Um desencontro a resolver
((Wilson Cid, hoje, no "Jornal do Brasil" ))
As perturbações que se seguiram ao comentário do presidente Lula sobre o conflito na Faixa de Gaza, o que rendeu irremediável estremecimento das relações com Israel, têm tudo a exigir esforço para que situações dessa natureza não se repitam. Há algumas referências que podem contribuir para remover os riscos. Primeiramente, por demais óbvio, algo há muito tempo reclamado e recomendado é o alinhamento mais nítido no campo da política externa, acertando-se, minimamente, o que sobre ela pensa o presidente e, em outra via, o que pretende a experiência do Itamaraty. Lula tem no ministro aposentado Celso Amorim um orientador particular, inspirador. Já o ministério norteai-se pelas vias da técnica diplomática, onde uma das atenções básicas é não submeter-se a precipitações. O episódio da fala sobre a guerra entre judeus e os terroristas do Hamas deixou claro que o gabinete presidencial e a chancelaria trilham caminhos não coincidentes; pelo menos em dimensões desejadas. Aliás, visões diferentes e contraditórias sobre questões comuns figuram como outro ineditismo, entre os que o governo tem oferecido com frequência. Observemos, portanto, que nas questões com o mundo lá fora estamos diante de um desencontro a exigir acerto e simultaneidade, na forma e no conteúdo.
Outro ponto a avaliar, já que a questão em tela está em elaborar cuidados para que não se repitam desagradáveis incidentes, é o redobrado cuidado com os improvisos presidenciais. O improviso é, não raro, perigosa cilada para o homem público que nele se aventura. Fica na espeita, derruba o orador, principalmente quando a vítima incursiona em pálidos conhecimentos históricos de almanaque, tal como se deu na infeliz comparação da guerra atual com o Holocausto. Esse cuidado se acentua mais ainda, quando se leva em conta a disposição de Lula de levantar voo, e falar para o mundo o que pensa. Alguns homens experientes, que estiveram naquela cadeira, temiam os pronunciamentos em cima da hora, o excesso de confiança na memória e no talento verbal. Dizia-se que o melhor improviso é o que vem no bolso, alinhavado com horas de antecedência.
Passados vários dias da tragédia diplomática, a poeira insiste em não baixar. Para tanto, o que mais contribuiu foi o governo israelense considerar persona não grata o presidente brasileiro. Excedeu-se. Quase como um convite à suspensão temporária das relações entre os dois países. É preciso observar que, chegado o clima a esse nível, sem a disposição bilateral de pedido de desculpas, há apenas um remédio na prateleira da diplomacia: adotar o silêncio e o recolhimento, evitar novos comentários, e esperar que o tempo cuide das feridas. Esse tempo há de chegar, certamente, porque Brasil e Israel têm tradição de convivência respeitosa. Amigos de longa data, quando Lula e Natanayahu apenas acabavam de nascer.
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