terça-feira, 19 de novembro de 2024

 


Sangria na Esplanada

((Wilson Cid, hoje, no "Jornal do Brasil" ))
Quem costuma acompanhar a história política percebe, com alguma facilidade, que nunca houve alguém capaz de invejar o presidente da República, quando, sobre sua mesa, a realidade nacional impõe a necessidade de cortes drásticos no orçamente da União. Quase todos viveram esse drama, porque raramente puderam escapar de enormes dificuldades de caixa, vendo as receitas sufocadas pelos gastos. Sem escapar da tradição, Lula procura exercitar o contorcionismo, pois sabe que nessa hora vai ser chamado a assumir, sozinho, a responsabilidade pela aventura de gerar conflitos entre os ministros; todos eles, alguns menos outros mais sacrificados. O fantasma do primeiro escalão desprestigiado, sem poder cumprir metas mínimas. A limitação de gastos e os contingenciamentos sempre foram um momento delicado. Não haveria de ser diferente hoje.

O primeiro incômodo para quem tem de dar a palavra final é que se instalam, em posições rigidamente opostas, as áreas econômica e política. Aquela querendo lanhar a pele dos gastadores, arrancando sangue em corpos anêmicos. Já os ministérios políticos, de outro lado, não querem saber de queixumes, porque têm obrigações sociais a cumprir; e encher os cofres é problema do doutor Haddad. Para ampliar os problemas, o partido obrigado a sustentar o governo, o PT, bate na política de contenção, e, nesse passo, despreocupado em contemporizar, atira combustível numa fogueira que vai próspera. Um constrangimento para o presidente, testando sob fogo cruzado de interesses, num ministério  constituído sob a égide de partidos que olham mais para si e menos para a estabilidade de quem os contemplou. 

Outra peculiaridade. Os cortes, cuja extensão vem sendo discutida e adiada há três semanas, são, antes de tudo, terrível dieta eleitoral, começando por afetar vários projetos de 2026. Já não se trata apenas da sucessão presidencial, mas, no mesmo ano, muitos ministros e altos funcionários, que aspiram a governos estaduais, sairão com asas podadas, enfraquecidos na capacidade de distribuir recursos do erário federal. Em alguns casos, uma sangria fatal.

As medidas que vêm sendo estudadas querem, no ponto mais alto dos objetivos alinhados, zerar o deficit, ideal longe de ser alcançado a médio prazo. O diagnóstico está exposto em planilhas tecnicamente corretas, pela via fiscal.

O que não pode ser desconsiderado, nos debates que se prolongam sobre tal matéria, é que os governantes precisam impor seriedade no consumo do suado dinheiro dos impostos; mais ainda, quando sabemos que somos um país guloso na aplicação das políticas tributárias. Em resumo, nada mais que a conscientização de todos os poderes, não apenas o Executivo, do dever comum de seriedade nos gastos; dever de todos que têm parte na administração dos bens públicos. A começa pelo presidente, a quem cabe dar exemplo, limitando o custo de suas viagens babilônias. Judiciário e Legislativo também têm vivido em regime de gorduras acumuladas,  e precisam se libertar, por exemplo, dos penduricalhos que duplicam ou triplicam vencimentos e subsídios já por si generosos. Nem podem escapar dessa cobrança os estados, em muitos casos ostensivamente perdulários. Num escândalo em grau maior, nos últimos meses os tribunais de contas tornaram-se leito de casamentos bem sucedidos, com esposas de políticos nomeadas conselheiras.

Vale desejar que a onda de cortes não se limite a reduzir despesas imediatas, mas que as moralize hoje e para sempre. Por que não?

quinta-feira, 14 de novembro de 2024

 


A Pauta é Política

14 novembro 2024


SEM MEXER

As eleições deste ano confirmaram certa tendência do eleitorado da cidade em resistir a renovações, preferindo não mexer no que está posto; não mexer no time, independentemente de ele estar dando certo ou errado. Em relação aos prefeitos, desde Olavo Costa, quase todos foram reeleitos, embora nem sempre concluindo o mandato. Em 2024 não foi diferente, com a recondução da prefeita Margarida.
Quanto aos vereadores, mesmo sob a carga de muitas críticas em relação aos excessivos gastos do Legislativo, e diante de centenas de novos candidatos, alguns bons, outros nem tanto, nada menos de 15 deles foram reeleitos. Há uma explicação, entre várias. O vereador, em mandato, dispõe de um quadro de 19 assessores diretos, que são também seus cabos eleitorais. Entre outras vantagens de que dispõem na luta contra os novos.
Renovar é preciso, mas é difícil.

TEMAS INDIGESTOS

No momento em que as forças políticas abrem, claramente, o debate em torno da sucessão presidencial de 2026, há dois temas que, em relação ao governo, desagradam profundamente: os cortes nos orçamentos ministeriais, dolorosa dieta para quem pensa em reeleição, e redução da jornada de trabalho, de 44 para 36 horas semanais. Ambos abrem poderosos conflitos no debate político e acentuam divergências.

PRESIDÊNCIA

Mais algumas semanas, e os vereadores serão chamados a definir a composição da Mesa diretora da Câmara, que conduzirá os trabalhos legislativos nos dois anos seguintes. Tida como certa a reeleição de José Márcio Garotinho, estimulado pelos elogios que tem recebido sua atual gestão.
Consta que, para garantir a reeleição e evitar defasagens, foi firmado um acordo tático, com instrumento celebrado em cartório. Precisava disso?

FAZENDO ÁGUA

Na disputa eleitoral deste ano as federações partidárias deixaram algumas sequelas. Foram interesses regionais contrariados, que já impõem a necessidade de reformulações. A começar por Minas, onde o Partido de Verde acha que não conseguiu colecionar bons resultados, enquanto federado com o PT. Mas, em Juiz de Fora, o PT é que estaria disposto a reavaliar a federação, porque mais ajudou do que foi ajudado… Por exemplo, os comunistas reelegeram Cido Reis, e o PV elegeu Negro Bússola, que, por sinal, ficou com o MDB, relegando a candidata petista.

POSSE NO RIO

Ex-vereador em Juiz de Fora, hoje deputado federal, Lafayette Andrada toma posse, dia 28, no Rio, em uma cadeira do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. E pronuncia palestra sobre “causas ocultas” da dissolução da Assembleia Constituinte de 1823.

ESQUERDA x DIREITA

Pinçado do “Jornal do Brasil”, de terça-feira:
“Se não há sinais para a superação do mal que preocupava Norberto Bobbio - a dicotomia esquerda x direita - cuidemos de tratar do fenômeno, mais ainda quando pesa diretamente aos nossos costados. Temos razões e expectativas nacionais para tratar do assunto; e antes que as precipitações prejudiquem estudos sérios, é preciso começar por uma indagação essencial, sobretudo desapaixonada: nestes últimos tempos foi a direita que prosperou, aqui e no resto do mundo, ou foi a esquerda que retrocedeu e envelheceu no espaço?. Méritos são devidos àquela ou foram os esquerdistas que descuidaram da revisão de conceitos e fórmulas que impuseram o tempo e as experiências? No caso brasileiro, percebe-se que a direita joga com habilidade com os frutos que seus adversários não souberam ou não puderam colher. Deixando abertos os flancos, a esquerda, obediente a alguns de seus líderes, optou por avançar nos retrocessos. Exemplo cristalino veio, recentemente, com o posicionamento assumido pelo principal entre os partidos governistas, ao apoiar a reeleição do presidente da Venezuela, onde as urnas exalavam o violento cheiro de fraude”


HOSPITAL REGIONAL

O deputado Noraldino Jr (PSB) pede solução definitiva para o Hospital Regional, cujas obras estão paralisadas desde 2017. Começaram em 2009, inconclusas por motivos diversos: falta de recursos, erros construtivos, abandono do local, depredações da edificação incompleta. Pelo que se sabe, a responsabilidade pela obra sempre foi da prefeitura, a partir da segunda gestão do prefeito Custódio Mattos. Mas as verbas dependem do governo de Minas.

Há anos, a deputada Sheila Oliveira (PL) também se interessou, e fez alguns movimentos com uma frente parlamentar, buscando alternativas no âmbito da saúde. Não conseguiu. A Comissão de Saúde da Assembleia, com a presença do deputado estadual Betão (PT), veio à cidade para apurar as razões do atraso. .

Segundo a comissão, as obras foram paralisadas duas vezes e o hospital tem 70% da construção pronta. Representantes do governo alegam que problemas estruturais inviabilizam a retomada das obras; mas a prefeitura e o Ministério Público afirmam que perícias técnicas permitem a retomada da construção.

Agora, o principal aliado no futuro governo municipal é o PSB, do deputado Noraldino, que emplacou o vice-prefeito eleito, Marcelo Detoni, e uma bancada de três vereadores. O que acarreta maior envolvimento do parlamentar para resolução de problemas municipais junto ao governo estadual. A expectativa é de que haja sucesso nessa empreitada, pois a prefeitura promete, com a conclusão das obras, colocar o hospital em funcionamento.


EXPLOSÃO

A explosão de bomba e morte, na praça dos Poderes, em Brasília, são um ato isolado, praticado por alguém com reconhecidas deficiências mentais. Tentar construir ligação com possível complô, esquema terrorista organizado direitista, é exagero. Mas deixa exposto um fato, este perigoso e contagioso: o ódio que vem sendo construído contra o Supremo Tribunal Federal.


terça-feira, 12 de novembro de 2024

 


Esquerda e direita


((Wilson Cid, hoje, no "Jornal do Brasil" ))


A vitória de Donald Trump, de novo subindo à presidência dos Estados Unidos, acendeu, mais um pouco, as discussões sobre o embate ideológico direita-esquerda, para a regência dos destinos do mundo contemporâneo. Por muito tempo, os cientistas políticos terão assunto para divagar sobre o mesmo tema. Quanto a nós, brasileiros, aduz-se o fato de que o principal partido esquerdista, o PT, acaba de sair chamuscado de uma eleição, que o condenou a um papel modestíssimo nas prefeituras, grandes, médias e pequenas, o que não quer dizer que tudo são flores para os direitistas, que têm se animado muito com os números de Washington, como que fossem uma bênção a importar.


À sombra de Trump todos temos de pensar ou repensar. Seria perigosa ingenuidade achar que estamos isentos abaixo do Equador. Temos grandes negócios a conferir, frente a um governo que tem fama de protecionista furioso, e nessa quadra a ideologia despenca para o segundo lugar.


O tema esquenta, neste tempo de um mundo cada vez mais dividido, para dissabor de muitos pensadores. Porque no entendimento deles, já vai passando a hora de a sociedade livrar-se dessa indesejável dicotomia, que encharca a terra de ódio e sangue. O italiano Norberto Bobbio vai direto ao assunto: “esquerda e direita igualam-se no ódio à democracia”, depois de concluir que as duas correntes antagônicas não podem ser colocadas sob forma de antítese: o que não é da direita é da esquerda - e pronto! Isso traça um perfil carcomido da política e das relações entre os povos, com o dissabor de ver que as duas correntes caem facilmente nos braços dos ditadores. Nesse vício capital caminham ombro a ombro.


(O lamentável apoio a muitas ditaduras vem dando corda aos direitistas, embora também eles, quando no poder, frequentemente lancem mão do mesmo defeito).


Se não há sinais para a superação do mal que preocupava Bobbio, cuidemos de tratar do fenômeno, mais ainda quando pesa diretamente aos nossos costados. Temos razões e expectativas nacionais para tratar do assunto; e antes que as precipitações prejudiquem estudos sérios, é preciso começar por uma indagação essencial, sobretudo desapaixonada: nestes últimos tempos, foi a direita que prosperou, aqui e no resto do mundo, ou foi a esquerda que retrocedeu e envelheceu no espaço?. Méritos são devidos àquela ou foram os esquerdistas que descuidaram da revisão de conceitos e fórmulas que impuseram o tempo e as experiências? No caso brasileiro, percebe-se que a direita joga com habilidade com os frutos que seus adversários não souberam ou não puderam colher. Deixando abertos os flancos, a esquerda, obediente a alguns de seus líderes, optou por avançar nos retrocessos. Exemplo cristalino veio, recentemente, com o posicionamento assumido pelo principal entre os partidos governistas, ao apoiar a reeleição do presidente da Venezuela, onde as urnas exalavam o violento cheiro de fraude.


No confronto entre as ideias, veio, por acréscimo, na conduta da esquerda, o equívoco de eleger um ex-presidente como alvo único de sua artilharia, sem perceber que dava a ele uma vitrine permanente; ele, Bolsonaro, sem poder, sem cargo, sem passaporte. Dessa conduta resultou o fortalecimento da direita, que tomou carona nos municípios, onde muitos prefeitos elegeram-se sem viés ideológico. Apenas embarcaram. Mas ganharam.


Se já não é sem tempo que as atenções se voltem para a sucessão presidencial, os partidos, a começar pelo PT, não podem escapar de reciclagem, envernizar velhas ideias, ajustar planos e ações. Não se pode, simplesmente, enterrar a cunha entre correntes ideológicas, e pensar que nisso se resume tudo; o que vale também para os direitistas, que pensam tomar a cadeira de Lula em 2026. Será tolice achar que as simpatias de Trump podem influenciar, decisivamente, os próximos rumos da política brasileira. O presidente americano não gosta de Lula, é vingativo, aprecia Bolsonaro, mas interesses políticos e econômicos certamente vão orientá-lo a não investir aqui além do razoável. Demais, a partir de janeiro, sob nova orientação, Washington aprofundará o velho protecionismo, o que não será bom para nossas exportações.


( Percebam que Trump, como todos os outros, os que vieram ou estão por vir, apenas chamam os Estados Unidos de América. A América como sinônimo de Estados Unidos. O que fica abaixo, a partir do México, está na dependência de interesses e ocasiões).




sábado, 9 de novembro de 2024

 A pauta é política

7 novembro 2024

PDT RESSURGE
O PDT/JF ressurge das urnas com uma bancada de dois vereadores: o veterano José Márcio Garotinho, presidente da Câmara, e o novato Carlos José de Souza - Fiote, líder comunitário. Garotinho migrou para o PDT na janela partidária que antecedeu a eleição, porque no PV corria risco de não se eleger, devido à entrada de Negro Bússola, que se elegeu. Neste ano, o partido recebeu os ex-vereadores José Soter Figueiroa e Jucélio Maria, que somaram votos na legenda. Figueiroa tornou-se primeiro suplente.
Desde 2016 o partido fundado por Brizola não elegia vereador em Juiz de Fora. Mas com um passado de glórias, bastando verificar os anais da Câmara para constatar que já teve dois vereadores presidentes da Casa, o médico Eduardo de Freitas e o advogado Isauro Calais. Em 2002, o médico Sebastião Helvécio foi eleito deputado estadual, quando era vice-prefeito de Tarcísio Delgado, em seu terceiro mandato.
O vereador Garotinho lidera articulação com 16 vereadores eleitos para concorrer a mais um mandato de presidente da Câmara. Circulam especulações de que tem planos para 2026, pretendendo se candidatar à Assembleia Legislativa. Além dos palpiteiros de plantão, que o apontam como possível candidato a prefeito em 2028.

EM FOCO
É natural que atenções especiais cerquem os passos do PSB, que, em Juiz de Fora, elegeu o vice-prefeito e o mais votado entre os vereadores. Um desempenho que projetou seu comando no município para influir, em 2025, quando o partido começa a trabalhar, para, se não forem mais longe suas pretensões, indicar o candidato a vice-governador ou somar-se ao PT na disputa de uma cadeira no Senado.
Em Minas, são 22 os prefeitos que ficarão sob o comando dos socialistas; poucos em condições de medir forças com o diretório local.

HERANÇA
A disputa pela prefeitura sempre deixa, no horizonte dos derrotados, a herança de uma candidatura a deputado federal pelo PL. O que logo se confirmará com a candidatura de Charlles Evangelista, segundo lugar na recente eleição. Continuará sendo candidato natural da direita e dos bolsonaristas. Parece disposto a encarar o novo desafio, já aparecendo, nas redes sociais, para criticar e cobrar da prefeita.
Uma indagação fica com a deputada Ione Barbosa, do Avante, que também disputou em outubro, e saiu com votação aquém do esperado. Ainda não se sabe se ela tenta continuar como deputada ou se se recolhe.

DILERMANDO
Primeiro prefeito eleito, pelo voto direto, Dilermando Martins da Costa Cruz Filho, tentou, sem apoio da Assembleia, transformar o 6 de novembro em Dia Estadual do Rádio, porque, naquela data, em 1924, exatos 100 anos atrás, a Resolução 948 autorizou em Juiz de Fora, “a quem melhor vantagem oferecesse”, instalar, no Parque Halfeld, um aparelho radiotelefônico, com alto-falante. Pioneira. A história do Rádio dava seu primeiro passo na cidade. Fica o registro em homenagem à boa intenção.
ARRANJO PARTIDÁRIO
As federações surgiram para compensar os partidos em risco de rebaixamento, devido às cláusulas de desempenho (de barreira), inseridas na reforma eleitoral. Um arranjo partidário, espécie de "gambiarra", que não atraiu muitos partidos nas composições de 2022. Estabelecia-se a obrigação de os entes federados permanecerem por quatro anos. No meio do caminho, uma eleição municipal.
Num país continental, como o nosso, interesses políticos regionais sobrepõem-se aos nacionais, acarretando resistências de adesão ao arranjo federativo; resistências das legendas maiores, despreocupadas com o risco de serem rebaixadas.
Agora, a expectativa para 2026 é de uma reavaliação das federações; e, talvez, a adesão de outras legendas a esse modelo. Caso elas permanecerem (e se ampliarem), poderá o quadro político deixar de ter a atual representação pluripartidária nas instâncias de poder, e, por consequência, surgindo um novo ( e duvidoso) cenário para a democracia brasileira.

ABSTENCIONISMO
“Devemos estudar bem o abstencionismo. Gianfranco Pasquino, que tem um ensaio sobre esse fenômeno, publicado pela Universidade Nacional de Brasília, mostra que o estudo a respeito não é obra custosa. “Pode-se dizer que os abstencionistas têm, do ponto de vista sociológico, características relativamente definidas”. Neste particular, as fortes diferenças programáticas até contribuem para diminuir o abstencionismo, um ótimo dado para que sobre ele estejam debruçados os artífices dos programas partidários, onde, em geral, promete-se o que não vai ser feito… Outra observação conclusiva de Pasquino, que se ajusta nesse monte de Ps que temos, mais de 30: “a explicação talvez mais convincente é que, onde os partidos estão mais organizados, capilarmente presentes e muito ativos, a taxa de abstencionismo mantém-se moderada”.
É ainda a esse autor que se recorre: as eleições, no Brasil, podem correr o risco de caírem num “abstencionismo crônico”. O que seria péssimo.



terça-feira, 5 de novembro de 2024

 


Insegurança e desconfianças


((Wilson Cid, hoje, no "Jornal do Brasil" ))

Assunto para longas conversas e controvérsias, a recente reunião promovida pelo governo federal para abrir debate em torno da PEC de unificação da segurança pública permitiu, paralelamente, que ficassem expostos alguns sinais da crise do federalismo brasileiro; crise que, de há muito, não só agora, tem reclamado revisão e retoques, sob inspiração nas experiências republicanas. Não obstante a importância do encontro e a abrangência de sua pauta, 13 governadores deixaram de participar, por razões nem sempre convincentes, embora se fizessem representar por escalões inferiores. Evidenciou-se, igualmente, que somos um país em que os entes federados têm visões diversas sobre problemas também diversos, tanto nas origens como nas práticas. Sinais de que, por força de desigualdades, há um imenso vácuo para uma convivência estreita desejável, detalhe para agravar a crise exposta na reunião de quinta-feira.

O presidente Lula, que dirigiu os trabalhos, não precisaria de outros exemplos para saber que
somos vítimas de complexidades, de diferentes visões sobre problemas que, se afetam a cada estado, protejam-se com características próprias sobre a vida nacional. O que certamente deve levá-lo a reconhecer que apenas se deu o primeiro passo, na caminhada longa de uma política de segurança federalizada, que, avaliado o projeto apresentado, tem aspectos positivos e outros nem tanto. Um contraste observado, que não deixa de preocupar, são alguns instrumentos de defesa que vieram da Constituição de 88, já se revelam superados ou insuficientes para conter o progresso do crime organizado, como reconhece o ministro Rui Costa, a quem se ficou devendo a denúncia de que, tão avançadas estão as quadrilhas, que hoje elas interferem ostensivamente na economia nacional.

A fabulosa teia de crimes prospera em dois campos, nos quais as competências e responsabilidade pesam menos sobre os governos estaduais, porém muito mais sobre os largos ombros da União, que engole com entusiasmo 60% do bolo dos tributos. Primeiro, as fronteiras escancaradas, vulneráveis ao tráfico de drogas e armamentos pesados, instrumentos tenebrosos, dos quais nasce e avança o poder das quadrilhas. É quando se torna justo indagar se, no policiamento dos limites internacionais, temos atingido um nível desejável. Claro que não. Aí, sob limitações estruturais, os governadores não têm como contribuir tanto. Para não se tocar em algo mais complexo - a segunda questão – , isto é, a lavagem de dinheiro sujo. E o governo federal conhece os endereços das “lavanderias”. Portanto, sem qualquer intenção de esvaziar o apelo que vem de Brasília, considerado o contexto de uma proposta que pretende definir objetivos, alinhar ações e redefinir competências, é preciso que o governo federal deixe bem claros onde tem falhado, para, em seguida, melhorar e clarear os objetivos, expor melhor os propósitos, o que é fundamental para superar desconfianças quanto ao viés intervencionista.

( Há uma velha preocupação, sonhada em toda ditadura, visível ou amena, de que o comando do domínio das forças começa pelo controle das polícias estaduais. Sempre foi assim, e no governo Costa e Silva a incorporação só não aconteceu, de fato, por causa das habilidades dos contestadores mineiros).

Ressalvas admitidas, exclui-se delas a condenação, a priori, da proposta de uma política de maior colaboração, e o objetivo de dar enfrentamento aos desafios da insegurança que, hoje, corre avassaladora, por todos os quadrantes; aí sim, uma convocação de amplitude nacional. As intenções reveladas pelo presidente Lula, na sua totalidade ou em parte, têm de ser consideradas, porque resultam de perigosa realidade, jamais negada. A colaboração dos governadores é contribuir para aperfeiçoar o que se pretende fazer, preservada a autonomia dos estados, onde a ela têm direito. E, ao mesmo tempo, convocar deputados e senadores sob sua influência para que contribuam no que a matéria exigir para o aperfeiçoamento.



quinta-feira, 31 de outubro de 2024

 


A pauta é política


O CICLO QUE SE FECHA

À medida em que se assentam os pós da eleição da prefeita, decidida em um único turno, o que rompeu a tradição, pois, aqui, só chegava ao Paço quem vencesse no segundo turno, é hora de começar a pensar no futuro, com base nas experiências. Os políticos, agora, sentem-se mais à vontade para medir os reflexos das urnas, seus números e as consequências, imediatas ou distantes.

1 - Um dado visível, que salta logo, é que a eleição deste ano testou e construiu um projeto político, liderado pelo deputado Noraldino Júnior, que levou seu PSB a ganhar a vice-prefeitura na chapa do PT, atropelando metade dos petistas, que repudiavam e contestavam, publicamente, a aliança. Em seguida, o partido elegeu o vereador mais votado da história municipal, que entrou em cena sem qualquer lastro político-partidário, sob o mérito de dar socorro aos cachorrinhos que caíram na orfandade. Noraldino ainda dá sinais de um diálogo proveitoso com o presidente da Câmara, José Márcio Garotinho, a ser reeleito. Piedosos, foram, juntos, a Aparecida agradecer.

2 - Todos negam, a começar pela prefeita, que essa aliança lhe custaria metade do mandato, destinando-se dois anos de poder ao vice Detoni, o que, em compensação, garantiria a ela o apoio do PSB mineiro para disputar cadeira no Senado, com força suficiente para se impor ao PT. Se a prefeita cumpre o que está solenemente prometido, isto é, permanecer nos quatro anos, também aí o projeto dos socialistas pode ganhar espaço na aliança, por carência de aliados. Quando chegar 2028 o PT teria de indicar um candidato. Quem? Hoje não há quem possa responder a essa pergunta. Havendo o vácuo, os socialistas já teriam duas alternativas, o vice e o próprio Noraldino.

3 - Outro dado para os próximos lances é que à prefeita Margarida, não podendo disputar um terceiro mandado, caberá fechar o ciclo das veteranas lideranças políticas da cidade. Basta conferir. Dois ex-prefeitos, Bejani e Tarcísio, despediram-se, sem poderem eleger os filhos, que disputavam, respectivamente, como vereador e prefeito. Custódio Mattos já havia se ausentado, também sem sucessor, e Bruno Siqueira garante que agora só tem ânimo para atividades empresariais. Fecha-se o ciclo veterano, com reflexos poderosos sobre seus partidos. O PSDB associou-se ao MDB, deu a candidata a vice, quase ausente, contribuiu modestamente. Ambos os partidos, de passados gloriosos, estão sem destino definido, sem chefes e sem votos. Além disso, derrotados, ambos devem sofrer futuros desembarques, sob o aceno de legendas mais promissoras.


FEDERAÇÃO PARTIDÁRIA

Após o primeiro turno, a crônica política começou a fazer análise sobre os resultados para prefeitura e Câmara Municipal. Nesta eleição 2024 as federações partidárias foram testadas pela primeira vez. Surgiram em 2022, com mandato de quatro anos.

A eleição de vereadores, com os dados consolidados dos milhares de municípios brasileiros, aponta que partidos hoje federados tiveram menos eleitos em 2024, em comparação com o que tiveram, em separado, em 2020. A exceção foi o PT. Em JF, os resultados são semelhantes ao panorama nacional.

A Federação PT, PC do B e PV ficou com 6 vereadores: o PT com uma cadeira a mais, elege Letícia Delgado, e reelege os três vereadores Cida Oliveira, Juraci Scheffer, Laiz Perrut. O PC do B conquistou uma cadeira, com a reeleição de Cido Reis, neo-comunista, que migrou para este partido. E o PV manteve uma cadeira, com a eleição de Negro Bússola, uma vez que Garotinho saiu para o PDT, deixando o partido, e se reelegeu.

A federação Rede-Psol tinha uma vereadora eleita no Psol, Tallia Sobral, que não se reelegeu. Mas a Rede conquistou uma vaga, com a reeleição de Maurício Delgado.

A federação PSDB-Cidadania tinha um vereador, Tiago Bonecão (Cidadania), que migrou para o PSD, onde se reelege.

Importante lembrar que houve aumento de quatro vagas na Câmara, o que pode ter corroborado para os resultados obtidos pelos partidos a partir de janeiro de 2025.

terça-feira, 29 de outubro de 2024

 


Olho no abstencionismo

((Wilson Cid, hoje, no "Jornal do Brasil ")) 

Interessante observar que, ao largo da campanha eleitoral, no seu derradeiro estágio, na cidade mais importante do país, o reconduzido prefeito de S.Paulo, Ricardo Nunes, cuidou de privilegiar um tema que, de ano para ano, vem recomendando cuidadosa reflexão. O abstencionismo. Dias antes, a presidente do TSE, ministra Cármen Lúcia, já qualificava o problema como preocupante; com razão, pois, feito o balanço do primeiro turno, constatou-se a não participação de 21,7%, apenas dois pontos abaixo dos números de 2020, quando, em plena epidemia, era aceitável a justificativa dos que temiam o contágio e a disseminação da peste. No domingo passado, conferidos os resultados em grandes cidades, o quadro não foi menos infeliz.

Ausência do cidadão na hora de decidir os destinos de sua comunidade, se em tempos de paz, é algo que faz mal à saúde da democracia, começando por gerar limitada autenticidade dos agentes escolhidos. Figura neste caso o que ocorreu, por exemplo, em Belo Horizonte, onde, somados à ausência os votos nulos e brancos, 42% da população apta a votar deixou de influir no destino das urnas. Nulos e brancos foram mais numerosos que a soma da performance dos nove vereadores mais votados.

Bom que as preocupações não se esgotem, quando não houver mais campanhas e votos a perseguir. Vale lembrar, porque temos o costume de esquecer logo os problemas que incomodam. Quanto ao caso em tela, é gravíssimo, embora possa parecer certo exagero nessa constatação. Um povo indiferente a um processo eleitoral é aquele que perdeu a esperança e o respeito por seus representantes. Tanto faz, como tanto fez. Não importa se o poder cair na mão de probos, corruptos ou incompetentes.

( Diante disto, nem pensar em avançar para o voto facultativo, não obrigatório, como em outros países. Seria o enterro de uma política indigente ).

Não há novidade alguma em afirmar que a primeira responsabilidade pesa sobre os partidos, bastando lembrar que, no dia 6 último, primeiro turno eleitoral, a legenda mais contemplada, o PSD, não foi além da preferência de 15% dos municípios. Um vexame, que se estende aos menos votados, os que agasalham governistas e oposicionistas. As instituições partidárias – todas, sem exceção - estão obrigadas ao exercício de piedosa autocrítica, sob pena de perder o que lhes resta de expressão. Têm de buscar a maneira de estimular o eleitorado, convocando-o à participação. E o primeiro a se fazer é corrigir erros e deficiências; facilmente perceptíveis, até porque a sociedade brasileira já os identificou e os denuncia com frequência. E protesta, com raiva, mandando as urnas às favas.

Uma cota, no painel das responsabilidades, cai sobre o Congresso Nacional. Já não se dirá em relação aos partidos, quase todos ali representados. O que precisa ser feito, deve ser feito com a necessária urgência, para o aperfeiçoamento do sistema eleitoral, de forma a preservá-lo de dúvidas quanto à legitimidade de seus mapas e relatórios. É muito fácil remeter as dúvidas a grupos descontentes com os resultados. Isso é insuficiente.

( Sobre as urnas eletrônicas, como a mulher de César, não basta serem virtuosas; é preciso parecer que sejam, com comprovação impressa ).

Devemos estudar bem o abstencionismo. Gianfranco Pasquino, que tem um ensaio sobre esse fenômeno, publicado pela Universidade Nacional de Brasília, mostra que o estudo a respeito não é obra custosa. “Pode-se dizer que os abstencionistas têm, do ponto de vista sociológico, características relativamente definidas”. Neste particular, as fortes diferenças programáticas até contribuem para diminuir o abstencionismo, um ótimo dado para que sobre ele estejam debruçados os artífices dos programas partidários, onde, em geral, promete-se o que não vai ser feito… Outra observação conclusiva de Pasquino, que se ajusta nesse monte de Ps que temos, mais de 30: “a explicação talvez mais convincente é que, onde os partidos estão mais organizados, capilarmente presentes e muito ativos, a taxa de abstencionismo mantém-se moderada”.

É ainda a esse autor que vou recorrer, para encerrar. As eleições, no Brasil, podem correr o risco de caírem num “abstencionismo crônico”.O que seria péssimo.