terça-feira, 26 de dezembro de 2023

 

Governabilidade. Eis a questão.



((Wilson Cid, hoje, no "Jornal do Brasil" ))

É principalmente no tempo de festas de fim de ano que os discursos oficiais exigem cuidado dos auditórios. Com muita frequência, ao embalo das comemorações, são capazes de fazer confusão entre o ideal e o real. Misturam as coisas. Tornam-se mais otimistas nesta época, como se do velho ano fosse possível esquecer dificuldades e sepultar fracassos. Para o tempo novo que se avizinha, tudo seria de suavidades e venturas. Contudo, o 2024, que vai chegando, não parece diferente dos anos passados, com a repetição dos mesmos problemas e desafios, alguns dos quais com tudo para se avolumarem.

Para o presidente Lula, ao fazer balanço do primeiro ano do governo, os resultados são positivos; garante que seu mandato já se revela superior aos anteriores, sem oferecer maiores detalhes que justifiquem tamanho otimismo. Mas o que certamente importa analisar com a nação é um problema que vem se antepondo aos demais, os previstos ou os imprevisíveis. A governabilidade. Eis o problema essencial, que o aguarda, com todas as suas complexidades. E que, lamentavelmente, não se pode enfrentar apenas com palavras e juramento de boas intenções.

São vários os motivos que sugerem e recomendam especial atenção sobre quem fala, porque, em última análise, é sobre ele que pesam todas as responsabilidades na solução dos impasses; e, se fracassado, também nos seus ombros despencam todas as culpas, sem remissão. É o presidente.

Por começo, quando se trata de formular prospectiva sobre as dificuldades e o enfrentamento, o que avulta, antes de tudo, é que Lula ainda não conseguiu certa harmonia nos escalões imediatos do poder. São notórios os conflitos entre alguns ministros. Como também divergem colaboradores do PT em momentos decisivos no caminhar do governo. É o caso, entre os principais, do conflito público da presidente do partido com a política econômica, que lhe cabia defender, pelo princípio da lealdade a um governo do qual faz parte. Quando se pensa em governabilidade estamos diante de um detalhe desafiador.

Ante a possibilidade de dificuldades ampliadas, o presidente ainda se defronta com o Centrão, eficiente conjunto de parlamentares, que muitas vezes sobe a rampa carregando postulações parasitárias. Interessante observar que, com apenas um ano de gestão, o Centrão fortaleceu-se, de tal forma, com concessões obtidas, que acabou se fortalecendo além do controle de quem faz as doações. E, por ser forte, pode sempre avançar mais na formulação das exigências; o que, aliás, tem a ver com os acenos de uma indispensável reforma ministerial para inaugurar o ano novo. Seja para ceder ou restringir, os desdobramentos podem resultar em complicadores nas relações com o próximo período legislativo: o Executivo precisando demais de apoio parlamentar, o Centrão precisando de verbas e prestígio no período eleitoral. Quem criou o monstro que o embale, dirá a oposição radical, sob clima de contestação.

Caso delicado, porque, olhando para suas bases, o governo não tem mais como ceder; o Centrão não tem como se contentar. Impasse de grande dimensão, que os discursos de fim de ano procuram omitir da opinião pública. Porém, o fato de serem pronunciados sem clareza não significa que não estejam perturbadoramente latentes. Pelo contrário, ano eleitoral tem tudo para tornar mais tensas as relações. Os ânimos tornam-se menos tolerantes e os apetites se acentuam, o que é suficiente para se recomendar ao presidente, desde já, paciência e prudência no trato com os aliados, porque, chegada a hora de eleição, nem sempre se pode apostar na coincidência de interesses e ambições.

Isto posto, digamos que estamos diante do bastante para provocar dores de cabeça nos meses que se seguirão. E cabe lembrar, por último, mas de forma algumas menos importante, a tragédia da radicalização, que toma conta, não mais apenas no campo das ideias e proposituras, mas das relações entre partidos, ministros e agentes políticos. Estranham-se os poderes constituídos e, no trato pessoal, costuma-se faltar o mínimo de compostura, com parlamentares esbofeteando-se. Mais ainda: onde já se viu presidente da República ser recepcionado com vaias e palavrões no plenário do Congresso?, como acaba de ocorrer com um Lula totalmente constrangido e desconcertado. Não obstante, deva-se a ele uma parcela no agravamento desse problema, quando procura manter Bolsonaro politicamente vivo, na tentativa de alimentar a figura do contraste, e disso tentar proveito. A cena vista no Congresso retratou, com fidelidade, o clima de intolerância. Do jeito que as crises gostam.


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