Corrupção e impunidade
((Wilson Cid, hoje, no "Jornal do Brasil" ))
O caráter subjetivo com que a Transparência Internacional avalia os países mais corruptos do mundo pode autorizar certa reserva, mas é inquestionável que suas conclusões se baseiam em fatos e dados que não é possível negar. Portanto, não parece justo assumir a defesa dos governos suspeitos nem se pode desautorizar as conclusões a que chegou. No caso particular do Brasil: haverá alguém que se sinta confortável para dizer, num arroubo de patriotismo, que não figuramos entre os campeões da corrupção? As evidências do dia a dia tornariam ridícula tal afirmação.
De acordo com a ONG internacional que trata da matéria, despencamos mais ainda na escala vergonhosa, com a constatação de que pioramos por causa do Judiciário, onde, não raro, vai se tornando difícil a defesa dos direitos fundamentais; mas, ao contrário, com facilidade premiam-se criminosos contumazes, perdoam-se dívidas fabulosas. Ou, não menos grave, quando altos juízes não escondem a influência política em suas decisões.
Admitindo-se, ainda que em parte, as conclusões da pesquisa que nos garante o triste pódio, há um detalhe que cabe considerar. Observe-se que os países menos vulneráveis à corrupção são exatamente os que têm a seu favor os melhores índices de educação. Como se vê claramente nas regiões nórdicas. Não se pode atribuir a isso mera coincidência, porque, com toda certeza, é um fator a mais para dar embasamento a quantos acham e proclamam que educar é a primeira entre todas as prioridades dos governantes e da nacionalidade. A educação, antes e acima de tudo, pode levar a uma consciência coletiva ajustada à lei e à probidade; e, se nas nações mais evoluídas nem por isso deixa de haver o crime, ele é certamente um escândalo sem perdão. Efetivamente, como advogam boas cabeças, é preciso partir para políticas públicas corajosas na educação das grandes massas, longe de privilégios e de classes.
Outro ponto a merecer atenção, ainda debruçados sobre a Transparência, é que a cultura da corrupção prospera sob as asas generosas da impunidade. Este, seguramente, o grande tumor que corrói o organismo dos nossos poderes. É ela que estimula o mal e lhe garante proteção, por mais espantoso que seja.
Choque de realidade
Passadas as festas de posse, quando todos os discursos são possíveis, aplaudidos, chega a semana em que começam as cobranças e o balanço das objetividades. O primeiro exemplo, reportando-se a Brasília, está no pronunciamento com que o doutor Lewandowski assumiu o ministério da Justiça, dando tonalidade clara sobre algo espantoso, chocante, mas verdadeiro. Disse ele, e certamente confirmará fora do ambiente de festa e de celebração, que o crime no Brasil, de tão organizado, infiltrou-se no serviço público, fartamente e próspero. Fato consumado.
Principalmente por partir de quem acaba de sair, por força da compulsoriedade, da mais alta corte de justiça do país, é uma grave declaração. Duplamente corajosa, porque, além de reconhecer o cancro que infesta o governo do qual faz parte, está ele, com evidências, assumindo a responsabilidade de enfrentar o grande mal. O que, vale dizer, o ministro tem compromisso de dar combate ao crime organizado exatamente nas entranhas do governo, tarefa que está longe de poder ser cumprida com os recursos que lhe são transferidos pelo antecessor. Porque sabe o novo ministro, antes de substituir Flávio Dino, e desde quando estava presente no Supremo, que figuras da alta criminalidade transitam impunes e festejadas nos palácios. Como remover isso, excelência?
Outra preocupação anunciada, sob o calor da investidura, é que seu ministério cuidará de garantir ampla defesa aos cidadãos que estão sob suspeita ou acusação de prática de atos ilegais. Disse isso a poucos metros de distância de outros ministros, togados ou não, entre os quais nem sempre tal direito tem sido honrado. Deve saber, sem dúvida, que em julgamento recente, em Brasília, por conveniência política até mesmo simples defesa oral foi negada, como protestou e denunciou a Ordem dos Advogados do Brasil.
Se muitos dos desafios o ministro terá de enfrentá-los dentro do governo e na intimidade da magistratura, é fora de dúvida que já entra em cena contrariando o figurino. Vejamos como vai se sair.
Ministro desafiado
Dois temas, controversos, de desencontradas interpretações, abriram a semana no campo da segurança pública: o acesso da iniciativa privada ao sistema penitenciário, e a ideia, inicialmente lançada pelo presidente Lula, de dar à legislação algum caminho para tolerar crimes de pequena monta. Estamos diante de uma discussão que, não sendo nova, talvez esteja destinada a cair no esquecimento, exatamente pelo fato de dividir opiniões, longe de formulações consensuais. A questão dos presídios entra de novo em debate, mas com base num equívoco. Não se trata, nunca se pretendeu, de dar à iniciativa privada o poder de assumir a aplicação das penas, mas apenas, tão somente, gerenciar o sistema nas questões administrativas: o controle do pessoal, o fluxo de compras, cumprimento de legislação trabalhista, gestão dos prontuários. Nada a ver com o confisco do direito e do dever do estado de decidir sobre as penalidades e seu cumprimento.
Há conveniências, se bem medidas, se os estados cederem a empresas qualificadas a responsabilidade pela organização de presídios. Nada a ver com o destino dos apenados. O que caberia, então, é aguardar uma experiência que se pretende em Erechim, no Rio Grande, de onde o governo poderá tirar melhores conclusões.
Outra questão vem da ideia do presidente, logo absorvida pelo ministro Dino: praticantes de crimes sem maior ofensa ao patrimônio poderiam escapar da prisão, para juntar-se a cerca de 200 mil brasileiros, que já pagam seus pecados com penas alternativas, o que, de imediato, contribuiria para desinchar a população carcerária. Bem entendido, já que o estado não tem como prender, tolera-se o delito. A sensibilidade do presidente Lula em relação a certos crimes é antiga, desde quando opinou que o roubo do celular para financiamento de uma latinha de cerveja não pode ser tratado a ferro e fogo.
Contudo, a questão a considerar é que esses pecados da rapaziada acabam sendo o primeiro passo para a prática de crimes maiores. As estatísticas, se as temos com alguma confiança, vão confirmar que a escala da delinquência, quase invariavelmente, começa com pequenas infrações. Por isso, talvez seja difícil, ao contrário do que pretende o ministro, estabelecer um divisor entre males menores e males maiores; como seria possível começar e não deixar prosperar?. E combinar com os jovens bandidos… No interior do seu Maranhão costuma-se dizer, com razão, que cesteiro que faz um cesto, faz cem. Questão de tempo e de oportunidade.
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