Sem transparência
(( Wilson Cid, hoje, no "Jornal do Brasil" ))
Na fase em que uma das questões mais importantes no Congresso é a votação da lei de meios para o exercício seguinte, naturalmente surgem questões complicadoras. Entre elas, sobretudo inconveniente, deformadora, é o fantasma do orçamento secreto, já condenado pelo Supremo Tribunal Federal, que o definiu como peça inconstitucional; mas logo, ardilosamente, substituído pelo que se passou chamar de emendas de comissões. Os parlamentares podem distribuir o que desejarem, sem se submeterem à necessária transparência; isto é, explicar o destino de suas gentilezas.
Faltassem outras razões, coube àquela corte, como antes coubera à consciência dos cidadãos de bem, restou o evidente escândalo da total ausência de lucidez, quando se deve ter, como princípio e meta, que a clareza é fundamental ao se cuidar do dinheiro dos impostos que a população paga, não sem grandes sacrifícios. Nesse sentido, as normas transparentes deixam de ser mera gentileza de bons administradores e agentes políticos. Contrastam com esse princípio moralizante as emendas de comissões, expediente que continua burlando decisão do Supremo.
O que, vale dizer, o parlamentar, pela voz e decisão da comissão a que empresta seu concurso, manda o Executivo, por ofício, pagar a quem deseja beneficiar com suas emendas. Se necessário, para tanto, que aperte o caixa dos ministérios e comprometa obras e serviços. Para quem foi? Para que foi? No frigir dos ovos, todos a salvo do incômodo de explicações.
Ao governo não há como reagir, refém de alianças que teve de celebrar no Congresso, para garantir apoio e um mínimo de votos.
Tratando-se de ano eleitoral, quando as emendas serão distribuídas, melhor ainda para quem não se sente na obrigação de dar maiores satisfações sobre o paradeiro dos R$ 50 bilhões gulosamente pretendidos para aquele fim.
Nem tudo serão flores
Se dependesse da frequência das alegres viagens dos governantes ao Exterior ( só o presidente ostenta o galardão de passar um mês fora do país), além das inúmeras e caríssimas comissões itinerantes, o novo ano seria dos mais promissores para as relações do Brasil com o mundo, usufruindo benefícios diversos, a começar pela fartura de dólares de Dubai, com toda razão aclamada como segunda capital brasileira, dado o gosto os nacionais por desembarcar ali… Em clima de otimismo, acordos comerciais e ambientais, na forma e na letra, tornaram-se volumosos, em meio a almoços e jantares opíparos, onde tomam lugar centenas de comensais, oficiais ou oficiosos.
Mas, afora a expectativa dos bons resultados dessas excursões, o 2024 parece, inevitavelmente, chegar com importantes desafios, alguns dos quais sinalizando para o imediato, sem maiores delongas. O caso, por exemplo, da insistência da Presidência em vender, principalmente aos franceses de Emmanuel Macron, a ideia do Mercosul alinhado ao Mercado Europeu. Uma questão delicada, de incontáveis interesses consolidados ou emergentes. Se obtiver êxito, o presidente já terá feito muito; mas, nas confidências com o travesseiro noturno, ele sabe que, além dos discursos e protocolos, as dificuldades são imensas e antigas; já vieram de outros tempos, antes de seu mandato.
O projeto de falar grosso e assumir liderança na América Latina também importa em questões delicadas, com duas das quais o Planalto ainda não sabe exatamente como lidar. A primeira é a vizinhança do presidente Javier Milei e sua nova Argentina, que se tornaram referência para a direita, esteja ela no continente ou em qualquer outra parte do mundo. Passaram a representar natural contraste com o Brasil, sabendo-se que aqui a esquerda é poderosa, mas em parte mais orgânica e menos preocupada com Lula. A Casa Rosada é um desafio interessante para nossos diplomatas. Coincidente em datas, veio a divergência com Israel, onde ganhamos a antipatia dos judeus, sob a clara torcida do governo pelo Hamas, já derrotado. Outra questão exposta.
Não bastasse esse elenco para a pauta do novo ano, o presidente tem pela frente outra situação desafiadora, embora as entrevistas oficiais tentem minimizar. O colega venezuelano, ainda que suficientemente maduro para cair, decidiu tomar as riquezas da Guiana, e pleiteia apoio brasileiro; pelo menos com a boa graça de, sendo necessário, permitir o solo nacional para o trânsito das tropas invasoras. Ele dava sinais, nas últimas horas, de conter a impetuosidade, talvez por sentir que o Brasil não teria como se explicar em qualquer ofensa militar, pois, se assim tolerasse, também levaria desagrado aos Estados Unidos. Em relação à Venezuela, uma dificuldade ampliada é que ali a ditadura não é apenas para ser tratada com o presidente, mas antes dele - e se necessário contra ele - com os generais. Um complicador. Agora, Caracas sinaliza a possibilidade de Lula intermediar o conflito. É uma cilada. O presidente brasileiro acabaria desgastado com todos os donos da disputa por um petróleo que não é nem será nosso.
Muitos são os problemas a resolver, e o Brasil talvez não tenha sorte de escapar de todos. Bom seria que Lula pedisse ao amigo Francisco, do Vaticano, que renove as bênçãos e redobre as orações votivas.
PT sem os remédios
Ao olhar, visivelmente preocupado para o ano eleitoral, que vai chegando, o Partido dos Trabalhadores promoveu, no fim de semana, assembleia nacional de dirigentes, militantes e futuros candidatos; e nisso contribuiu para ampliar as preocupações políticas de seu chefe, presidente Lula, agora sobrecarregado de queixas e postulações, que nascem e prosperam na cozinha de casa. Não mais apenas as naturais divergências e reclamações dos adversários, estes igualmente atentos em relação às urnas futuras.
A queixa que parece mais intensa fala da “influência desmedida” que o Centrão exerce sobre o governo federal. A preocupação é procedente, mas os queixosos não cuidaram de colocar no colo presidencial planos objetivos para conter os espaços tomados pelo fisiologismo partidário, hoje dono de pontos estratégicos na esplanada dos ministérios. Os petistas diagnosticam o mal, mas não prescrevem o remédio, mesmo conhecendo a fonte das dependências, pois são parte em um Congresso estatisticamente conservador e antipetista, embora nem sempre isso fique bem claro. O que fazer, ante as imposições da governabilidade? A submissão ao Centrão fere e sangra fundo o governo, mas seu partido desconhece o curativo, nem mesmo um emplastro momentâneo capaz de evitar que maiores dores cheguem às urnas.
Igualmente críticos, os correligionários atribuem ao Banco Central a adoção de condutas que engessam a política econômica prometida no palanque eleitoral. Porém, também aí o partido passa ao largo de alternativas eficazes para segurar a inflação em patamares toleráveis, e com isso poder rifar Campos Neto. São várias as ideias. O PT tem de escolher uma delas, e, com coragem, adotá-la, sem se contentar com a formulação de queixas.
Parece claro que os amigos empurram o presidente contra a parede, pedem mais ar, porque se sentem antecipadamente asfixiados sob os calores da disputa eleitoral. Porém, ficam devendo mostrar ao chefe os tubos de oxigênio e as portas de emergência.
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