terça-feira, 29 de outubro de 2024

 


Olho no abstencionismo

((Wilson Cid, hoje, no "Jornal do Brasil ")) 

Interessante observar que, ao largo da campanha eleitoral, no seu derradeiro estágio, na cidade mais importante do país, o reconduzido prefeito de S.Paulo, Ricardo Nunes, cuidou de privilegiar um tema que, de ano para ano, vem recomendando cuidadosa reflexão. O abstencionismo. Dias antes, a presidente do TSE, ministra Cármen Lúcia, já qualificava o problema como preocupante; com razão, pois, feito o balanço do primeiro turno, constatou-se a não participação de 21,7%, apenas dois pontos abaixo dos números de 2020, quando, em plena epidemia, era aceitável a justificativa dos que temiam o contágio e a disseminação da peste. No domingo passado, conferidos os resultados em grandes cidades, o quadro não foi menos infeliz.

Ausência do cidadão na hora de decidir os destinos de sua comunidade, se em tempos de paz, é algo que faz mal à saúde da democracia, começando por gerar limitada autenticidade dos agentes escolhidos. Figura neste caso o que ocorreu, por exemplo, em Belo Horizonte, onde, somados à ausência os votos nulos e brancos, 42% da população apta a votar deixou de influir no destino das urnas. Nulos e brancos foram mais numerosos que a soma da performance dos nove vereadores mais votados.

Bom que as preocupações não se esgotem, quando não houver mais campanhas e votos a perseguir. Vale lembrar, porque temos o costume de esquecer logo os problemas que incomodam. Quanto ao caso em tela, é gravíssimo, embora possa parecer certo exagero nessa constatação. Um povo indiferente a um processo eleitoral é aquele que perdeu a esperança e o respeito por seus representantes. Tanto faz, como tanto fez. Não importa se o poder cair na mão de probos, corruptos ou incompetentes.

( Diante disto, nem pensar em avançar para o voto facultativo, não obrigatório, como em outros países. Seria o enterro de uma política indigente ).

Não há novidade alguma em afirmar que a primeira responsabilidade pesa sobre os partidos, bastando lembrar que, no dia 6 último, primeiro turno eleitoral, a legenda mais contemplada, o PSD, não foi além da preferência de 15% dos municípios. Um vexame, que se estende aos menos votados, os que agasalham governistas e oposicionistas. As instituições partidárias – todas, sem exceção - estão obrigadas ao exercício de piedosa autocrítica, sob pena de perder o que lhes resta de expressão. Têm de buscar a maneira de estimular o eleitorado, convocando-o à participação. E o primeiro a se fazer é corrigir erros e deficiências; facilmente perceptíveis, até porque a sociedade brasileira já os identificou e os denuncia com frequência. E protesta, com raiva, mandando as urnas às favas.

Uma cota, no painel das responsabilidades, cai sobre o Congresso Nacional. Já não se dirá em relação aos partidos, quase todos ali representados. O que precisa ser feito, deve ser feito com a necessária urgência, para o aperfeiçoamento do sistema eleitoral, de forma a preservá-lo de dúvidas quanto à legitimidade de seus mapas e relatórios. É muito fácil remeter as dúvidas a grupos descontentes com os resultados. Isso é insuficiente.

( Sobre as urnas eletrônicas, como a mulher de César, não basta serem virtuosas; é preciso parecer que sejam, com comprovação impressa ).

Devemos estudar bem o abstencionismo. Gianfranco Pasquino, que tem um ensaio sobre esse fenômeno, publicado pela Universidade Nacional de Brasília, mostra que o estudo a respeito não é obra custosa. “Pode-se dizer que os abstencionistas têm, do ponto de vista sociológico, características relativamente definidas”. Neste particular, as fortes diferenças programáticas até contribuem para diminuir o abstencionismo, um ótimo dado para que sobre ele estejam debruçados os artífices dos programas partidários, onde, em geral, promete-se o que não vai ser feito… Outra observação conclusiva de Pasquino, que se ajusta nesse monte de Ps que temos, mais de 30: “a explicação talvez mais convincente é que, onde os partidos estão mais organizados, capilarmente presentes e muito ativos, a taxa de abstencionismo mantém-se moderada”.

É ainda a esse autor que vou recorrer, para encerrar. As eleições, no Brasil, podem correr o risco de caírem num “abstencionismo crônico”.O que seria péssimo.

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