terça-feira, 23 de abril de 2024

 



O consenso entrou em crise

((Wilson Cid, hoje, no "Jornal do Brasil" ))

São várias, algumas coincidentes ou intercaladas, as previsões sobre dificuldades que o presidente Lula terá que enfrentar; se não ainda neste semestre, inevitavelmente no próximo, sob pena de o governo debater-se com complicações e desafios, bem mais sensíveis que os da atualidade. Em muitas vezes, o que se ouve são meros palpites sobre soluções miraculosas. Mas sempre coincidindo em um ponto: é hora de encarar providências inevitáveis.
A questão estaria, como preliminar, na necessidade de serem identificadas as raízes dos problemas que a todo momento batem à porta do presidente, que já não tem conseguido esconder certo racionamento de paciência ao digladiar com o cotidiano. Para descarregar as tensões, o remédio é viajar.
Por começo, percebe-se que o governo vive o que se poderia chamar de escassez de consensos. Artigo que falta dentro de casa. Brigas dos comensais de copa e cozinha. Coisa que nem se pode atribuir à oposição, mesmo aos bolsonaristas, que ele e os apoiadores têm na conta de inimigos que tiram plantão diário. Fato é que o consensual nas equipes que assessoram, em quase todos os gabinetes, tornou-se uma raridade; em poucos momentos, levemente perceptível.
Um distanciamento comprometedor, certamente grave, tem sido gerado pelo conflito entre os agentes da sustentação política e as linhas e metas do programa econômico. A Casa Civil e a Articulação não se dão bem com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad; e, nesse terreno, nada melhor para se criar o clima de dificuldades, principalmente quando os atores procuram disfarçar o indisfarçável. E Haddad, por acréscimo, já vem esbarrando com seu PT, onde dirigentes mostram-se raivosos e ansiosos por respirar as eleições que vão chegando. Fácil perceber que divergências na órbita ministerial, independentemente de se mostrarem sub-reptícias, é que corroem as estruturas do poder. Lula não precisaria de outra coisa para preocupar.
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Tem mais. As relações, deterioradas entre os três poderes, devem lembrar ao presidente que, nesse campo, quando as cordas se retesam e as represas ameaçam romper, as consequências desabam sobre o Executivo, que as crises sempre elegem como o primeiro entre os vulneráveis. Os poderes, quando conseguem se falar, deixam entender que estão vivendo em torre de Babel. O que ficou demonstrado, semana passada, para estranheza geral, fato inédito: o Supremo Tribunal Federal cobrou de Lula ações diretas junto a deputados e senadores, para demovê-los de hostilidades praticadas contra a corte. Indiretamente, um convite que o coloca em meio a dois fogos. Receita eficaz para novos desgastes com o Congresso, onde o governo vem pagando pesado para superar a insuficiência de sua base parlamentar.
Aí surge a pergunta inevitável: como estabelecer uma nova ordem ao diálogo com o Congresso Nacional? As últimas semanas deixaram sinais desanimadores, porque não está sendo possível romper as dificuldades, numa relação que se resolve de caso em caso, emenda por emenda, aos goles amargos, sorvidos segundo acertos da hora. O governo pode ter suas culpas, e as tem, mas não se pode desconhecer que está condenado ao malabarismo entre duas lideranças parlamentares poderosas e diferentes entre si: a avidez alagoana de Arthur Lira e o maneirismo do senador Rodrigo Pacheco, de quem se diz ter reeditado a velha prudência de sua terra natal: o mineiro nunca é, principalmente se parece que é, dizia Millôr.
Para mea-culpa ou para remir, é certo que vem aí um semestre sequioso de definições e firmeza de condutas do Planalto. Sem que falte, impositivamente, o ajustamento de nossa convivência com povos amigos ou indiferentes. O delicado campo de relações internacionais sente os efeitos do descuido do presidente com as palavras, muitas vezes equivocadas, gerando situações incômodas. Não foi diferente o que se deu com suas avaliações sobre os conflitos na Ucrânia e em Israel, além do desencontro com o governo argentino de Milei. Mais recentemente, a desnecessária tomada de posição frente às divergências diplomáticas e policiais entre Equador e México. Para completar, eleito persona non grata do Parlamento de Portugal.
Vai chegar um novo semestre, que também promete ampliar nossas decepções com a ditadura venezuelana, onde reina Maduro, que Lula abençoa, mesmo agora com a flagrante ameaça de uma eleição presidencial fraudada. Tempos desafiadores, portanto.

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