelo Hamas, isentando-o da pecha universal do terrorismo, sob alegação de que só a ONU poderia defini-lo como tal. Cabe lembrar que a dificuldade de interlocução não teria sido menor na gestão do presidente Bolsonaro, que foi ardente admirador de Israel. Missões intermediadoras, portanto, escapam de nossa alçada.
Nada impede, contudo, que o país desempenhe papel mais saliente na busca de paz e tolerância naquela região, a começar pelo fato de que temos histórico reconhecimento da autonomia de Israel e Palestina como estados legítimos. Sempre lembrado o desempenho brasileiro, em 1947, para a partilha que produziu os dois espaços hoje e sempre mergulhados em sangue.
A responsabilidade histórica para que os judeus retornassem a um lar, mesmo que disso sempre resultassem guerras intermináveis, e sob risco permanente, como agora, de alastrar-se pelo Oriente, é mais que suficiente para não permitir ao Brasil distanciar-se das preocupações que hoje tomam conta do mundo inteiro.
Mas como fazer algo, se são insuficientes nossas forças para conter beligerâncias? O caminho, inspirado na índole nacional, é contribuir para que se tornem entes total e diametralmente opostos o estado Palestino e o terrorismo. Muito diferentes. Começar por separar o joio do trigo, antigo ideal que guarda a lição bíblica do capítulo 13 de Mateus; lição indistintamente reconhecida nas culturas árabe e judaica. Pode parecer tarefa de difícil alcance, mas talvez nem tanto, porque há evidências de que a incursão do braço terrorista, seja na Faixa de Gasa, no sul do Líbano ou na Cisjordânia, não conta com significativa parcela dos cidadãos comuns, cujo anseio é a mesma paz que move o espírito de qualquer povo. Os palestinos comuns, que trabalham e cuidam de suas famílias, sonham com isso, merecem isso. Só se fossem alucinados para admitir o terror e a prática da violência como instrumento de vida.
(É estranho que parcelas da esquerda, tanto a local como a estrangeira, manifestem apoio ao braço armado do Hamas, sem tomar em devida conta que leva a nada a adoção da violência, como a que se viu no ataque de surpresa a uma boate, com morte e sequestros de jovens, desencadeando a atual crise. Estranho porque esquecem o ídolo Che Guevara, para quem, em aula sobre guerrilha, garantiu que “o terrorismo é uma arma negativa, que não produz em nenhum caso os efeitos desejados, podendo até induzir o povo a uma atitude contrária a determinado movimento revolucionário”).
O terrorismo, venha de onde vier, de árabes ou judeus, será sempre uma forma de ditadura.
Quando, a partir da década de 70, o Brasil começou a ensaiar ações de violência urbana, Carlos Drummond de Andrade dizia, neste JB, que o terrorismo transforma a pessoa num maniqueu cego; cego “porque ao mal dá o nome de bem, e ao bem dá o nome de mal. A consequência é o terror íntimo que se desdobra no terror externo. O projeto do terrorista é demolir o estabelecimento cheio de erros para instituir outro estabelecimento que seja o erro total, que é a utopia com alicerce no ódio e no sangue. De preferência o sangue dos inocentes”.
Meio século depois, mudou quase nada.
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