Indesejada fartura de PECs
((Wilson Cid, hoje, non "Jornal do Brasil" ))
Se a pauta dos trabalhos do Senado Federal ainda não se esgotou – imagina-se que não – certamente haverá tempo útil, em meio a debates, algumas vezes ásperos, com o Supremo Tribunal Federal, com oportunidade para uma reflexão sobre proposituras que transitam inspiradas em projetos de emenda constitucional. Há exageros, como não podem negar, senadores donos de alguma ou ampla intimidade com as regras da constitucionalidade das coisas. Sabem eles que têm diante de si várias iniciativas que podem, com alguns esforço, tomar o caminho da legislação ordinária, evitando-se situações exóticas, como, entre as recentes, a peleja com a mais alta corte de justiça do país sobre os gramas toleráveis ou inaceitáveis nos bolsos da rapaziada que opera baseados…
A Constituição, no Senado ou na corte responsável por resguardá-la, é tanto mais respeitada e cumprida, quando a salvo de enxertos; estes, em sua maioria, fruto de circunstâncias momentâneas. Quem desconhece isso? As Cartas se impõem, como demonstram os maiores países do mundo, exatamente por resistirem a paixões e incursões de época. A inglesa, de 1215, que João Sem-Terra nem precisou escrever, fez-se respeitar por todo o tempo. A dos Estados Unidos, anciã de 270 anos, sofreu apenas 27 emendas. Nós, discrepando de experiências tradicionais, já alteramos e recheamos a nossa, em três décadas e meia, com 135 emendas! Nossos velhos abusos legiferantes…
Há pouco o que apostar na eficácia das alterações nos últimos tempos introduzidas, que passaram com grande facilidade pelo Congresso, sob o espanto de eméritos constitucionalistas. O que, aliás, serviria para sugerir, já na atualidade, o balanço sobre o que delas, efetivamente, a nação tirou proveito. Ou as que, dentre muitas, nem de perto, atingiram o ideal pretendido. Como exemplo, cita-se, neste caso, uma que, aprovada há 24 anos, desejou traçar valorosa política de combate e erradicação da fome, esta companheira antiga e indesejada…
Para justificar as atuais pretendidas mudanças, nem se sustenta o argumento – legítimo, mas insuficiente – de que, reunidos em 1988, os constituintes acabavam de sair da ditadura, e uma nova Carta era a porta de alívio; portanto, os agentes políticos da hora tinham mesmo de extravasar as dores de duas décadas de angústias e limitações. Com isso, sofrimentos e ressentimentos levaram a uma Constituição cheia de detalhes e pormenores, muitos direitos e poucos deveres. O jurista Saulo Ramos, ministro da Justiça no governo Sarney, dizia que ela se assemelha ao estatuto de clube social, dada a fartura de dispositivos, o que o levava a prever dificuldades em futuro imediato. Deu-se que o maior entre os nossos documentos nasceu como peça analítica, quando ideal que fosse sintética, primeira virtude para que se lhe cobrasse acolhimento e respeito permanentes.
Mas, este é um cuidado que não faz sentido discutir agora; só no tempo em que tivermos de cuidar de outra Constituição. No momento, o que cabe fazer é resguardar a que temos de tantas investidas de recauchutagem.
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