terça-feira, 5 de dezembro de 2023

 


Justiça e política



((Wilson Cid, hoje, no "Jornal do Brasil" ))


Para o novo ano, que vai chegando, já bastaria o processo eleitoral de outubro para que lhe fosse garantida grande importância, com a renovação ou consolidação de lideranças municipais. Mais ainda nos grandes e médios centros, porque terão tudo para traçar os primeiros perfis da sucessão presidencial de 2026. Não é pouco. O temor que fica, com justa razão, é se o embate político e os interesses em conflito condenarem a nação a um clima de inseguranças, novos conflitos entre poderes e soluções adiadas. Para confirmar as dúvidas, saibamos que o Congresso passará a viver meses entorpecido, porque deputados e senadores não conseguirão desviar atenções e olhares de seus redutos eleitorais, quase sempre muito distantes de Brasília. Os fatos, então, podem se contradizer: de um lado, a manifestação democrática das urnas; de outro, governos e governantes reféns da luta pelo poder municipal, e reflexos negativos que isso é capaz de projetar sobre o futuro do país.

Chegando o 2024, estaremos diante de outro fenômeno instigante, com tudo para preocupar. A mais alta corte de Justiça, o Supremo Tribunal Federal, vai rompendo os limites da juridicidade, tornando-se, cada vez de forma mais cristalina, um poder indiscutivelmente político. Nunca deixou de ser, porém não tanto como agora. Quem o atesta são os próprios ministros, que de há muito deixaram de negar isso. O doutor Gilmar Mendes dizia, recentemente, que o destino dos atuais governantes deveu-se, em certa dimensão, à boa vontade do Supremo. Não está mentindo. Mesmo a Presidência da República resultou, em 2022, de dois sentimentos contrapostos: a simpatia pelo candidato vitorioso e a aversão do Pleno em relação ao derrotado.

O conteúdo político-partidário que se abriga na Justiça, em sua instância maior, será sempre inevitável, enquanto a ocupação das vagas depender da vontade pessoal do chefe do Executivo federal. Por maior que fosse a grandeza da isenção, pautando-se a escolha exclusivamente nos valores da probidade e do conhecimento jurídico, o presidente jamais faria, como nunca fez, qualquer concessão ao ilustre adversário, a ponto de presenteá-lo.

Para o exercício seguinte, que começa dentro de três semanas, não será outro o destino do Supremo. Na verdade, o costume de admitir influência política se confirma com a toga que o presidente Lula quer destinar ao ministro da Justiça. Mas para Flávio Dino, como asseverou em recente entrevista, o Supremo Tribunal nada tem a ver com política. Garantiu isso com firmeza, mas o máximo de concessão que se pode fazer é ouvir, respeitosamente, sua opinião, sem assumir compromisso com ela... Antes de optar pelo polêmico amazonense, Lula já havia mandado para a corte o amigo Cristiano Zanin, por quem foi assistido em causas e feitos. Sobre Dino, se superar a sabatina no Senado, haverá de acrescer uma contribuição ideológica, pois ele chega com o diploma de comunista, fiel seguidor da cartilha de Lênin. Não obstante, alguns de seus futuros colegas já anteciparam os votos de boas-vindas, na certeza de que a casa estará honrada com a chegada do atual ministro da Justiça. E estará mesmo, porque os antigos e o novo têm revelado identidade e certo alinhamento quanto a princípios.

Sob a expectativa de futuras condutas, sem que se desconheça o clima de divergências entre Congresso e Judiciário, pode ser que se dê mais um passo seguro para ampliar ações e iniciativas do Supremo no campo político. A chegada de Dino, a se confirmar na cadeira da aposentada dona Rosa Weber, acabaria por remover, de vez, qualquer dúvida.

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