terça-feira, 8 de outubro de 2024

 



Rumo ao segundo tempo

((Wilson Cid, hoje, no "Jornal do Brasil" ))

Compreensível que o governo aguarde a análise da eleição do segundo turno, em alguns dos principais centros da política brasileira, para começar a pensar certos ajustes nos seus escalões, considerando-se que nem todos os partidos de sua base parlamentar saíram suficientemente fortalecidos no embate das urnas; pelo menos, com números robustos que justifiquem sua permanência em ministérios e outras altas posições do poder. Como também têm de ser avaliadas as influências na definição da presidência da Câmara. São componentes de um balanço que ajudarão a pesar a capacidade do Centrão de continuar em posição confortável para negociar o destino dos projetos do Executivo; ou, ainda, sem sair da avaliação do processo eleitoral, identificar onde se localizam os pontos frágeis da oposição. O mapeamento das forças políticas a serem reveladas neste outubro vai trazer, igualmente, o perfil do pensamento brasileiro sobre tendências ideológicas, algo excitante, depois que recente pesquisa da DataSenado indicou que quase metade do eleitorado não se dispõe a influenciar-se por correntes de esquerda, direita ou centro. Qual seria o tamanho desse desinteresse, de forma a orientar as rotas do governo?
É um ponto basilar de que não terá como escapar o gabinete do presidente Lula, quando ele se aproxima da segunda e última fase de sua gestão; o segundo tempo do jogo, ainda com enormes desafios pela frente. Até onde essas urnas darão a ele confiança para jogar mais à esquerda, ou, em situação diversa, continuar abrindo picadas nos terrenos mais conservadores?
Há outra questão essencial, onde o governo vem praticando cabeçadas. E, para sentir isso, nem necessário seria esperar e ouvir a voz das urnas. Trata-se da acidentada, às vezes pitoresca, incursão nas questões internacionais, em particular as conflituosas, o que vem contribuindo, sensivelmente, para ampliar o descrédito da diplomacia brasileira, em outros tempos celebrada pela capacidade de seus funcionários de encontrar soluções, contornar crises e jamais insuflar divergências entre os povos. Não precisamos esperar o resultado das eleições nos grandes centros para promover o reordenamento das invectivas que o presidente gosta de espalhar nas generosas viagens que promove pelo mundo. Um primeiro passo seria o reexame corajoso de certas condutas, que vão nos deixando de mal a pior, como a tentativa, já sem subterfúgios, de dar ao ditador da Venezuela tempo para sarar as feridas de uma reeleição viciosa. O Brasil vai engolindo a desculpa do aguardo de atas que inexistem ou se corromperam.
Graças à festiva palavrosidade presidencial, acabamos em umas ciladas que cabe considerar. A começar pelo fato – reconheçamos - de o Brasil ter sido maldosamente empurrado para se meter no conflito da Ucrânia. E o presidente piorou, quando sugeriu ao colega ucraniano tornar-se “esperto” na condescendência com o invasor russo. Se o estupro foi inevitável, relaxa e goza, teria, em outras palavras, reeditado a velha e malfeliz lição de sua ex-ministra Marta Suplicy… No Oriente Médio, o país se permitiu a um papel de visível simpatia aos terroristas, quando devia, simplesmente condenar as violências de todos, partam de onde partirem.
É urgente, com urna ou sem urna, repensar a política externa, já arranhada junto a alguns centros ocidentais influentes, depois que o governo consagrou o papel de tutor de ditadores, pecha que não cabe nas tradições do Itamaraty. Em nosso lugar, mais cuidadoso, embora também rompante, vai se impondo o argentino Xavier Millei, o que se sentiu, com facilidade, na comparação dos discursos das Nações Unidas. Estamos em situações delicadas em vários pontos da América, dado que, por si só, seria bastante para uma reflexão sobre nós e o continente.

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