terça-feira, 1 de outubro de 2024

 


Sobre o segundo turno

((Wilson Cid, hoje, no "Jornal do Brasil" ))

Leio que 130 entre os grandes e médios centros eleitorais do país estão inscritos para viver a experiência da segunda rodada na escolha dos prefeitos, desde que no dia 6 próximo um campeão de votos não consiga a consagração da maioria absoluta. Comparado com o pleito anterior, houve crescimento significativo desses municípios, que podem voltar às urnas por terem chegado a 200 mil eleitores. Neste ano, para a expectativa, além do crescimento do número de cidadãos aptos a votar, contribuiu uma campanha muito aquecida nas divergências entre lideranças, e a fragmentação dos partidos, incapazes de levar ao eleitorado propostas motivadoras, suficientes para consolidar candidaturas vencedoras em uma única votação, dispensando-se o eleitor a uma nova caminhada à urna. Parece façanha difícil para a grande maioria.
Seja como for, a instituição do segundo turno está entre as melhores realizações da legislação eleitoral. É com ele que se confere maioria entre os mais votados, ambos até então sem a maioria de votos. Trata-se do primeiro entre os instrumentos para a governabilidade. E é parte inarredável da democracia representativa, porque não exclui o eleitorado que, antes, optara por concorrentes de votação minoritária. Antes do tira-teima que se reedita no dia 27 o eleitor dos candidatos derrotados seria, com eles, excluído do processo. Relegados ficavam o candidato e seu eleitor. Na segunda chamada, ao contrário, democraticamente, todos são atores participantes.
É uma solução acolhida pela unanimidade dos estudiosos da política, a começar pelo fato de o sistema de duplo escrutínio ter a vantagem de abrigar uma necessidade psicológica das maiorias não bem sucedidas em eleições majoritárias. Já se disse que tem o mérito de desovar os protestos e encoraja a reflexão, como dizem os franceses, geralmente apontados como donos das primeiras experiências nesse campo. O que é válido, mesmo quando se lembra de recente exceção brasileira, quando raivas e ressentimentos instruíram a eleição decisiva da luta pela Presidência da República. Uma exceção a de 2022, que até hoje não permitiu a Lula e Bolsonaro descer do palanque em que ainda se engalfinham.
Ressalvadas as raridades, estamos diante de um caso em que as virtudes sempre sobrepairam nos eventuais defeitos. Nesse sentido, não haveria como discordar dos argumentos que, em defesa do segundo turno, levantava, neste JB, o notável Villas-Bôas Corrêa (1923-2016). Sem isso, “corremos o risco de eleger alguém com, digamos, 20% dos votos, o que é receita certa de crise, de turbulência, desestabilização do governo”. Evita-se, ainda, “a eleição de um candidato carregado numa onda emocional, na crista da vaga de popularidade súbita produzida pelo desempenho feliz num programa de rádio ou televisão”. Há que se registrar: a consolidação desse aperfeiçoamento na legislação ficou devendo muito ao jornalista.
Não se sabe, com garantia, em quantos dos municípios com mais de 200 mil eleitores os cidadãos terão de retornar ao voto no último domingo de outubro. Sejam quantos forem, estarão contribuindo para consolidar essa grande conquista da obra permanente do aperfeiçoamento da democracia representativa no Brasil.



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