O clima que falta
((Wilson Cid, no "Jornal do Brasil" ))
Os mais recentes desdobramentos da tragédia de 8 de janeiro de 2023, com a revelação de dados de que naquele dia estava em marcha um golpe de estado, vão contribuir, ao lado das naturais dificuldades do ano eleitoral, para dificultar o Senado na votação de matérias de maior relevo. Dadas tais condições, não parece que estaremos vivendo período propício para a conclusão de projetos notáveis, como o fim da reeleição para cargos executivos, contrariando promessa do presidente da Casa, Rodrigo Pacheco, que garantia avanços nessa questão. Ele próprio, que não tem como escapar do papel de protagonista nesse do quadro de dificuldades, já deve ter percebido que seus planos estão prestes a escapar do controle das pautas, onde, numa linha de dificuldades, vai se aquecendo outro grande desafio, isto é, a tentativa do Congresso de limitar poderes do Supremo Tribunal. Se são temas de difícil encaminhamento, quando se vive o clima de harmonia, pior ainda nestas horas de confronto ácido entre os poderes.
O Congresso passa a não ter olhos e ouvidos para outras atenções que não sejam a marcha dos acontecimentos do dia a dia da crise, seus desdobramentos e, dentro do possível, evitar que prosperem maiores riscos para as instituições. Como se sentiu, na semana passada, quando as tensões políticas cresceram mais que o esperado, com prisões de políticos, denúncias de envolvimento de militares em suposto atentado à democracia. Para completar, o desconforto de um ex-presidente da República com passaporte bloqueado pela polícia. Pode não parecer muito, mas é algo grave.
Portanto, às ações policiais dos últimos dias vamos ficar devendo os entraves na tramitação de projetos vários, como também o destino das eleições de outubro, com suas possíveis imperfeições. Desejamos sejam realizadas em ambiente de ordem e paz, mas não é o que sugere o panorama conflituoso em que têm se desentendido, a um só tempo, Executivo, Legislativo e Judiciário. Essa situação é tudo que não se desejaria para o processo eleitoral que vai chegar, se já não bastassem ter, como complicador, os rumos da radicalização, que facilita o ódio e a violência.
De fato, as coisas que estão acontecendo no país vão empurrando o eleitorado para o jogo feroz do lulismo e do bolsonarismo, como também dividido entre um projeto golpista, que flutua entre os que acreditam nele e os que o julgam farsa de laboratório. Já nem se cuidar saber com quem está a razão. Esteja onde estiver, o eleitorado caminhará, manietado, para as urnas, condenado a ver empurradas para segundo plano as verdadeiras questões de interesse de seus municípios.
A contrapartida
O ministro Fernando Haddad anda, a passos largos, buscando apoio para consolidar as linhas básicas da política econômica que tenta implementar, para tanto alçando voos nas áreas parlamentar e empresarial. Há dias que se empenha nessa jornada, com visíveis sinais de que, nesse particular, ainda está longe de alcançar o que deseja. Quanto ao delicado diálogo com bancadas do Congresso, seu padecimento parece maior, porque conquistar gestos de simpatia dependem, não dele, muito mais da política da Presidência da República, onde as cobranças de reciprocidade são constantes e custosas. Entre dois fogos.
Mas, quanto a outro aspecto de suas dificuldades, o diálogo com lideranças dos setores produtivos, observa-se que, se os programas da Fazenda, notadamente as bases da reforma calcada em tributos, ainda não ganharam ampla aceitação do empresariado é porque tem faltado um detalhe importante: a contrapartida. O Governo, se gosta de cobrar, na volúpia dos impostos, precisa mostrar disposição de cortar a própria carne, praticar a lipoaspiração nas entranhas dos ministérios, livrar-se e queimar as gorduras, que são muitas e fartas. Ganhará simpatia e apoio se economizar, aparando gastos, limitando viagens suntuosas, reduzindo missões no Exterior e revendo critérios de prioridade nos projetos federais. Cortar onde dói é coisa que o ministro pode até desejar, mas pouco pode contra isso, porque o governo quer gastar, tem de gastar para sobreviver.
É certo que a missão do ministro Haddad seria menos espinhosa se pertencesse a um governo que não esbanjasse, rigoroso e comedido nos gastos dispensáveis. Ele sabe que tem faltado o exemplo no cuidado com o dinheiro que sai dos impostos. Mas não pode falar.
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