Pisando em ovos
(Wilson Cid, hoje no "Jornal do Brasil" ))
O presidente Lula está se vendo obrigado a pisar entre ovos nessa questão, cada vez mais delicada, que são as relações do governo com a Venezuela, e, em decorrência, a convivência com os países aos quais não agradam nossas simpatias com o regime de Maduro. Um quadro complicado, porque, se o presidente não tem como desembarcar de seus afetos com Caracas, agora, num ato descabido, é acusado de desempenhar papel de fantoche dos Estados Unidos. Nada mais improcedente. E, como nada é tão complicado que não possa complicar mais um pouco, veio essa nota oficial do PT, partido da base do governo, que, precipitando-se, anunciou reconhecimento da vitória eleitoral de Maduro, sem embargo de, nesse passo, os petistas estarem na contramão do mundo. Um novo complicador para Lula, sobre quem paira uma indagação: vai se curvar aos companheiros ou tentar demovê-los da aventura bolivariana? Ou, então, assumindo a prerrogativa de chefe, chamar o partido às falas, pela inoportunidade da manifestação, não por discordar dela, porque, no íntimo, Lula aprecia o colega vizinho, e, também nisto, batendo de frente com boa parte do mundo civilizado. É questão do fora de hora.
Há uma instigação paralela para mexer hoje com a criatividade presidencial, mesmo com a cabeça ferida, depois de acidente familiar. É o choque entre o partido do governo e a chancelaria. As luzes e os aromas que os petistas veem e aspiram na ditadura de Caracas não são os mesmos da percepção da diplomacia; e o Itamaraty tem responsabilidades nas relações externas, onde o clima é de preocupação ante a tardança de uma posição séria e clara sobre as coisas que acontecem na Venezuela. Como a base política do governo pensa diferentemente do que propõe a diplomacia, há aí um desencontro complicado. Quanto à demora por definições claras, o PT também intervém e critica a posição do Planalto, definido como uma casa confusa. E, de fato, costuma ser.
Prioridade relegada
Dentro de alguns dias começa a tomar forma o painel das possibilidades na disputa pela presidência da Câmara dos Deputados, o que parece, hoje, estar mais na dependência do êxito das articulações do grupo de Artur Lira, empenhado em manter o máximo possível de suas forças e prestígio. Na linha das dependências, também caberia medir o interesse do governo em interferir nesse delicado processo. Lula já prometeu equidistância na disputa, o que, certamente, não vai além de uma disposição pessoal, porque ao Executivo, como um todo, impessoal e coletivo, é sempre importante conversar e acertar planos com a mesa da Câmara.
Mas, o que tem chamado atenção no noticiário sobre o novo presidente, a se empossar em fevereiro, é que nada se fala sobre o que, com toda certeza, devia ser prioridade para quem assumir a importante função, além de ser o segundo sucessor a presidir o país, no caso de impedimento do chefe do governo. Essa prioridade, que tem tudo para superar quaisquer outras, é o imenso trabalho que se espera do Congresso para ajustar as relações entre os poderes, deterioradas, mais ainda, quando se trata de Legislativo e Judiciário. Há muito o que fazer nesse campo, embora na intensa campanha pelos votos de parlamentares o que mais se conversa são emendas orçamentárias, tê-las totalmente à mercê dos autores, o que tem resultado em desagrado para os ministros do Supremo. Antes disso e acima disso, as candidaturas à cadeira de Lira deviam mostrar o que podem fazer para o ajuste das relações entre os que legislam os que, na mais alta corte de Justiça, querem conter abusos nas emendas, recheadas com dinheiro do povo. Em tal episódio, cada parte tem um pouco de razão, não totalmente. Portanto, é preciso conversar.
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