Um pouco de paz
((Wilson Cid, hoje, no "Jornal do Brasil" ))
Passado o carnaval, que tem competência para justificar tudo, até explicar a fuga dos bandidos perigosos de Mossoró, é preciso que o Brasil mereça um pouco de paz; safar-se desses dias de sobressaltos gerados pelo clima de desarmonia, como raras vezes se tem visto. Um pouco daquele ar puro, que não se respira no momento, não apenas na vida político-partidária, muito menos nas relações acidentadas entre os poderes. Neste passo, vale insistir no que tantas vezes já se indagou: a quem os destinos da sociedade brasileira poderiam confiar a busca de novo tempo de paz? Prioritariamente aos homens que têm a responsabilidade de governar. Mas qual deles?
Para arriscar um palpite, porém com base em evidências, ocorre que tão grave missão, sendo superior, talvez se ajustasse melhor à autoridade maior, o presidente da República. Até porque ninguém mais que ele chegou onde está, se não pelo voto expresso da maioria dos cidadãos; esses mesmos que hoje, pela viva voz das ruas e das tribunas, ou pela perplexidade silenciosa, gostariam de estar vivendo alguns dias sem tensões.
Voltando ao passado recente, o presidente da República talvez não sentisse, no começo de seu mandato, que acabaria mergulhado numa quadra de tamanhas apreensões e incertezas. Hoje, contudo, ele tem à mão dados mais que suficientes para saber que esbarrou com uma realidade diferente, e que precisa enfrentar, porque não é possível escondê-la nem afogá-la com excursão às pirâmides, à exótica Etiópia ou remexendo na história do Holocausto. E, se também periclita nosso prestígio no Exterior, eis a razão a mais para se dedicar às questões domésticas; aos problemas de uma nação hoje tomada de dúvidas.
O Brasil precisa de tranquilidade. Para tanto, num primeiro passo, talvez fosse conveniente que o presidente abandonasse ou adiasse sua fixação no principal adversário, o antecessor, porque à medida em que cuida excessivamente dele, vai sendo dominado por algo parecido com estado psicótico, e nisso levando o povo de arrastão. Lula não deixa dormir o leão que teme, mas dá a ele condições para promover mobilizações populares e denunciar a existência da ditadura velada, que, na pregação bolsonarista, é filha de concubinato do Executivo com o Supremo Tribunal. Evidente que é Lula quem oxigena o ex-presidente, conferindo-lhe, internamente e no Exterior, a imagem da resistência. Não é possível que ainda não tenha percebido isso.
O presidente andaria bem se, desocupado das preocupações com fantasmas, mas rigorosamente consciente do momento delicado que vivemos, passasse a dedicar todos os esforços para pacificar a vida nacional, liderando conduta civilizada na divergência das questões políticas, sem os embates agressivos que tanto preocupam. Na verdade, sem deixar de ser presidente, ser mais estadista, construir a paz, remover conflitos estéreis. É uma exigência da hora.
Pode ser apenas mera opinião ou devaneio, mas se ele conseguisse mudar o rumo de suas preocupações, abraçando amplo projeto de pacificação, certamente os demais poderes não teriam como deixar de imitá-lo. O exemplo, quando vindo de cima, exerce a força da atração. A começar pelo Legislativo, que poderia se sentir menos animado a exigir coisas que escapam de suas responsabilidades, e não postular o que a moralidade pública não recomenda, mas condena.
Por extensão e por natural consequência, ouve-se dizer que, estando o presidente da República empenhado nessa missão heroica, o próprio Supremo Tribunal Federal passaria a se resguardar nos limites que lhe impõe a Constituição; e assim, diferentemente do que hoje se vê, desaquecer as relações com o Congresso, o que tem alimentado justificadas preocupações, independentemente de o presidente da corte afirmar que os poderes andam em harmonia. Porque, dizendo isso, o ministro Barroso apenas prega o desejável, não o realizado.
Os fatos e suas consequências para outra coisa não têm servido se não jogar no colo do presidente a urgência de um plano de paz, que talvez só possa recompensá-lo num futuro mais distante, mas é urgente e impostergável. Espera-se que nos convescotes palacianos alguém troque ideias com ele sobre isso.
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